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Artigos-->O TEMPO HUMANO -- 13/07/2008 - 12:26 (Antonio Pereira Sousa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos




Antonio Pereira Sousa



A vida humana se fez de mil maneiras, organizou-se de modo tão diverso que espanta, encanta e ganha a docilidade de um riso infantil ou a aspereza da dor que machuca e anula o gosto de viver. Há um movimento presente nesse fazer-se e desfazer-se da vida. É o tempo se elaborando.

Antes de cada um de nós neste agora, bem próximo ou bem distante, aconteceram tantas outras coisas e nós nem estávamos lá. Esse momento anterior a nós pode-se chamar de passado. Nesse passado, houve um esforço dos sujeitos sociais que resultou na conquista e no domínio de bens úteis à vida: os alimentos e outros confortos. Nesse exercício, o homem cultivou modos específicos de realizar ações e a isso se denomina de experiência. As experiências ganham as marcas do espaço e do instante em que foram instituídas. Compõem nossa forma de ser: somos mais ou menos ativos ou reativos, menos ou mais entusiasmados. Percebe-se aqui um movimento de sujeitos sociais realizando-se. É tempo se formando.

Nessa construção humana que vem de longe, há uma aprendizagem que fez crescer o domínio humano sobre as coisas de que a vida precisa. Desenvolveu-se em todos nós uma consciência social, instituímos valores e os modernizamos, consolidamos aquelas ações que foram mais eficazes para nossos interesses e as transferimos de gerações a gerações: modos de morar, de alimentar-se, de gostar, de encantar-se e desencantar-se. Essa dimensão da vida ativa do homem, que se mantém e se eterniza, é a tradição. Tradição é a ação do homem que permanece no dia a dia do social. Dessa tradição surgem princípios para novas ações, fundamentos, origem e alvo para a vida. A tradição é o tempo se organizando.

Perceber a vida se fazendo e se desfazendo, organizando-se numa experiência e consolidando-se em tradição, é entender que há um hoje que dependeu do passado. O hoje é o instante em que estamos laborando, envolvendo-nos no ato de fazer acontecer, estamos no cenário do encontro e desencontro da vida ativa que quer atender a todas as suas necessidades. Estamos no presente. O presente é uma espécie de dádiva do passado que se configura em novos modos de agir, em novos modos de sentir, por força de novas exigências. O presente, no entanto, é transitório. Ele dura um pouco mais enquanto as ações e os pensamentos são válidos para o social, em forma de tradição, mas termina transcorrendo, como tudo que é humano. Noutros momentos, o presente relampeja, modifica-se no ato seguinte, ao piscar do olho, vira passado. O presente é um tempo germinando.

A possibilidade da compreensão da existência de um passado, que é movimento, de um presente, que transcorre, resulta do entendimento de que há ainda uma outra instância a alcançar, um horizonte que faz a vida ser desejo, um lugar imaginário onde nossas fraquezas serão revistas e as virtudes se estabelecerão. Esse espaço imaginário, que há de nos redimir, é o futuro. O futuro é um tempo em construção. Na expressão de Fanon (citado por Bhabha), o futuro humano liga-se ao além pelo desejo:

“No momento em que desejo, estou pedindo para ser levado em consideração. Não estou meramente aqui-e-agora, selado na coisitude. Sou a favor de outro lugar e de outra coisa”.



O passado, presente e futuro como tempo humano, é uma dessas invenções mais significativas que nos tornou “homo sapiens”. Os bens úteis à disposição do homem, por ele conquistados no decorrer dos séculos, as mudanças de hábitos, tudo isso são marcas que revelam diferenças do que somos. Gostos e sabores surgiram, desapareceram e se mantiveram; prazeres, ações e reações ganharam corpo, declinaram-se, cederam lugar a novos modos de apreciar e encarar a vida. O saber sobre o uso e o domínio dos fenômenos pré-existentes ao homem (água, luz, som, vento, solo, espaço, flora, fauna etc.) ganhou possibilidades inimagináveis e já se mergulha na profundidade dos genes dos organismos, a exemplo das formas de clonagem.

É nesse jogo da vida humana se fazendo que o tempo surgiu como ato do homem e como a essência de suas realizações. O tempo, então, é o ato do homem figurado em experiência. É nessa experiência instituída, nesse fazer-se e desfazer-se da vida que o tempo se materializa no espaço, num milagre que o torna visível. Olhando-se o feito do homem, tem-se a possibilidade de falar das distâncias, das diferentes experiências, das tradições: o carro de boi e as naves espaciais, por exemplo. Nessa percepção, falamos de um passado, de um futuro desse passado e de um presente que os observa. Há aí um transcurso, um movimento, um momento em que o tempo se mostra ao passar, por se configurar na objetividade dos feitos humanos que se modificam, no que pode ser percebido e medido. É nesse sentido que a metáfora bakhtinianadispõe:

“[...] o tempo se derrama no espaço e flui por ele, formando caminhos”.



E por que o tempo é tão fluido? É porque a forma que se tem de fazê-lo cognoscível é através de um processo narrativo, é através de conceitos, como expressa Ricoeur:

“O tempo torna-se tempo humano na medida em que está articulado de modo narrativo [...]”.



A narrativa é necessária para se reconhecer o tempo, porque este não se apresenta em forma, não se configura num corpo, ele não se manifesta na “imediatidade” do que aparece. Assim, o tempo só se oferece a quem o procura, mas, para percebê-lo, é necessário penetrar no sentido inicial da elaboração do feito, nas razões que motivaram a ação. Em cada gesto do homem, emoldurado por suas experiências, o tempo é re-configurado. O tempo assim pensado, embora único, eterno, absoluto, deixa de ser incognoscível, porque se esconde nos feitos humanos e ganha a relatividade presente nesses feitos: aqui havia uma ponte de madeira e dava passagem a animais de carga, agora se tem uma ponte de concreto, passam caminhões de carga. Nessa diferença entre as pontes vêem-se modos de ser e de agir singulares, relativos. Há um tempo anterior ao outro, um ontem e um depois, elementos subjetivos na realidade das duas pontes.

Criando o tempo passado e futuro, o homem foge do presente eterno, diferencia-se mesmo de seus semelhantes, ao construir, em grupos distintos, suas experiências e tradições, como expressou Paul Valéry (citado por Novaes) “[...] O homem não apenas constrói perspectivas aquém e além dos intervalos de reação, faz muito mais que isso: vive muito pouco apenas o próprio presente [...]”.





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