(Sobre poema Jaguadarte, de Lewis Caroll - Tradução do "Jabberwacky" por Augusto de Campos)
- "Eu poderia recitar a terceira estrofe, sem querer importunar?" -Indagou Alice.
- "Não, respondeu o Ovo risonho, muito pelo contrário, faz-me bem ao ego analisar poemas aparentemente complexos".
- "Se permite", - continuou Alice, - "recitarei a estrofe:
- Ele arrancou a sua espada Vorpal
E foi atrás do inimigo do Homundo
Na árvore de Tamtam ele afinal
Parou um dia sonilundo".
- "Bom", - começou Ovo. "Não mais intrincado que a primeira estrofe. Vorpal, vem de Vorpália, antiga região onde viviam guerreiros justiceiros e bondosos, razão da expressão Espada Vorpal, ou seja, espada justiceira".
- "Parece um conto de fadas", - suspirou Alice. -"E Homundo"?
- "Significa, o mundo dos Homus. São os guerreiros que têm por tradição mandar seus jovens para a prova da maturidade".
- "Explique melhor, por favor!" - Interrompeu Alice.
- "Para provar que já podem se tornar guerreiros" - continuou Humpty, "os Homeninos têm que lutar e vencer o terrível Jaguadarte, ave infernal que assola as plantações dos Homus".
- "Nossa, que crueldade!" - Exclamou Alice, com ar de indignação.
- "É absolutamente racional", retrucou o Ovo, - "quem luta e se defende, ganha o alimento do qual depende!"
- "Pensando assim, faz sentido", - concordou Alice.-"E Tamtam?"
- "Tamtam é uma árvore cujo fruto, uma mistura de Tamarindo e Tangerina, é muito apreciado pelo Jaguadarte".
- "O senhor poderia me dizer o que significa sonilundo?" - emendou Alice.
- "O mundo dos Sonilus".
- "Grande ajuda!" - Retrucou Alice, insatisfeita.
- "Ora, minha menina! É obvio mais que ululante!" - Exclamou o Ovo, debochando da falta de conhecimento da menina, fato que o divertia profundamente. - "É um sonho pequeno, no que se dorme e age ao mesmo tempo. Se venceres, acorda, mas se perdes, sonha para sempre! Essa é a grande prova dos jovens Homeninos, vencer o pesadelo do Jaguadarte e viver o sonho brando que é a vida".
- "Nossa, que impressionante!" - Alice não podia conter seu espanto com tamanha novidade. Histórias que ela jamais havia sonhado em ouvir, ainda mais contadas por um ovo falante!
- "Recite mais uma estrofe, minha menina! O meu ego já me provoca cócegas de contentamento!" - O Ovo antes de qualquer coisa era um grande exibicionista, e poder demonstrar suas habilidades à Alice o enchia de um prazer quase que anestesiante.
- "E enquanto em sussustada sesta
Chegou o Jaguadarte, olho de fogo,
Sonelfiflando através da floresta
E bobulia um riso louco"
- "Comecemos com sussustada", - ponderou o Ovo - "uma palavra assaz simples, mas que demanda uma análise atenta. É o ato de relaxar em sussurros e ao mesmo tempo se manter a postos para reagir a qualquer perigo".
- "Já entendi!" exclamou Alice. - "Seria como se fosse uma sentinela tomando conta do quartel. Dormindo com os olhos abertos!" - Alice estava orgulhosa de sua capacidade de compreensão das explicações nem sempre muito simples de Hampt Dumpt. - "Agora, senhor Dumpt, sossilfiflando, o que vem a ser isso?"
- "Menina, menina!" - O ovo cada vez mais se divertia em provocar a curiosa Alice. - "Palavra que fala por si! Flutuando sorrateiramente, sem bater de asas, em total silêncio. - Já que a pequena irá mesmo perguntar, borbulia significa que o Jaguadarte borbulhava de alegria num riso louco - me fiz entender?"
- "Eu já imaginava que fosse isso mesmo!" - Respondendo à provocação, com ar de deboche. E antes que o Ovo pudesse retrucar, tratou de ler a estrofe seguinte, tamanho o receio que ele se irritasse e desse por encerrada a aula.
- "Um, dois! Um, dois! Sua espada Mavorta
Vai-vem! Vem-vai! Para traz, para diante
Cabeça fere, corta, e, fera morta
Ei-lo que volta galufante"
- "Até que recitas bem, pra uma simples menina," - provocou Humpt. - "Sem perda de tempo, Mavorta, significa marcada com o Vorto, nada mais que o símbolo da família dos Homus".
- "E a última palavra, Galufante?" - Alice não estava querendo dar muita conversa para as gozações do Ovo, que insistia em alfinetá-la por sua falta de conhecimento.
- "Pequena menina que não quer se esforçar!" - Alfinetou mais uma vez. - "Ora, pois é o ato de galopar com o Galumpo. Um Galo-pirilampo que serve de transporte aos Homus. Vamos à próxima estrofe, por favor?" - Divertia-se em ver a cara da menina, que se esforçava para conter sua raiva perante suas gozações.
Alice, tentando ignorar a provocação, continuou.
- "Pois então tu mataste o Jaguadarte!
Vem aos meus braços Homenino meu!
Oh dia fremular! Bravooh! Bravarte!"
- "Fremular", exclamou o Ovo. - "É um dia agradável, brando, fresco, como nosso lar. E diga-se sobre bravarte, é o nome dado ao Homenino que vence a ave infernal e transforma-se no bravo que derrotou o Jaguadarte, satisfeita, pequena curiosa?"
- "Muito, senhor Ovo Inteligente. Mais do que imaginei!" - Uma última alfinetada, para não ficar por baixo.
- "Muito bem!" - Exclamou Dumpt, sem perder a pose. - Estou cansado demais para analisar uma última estrofe. Retire-se agora, que o meu ego quer descansar, esse jogo o deixou agitado demais". - E recostou-se sobre o muro, caindo em um agradável sonilus.
Alice, sem querer acordar o ovo, afastou-se devagar, do mesmo modo que chegou, levando a lembrança do sorriso maroto do Ovo Intelectual que pensa que nunca vai cair do muro...
|
