AÇAÍ
CAPÍTULO I-A CUCARACHA
—
O quê? Quantas horas? Ô merda! — resmungou Antonio, enquanto espreguiçava-se na cama olhando para o despertador.
Ainda deitado, puxou a ponta do velho chitão que servia de cortina na janela do quarto, para que entrasse um pouco de luz.
Quando os primeiros raios de sol entraram, ele já havia iniciado o mesmo palavreado de todas as manhãs. Um dialeto desconhecido. Da mistura de letras que fazia saíam apenas grunhidos parecendo... não sei nem o quê. Mas insistia em pronunciar sons como: shuinin, gruinin, prochoposntra, chibastria, trachivístico, trobóstria... e assim seguia inventando o seu próprio dicionário, que ele chamava de celestial, para, segundo ele, dar nomes peculiares aos pequenos problemas, com o propósito de não ofender o desejo divino, pois acreditava plenamente que todas as coisas eram enviadas do céu e não lhe convinha discordar da vontade de Deus na mesma linguagem que todos. E persignava-se sempre que dizia isso.
Terminando suas palavras sacrílegas, empurrou para o canto da cama o velho manto, deixou cair a ponta do chitão, cobrindo novamente a janela. Esticou as pernas, os braços e espreguiçou-se.
Ao se levantar, dirigiu-se novamente à janela. Puxou mais uma vez a velha cortina e assistiu às primeiras cenas do primeiro dia da semana.
— É difícil... é difícil! Com que cara vou sair desse miserável barraco? Com que cara, que cara... que merda! Ao término, abriu a gaveta do velho criado-mudo, que de tão velho sofria pela deficiência de uma das pernas e tirou a escova e o creme dental. Seguiu rumo à porta do quarto com gestos lânguidos e não deu mais que três passos até o limite do aposento, onde havia um caixote forrado com jornal, e lá deixou o aparato apanhado na gavetinha do criado. Ia voltar para a cama quando, no giro do corpo, deu com o rosto na quina do velho guarda-roupa, fazendo com que um belo e grande galo brotasse na testa, do lado esquerdo da têmpora.
Não precisou de mais nada para que voltasse a repetir uma das mais ousadas palavras do seu dicionário particular. Só que desta vez, para espanto das pessoas que estavam do lado de fora da casa, Antonio escancarou a janela juntamente com sua enorme garganta e gritou qualquer coisa parecida com: matrósticos, prostofíptos, satróstafos, encarou a todos que o olhavam espantados, enrugou a testa, voltou e fechou novamente a janela como quem diz: “vão todos à casa do caralho!” Em seguida, bem devagar, voltou à atividade anterior. Dobrou o cobertor, colocou-o por sobre o travesseiro, abriu novamente a gaveta do criado-mudo e não encontrando o que procurava, já bastante irritado, não se conteve e gritou o quanto os brônquios e a traquéia suportaram.
— Puta que os pariu! Quem foi o arrombado que me roubou a escova e o creme dental?
Franzindo novamente a testa, lembrou-se que no contexto ele era o referido, pois pegara ali segundos antes o que procurava. Benzeu-se e disse baixinho:
— Por isso é que não gosto de xingar esses desgraçados palavrões, acabo sempre ofendendo a Deus!
Quando virou-se para o lado oposto, notou acima do guarda-roupa uma barata olhando-o, como que de certa forma achando engraçado o acontecido. Sem demora, olhou fixamente para a já futura vítima e imaginou três mil maneiras de matá-la. Soltou um sorrisinho apertado entre os lábios, virou-se para o lado e disse:
— Essa não me escapa! Abaixou-se lentamente, olhando-a nos olhos, pensando em hipnotizá-la, sem deixar que saísse de seu rosto aquele sorriso de satisfação, antes que fosse consumado o assassínio.
Quando os seus joelhos dobraram-se em ângulo reto, ele, sem tirar os olhos da futura vítima, correu a mão 180º em volta do corpo e não encontrou arma alguma que lhe possibilitasse o ato. Imediatamente, todos seus músculos se retraíram ao constatar que a vítima começava a se afastar do local do crime.
Naquele momento, o pretenso assassino constatou que seria obrigado a desviar a vista da cucaracha por alguns segundos.
Virou o rosto para o lado da cama e não enxergou a chinela, a arma ideal para o tipo de empreitada.
Por fim, não encontrando nada que lhe possibilitasse a conclusão do plano, excomungou a si próprio e a todas suas quatro gerações antepassadas ao ver a barata desaparecer sem que ele conseguisse praticar o mais banal dos assassinatos.
Da mesma maneira que viera ao mundo, Antonio dirigiu-se à porta que dava acesso à sala.
Poucas peças compunham o cenário daquele aposento. Ao centro, uma mesa com duas cadeiras nos extremos. Na fímbria entre a cozinha e a sala havia um tapete feito a mão, enlameado e cheirando a mofo. Na mesma linha da porta da rua, à meia altura, havia uma janela que se abria em partes sanfonadas, pintadas em azul celeste e acinzentada nos cantos. A porta, também pintada no mesmo azul, estava totalmente empenada e apodrecida no extremo inferior esquerdo. As paredes da mesma cor do quarto, que outrora foram pintadas de branco, agora estavam amareladas.
Antonio rumou direto para a janela da sala, fechando os olhos para não ver a luz forte do sol. Abriu as duas partes, deu meia volta sobre o próprio eixo e caminhou para a cozinha. Atravessou o limite entre os cômodos e, com a mão segurando o portal, foi puxado para dentro, lembrando não ter levado o material higiênico bucal.
Não sabemos exatamente por que, mas ele fez todo o percurso de volta em marcha à ré. Empurrou a porta do quarto com as nádegas, apanhou os objetos e fez todo o percurso ao contrário. Entrou na cozinha, virou à esquerda e trancou-se no banheiro.
Mas vamos deixá-lo a sós por alguns minutos.
Algumas pessoas que haviam visitado Antonio — bom lembrar que foram pouquíssimas — perguntaram-lhe sobre a razão de ele se trancar, mesmo estando sozinho. Ele teria respondido — contou uma dessas pessoas — que é importante acostumar-se a cuidar da retaguarda. O que ele quis dizer exatamente com isso não se soube ao certo.
Mas voltemos à cozinha. Este cômodo em particular não media mais que quatro metros quadrados em toda a sua área. O seu espaço era ocupado por poucos objetos e distribuídos da seguinte forma: por cima de uma mezinha, via-se um pequeno fogão a querosene. Do lado oposto à porta do banheiro havia um armário vermelho preso à parede com as portas escancaradas e, finalmente, uma pia lotada de panelas sujas que pareciam estar ali há um ano.
As paredes eram de um amarelo ouro e o chão de um liso esverdeado. A pia, que era sustentada por duas meias-paredes, portava em seu interior uma enorme quantidade de garrafas vazias. Algumas com baratas ainda vivas e borbulhantes, em seu interior.
O barulho da descarga fez com que o autor voltasse ao banheiro e se deparasse com nosso herói frente ao espelho.
Perplexo, como se fosse a primeira vez que se via refletido, Antonio quedou-se paralisado.
Com gestos lentos e contritos, esfregou a mão em uma das bochechas e teve a certeza de que envelhecera depressa. Sentiu que apesar da pouca idade, as olheiras lhe caíam na face e a calvície já se iniciava intempestiva, roubando-lhe todo o cabelo, quatro dedos acima da testa.
Enfim, todo esse lay-out era completado por um frondoso nariz, desproporcional ao tamanho do rosto.
Por alguns segundos, Antonio esqueceu-se do espelho e olhou para o seu corpo magrelo, quase esquelético e reparou na sua barriga saliente que não lhe permitia mais, ver os joelhos, sem ter que lhe fazer reverência.
E apalpando novamente as bochechas, sentiu que elas há muito careciam de um bom barbear.
Apanhou a navalha, e enquanto espremia o creme de barbear em um velho pincel, lembrou-se das últimas palavras do seu progenitor.
— Sua vida vai ser dura! Tenho dó de você, meu filho! — dizendo isso, suspirou.
E retrocedendo ainda mais em suas lembranças, viu como num filme o dia em que se tornou órfão. Quis ver tudo. Quis ver em detalhes!
Da mesma maneira que viera ao mundo, Antonio dirigiu-se à porta que dava acesso à sala.
Poucas peças compunham o cenário daquele aposento. Ao centro, uma mesa com duas cadeiras nos extremos. Na fímbria entre a cozinha e a sala havia um tapete feito a mão, enlameado e cheirando a mofo. Na mesma linha da porta da rua, à meia altura, havia uma janela que se abria em partes sanfonadas, pintadas em azul celeste e acinzentada nos cantos. A porta, também pintada no mesmo azul, estava totalmente empenada e apodrecida no extremo inferior esquerdo. As paredes da mesma cor do quarto, que outrora foram pintadas de branco, agora estavam amareladas.
Antonio rumou direto para a janela da sala, fechando os olhos para não ver a luz forte do sol. Abriu as duas partes, deu meia volta sobre o próprio eixo e caminhou para a cozinha. Atravessou o limite entre os cômodos e, com a mão segurando o portal, foi puxado para dentro, lembrando não ter levado o material higiênico bucal.
Não sabemos exatamente por que, mas ele fez todo o percurso de volta em marcha à ré. Empurrou a porta do quarto com as nádegas, apanhou os objetos e fez todo o percurso ao contrário. Entrou na cozinha, virou à esquerda e trancou-se no banheiro.
Mas vamos deixá-lo a sós por alguns minutos.
Algumas pessoas que haviam visitado Antonio — bom lembrar que foram pouquíssimas — perguntaram-lhe sobre a razão de ele se trancar, mesmo estando sozinho. Ele teria respondido — contou uma dessas pessoas — que é importante acostumar-se a cuidar da retaguarda. O que ele quis dizer exatamente com isso não se soube ao certo.
Mas voltemos à cozinha. Este cômodo em particular não media mais que quatro metros quadrados em toda a sua área. O seu espaço era ocupado por poucos objetos e distribuídos da seguinte forma: por cima de uma mezinha, via-se um pequeno fogão a querosene. Do lado oposto à porta do banheiro havia um armário vermelho preso à parede com as portas escancaradas e, finalmente, uma pia lotada de panelas sujas que pareciam estar ali há um ano.
As paredes eram de um amarelo ouro e o chão de um liso esverdeado. A pia, que era sustentada por duas meias-paredes, portava em seu interior uma enorme quantidade de garrafas vazias. Algumas com baratas ainda vivas e borbulhantes, em seu interior.
O barulho da descarga fez com que o autor voltasse ao banheiro e se deparasse com nosso herói frente ao espelho.
Perplexo, como se fosse a primeira vez que se via refletido, Antonio quedou-se paralisado.
Com gestos lentos e contritos, esfregou a mão em uma das bochechas e teve a certeza de que envelhecera depressa. Sentiu que apesar da pouca idade, as olheiras lhe caíam na face e a calvície já se iniciava intempestiva, roubando-lhe todo o cabelo, quatro dedos acima da testa.
Enfim, todo esse lay-out era completado por um frondoso nariz, desproporcional ao tamanho do rosto.
Por alguns segundos, Antonio esqueceu-se do espelho e olhou para o seu corpo magrelo, quase esquelético e reparou na sua barriga saliente que não lhe permitia mais, ver os joelhos, sem ter que lhe fazer reverência.
E apalpando novamente as bochechas, sentiu que elas há muito careciam de um bom barbear.
Apanhou a navalha, e enquanto espremia o creme de barbear em um velho pincel, lembrou-se das últimas palavras do seu progenitor.
— Sua vida vai ser dura! Tenho dó de você, meu filho! — dizendo isso, suspirou.
E retrocedendo ainda mais em suas lembranças, viu como num filme o dia em que se tornou órfão. Quis ver tudo. Quis ver em detalhes!
Da mesma maneira que viera ao mundo, Antonio dirigiu-se à porta que dava acesso à sala.
Poucas peças compunham o cenário daquele aposento. Ao centro, uma mesa com duas cadeiras nos extremos. Na fímbria entre a cozinha e a sala havia um tapete feito a mão, enlameado e cheirando a mofo. Na mesma linha da porta da rua, à meia altura, havia uma janela que se abria em partes sanfonadas, pintadas em azul celeste e acinzentada nos cantos. A porta, também pintada no mesmo azul, estava totalmente empenada e apodrecida no extremo inferior esquerdo. As paredes da mesma cor do quarto, que outrora foram pintadas de branco, agora estavam amareladas.
Antonio rumou direto para a janela da sala, fechando os olhos para não ver a luz forte do sol. Abriu as duas partes, deu meia volta sobre o próprio eixo e caminhou para a cozinha. Atravessou o limite entre os cômodos e, com a mão segurando o portal, foi puxado para dentro, lembrando não ter levado o material higiênico bucal.
Não sabemos exatamente por que, mas ele fez todo o percurso de volta em marcha à ré. Empurrou a porta do quarto com as nádegas, apanhou os objetos e fez todo o percurso ao contrário. Entrou na cozinha, virou à esquerda e trancou-se no banheiro.
Mas vamos deixá-lo a sós por alguns minutos.
Algumas pessoas que haviam visitado Antonio — bom lembrar que foram pouquíssimas — perguntaram-lhe sobre a razão de ele se trancar, mesmo estando sozinho. Ele teria respondido — contou uma dessas pessoas — que é importante acostumar-se a cuidar da retaguarda. O que ele quis dizer exatamente com isso não se soube ao certo.
Mas voltemos à cozinha. Este cômodo em particular não media mais que quatro metros quadrados em toda a sua área. O seu espaço era ocupado por poucos objetos e distribuídos da seguinte forma: por cima de uma mezinha, via-se um pequeno fogão a querosene. Do lado oposto à porta do banheiro havia um armário vermelho preso à parede com as portas escancaradas e, finalmente, uma pia lotada de panelas sujas que pareciam estar ali há um ano.
As paredes eram de um amarelo ouro e o chão de um liso esverdeado. A pia, que era sustentada por duas meias-paredes, portava em seu interior uma enorme quantidade de garrafas vazias. Algumas com baratas ainda vivas e borbulhantes, em seu interior.
O barulho da descarga fez com que o autor voltasse ao banheiro e se deparasse com nosso herói frente ao espelho.
Perplexo, como se fosse a primeira vez que se via refletido, Antonio quedou-se paralisado.
Com gestos lentos e contritos, esfregou a mão em uma das bochechas e teve a certeza de que envelhecera depressa. Sentiu que apesar da pouca idade, as olheiras lhe caíam na face e a calvície já se iniciava intempestiva, roubando-lhe todo o cabelo, quatro dedos acima da testa.
Enfim, todo esse lay-out era completado por um frondoso nariz, desproporcional ao tamanho do rosto.
Por alguns segundos, Antonio esqueceu-se do espelho e olhou para o seu corpo magrelo, quase esquelético e reparou na sua barriga saliente que não lhe permitia mais, ver os joelhos, sem ter que lhe fazer reverência.
E apalpando novamente as bochechas, sentiu que elas há muito careciam de um bom barbear.
Apanhou a navalha, e enquanto espremia o creme de barbear em um velho pincel, lembrou-se das últimas palavras do seu progenitor.
— Sua vida vai ser dura! Tenho dó de você, meu filho! — dizendo isso, suspirou.
E retrocedendo ainda mais em suas lembranças, viu como num filme o dia em que se tornou órfão. Quis ver tudo. Quis ver em detalhes!Da mesma maneira que viera ao mundo, Antonio dirigiu-se à porta que dava acesso à sala.
Poucas peças compunham o cenário daquele aposento. Ao centro, uma mesa com duas cadeiras nos extremos. Na fímbria entre a cozinha e a sala havia um tapete feito a mão, enlameado e cheirando a mofo. Na mesma linha da porta da rua, à meia altura, havia uma janela que se abria em partes sanfonadas, pintadas em azul celeste e acinzentada nos cantos. A porta, também pintada no mesmo azul, estava totalmente empenada e apodrecida no extremo inferior esquerdo. As paredes da mesma cor do quarto, que outrora foram pintadas de branco, agora estavam amareladas.
Antonio rumou direto para a janela da sala, fechando os olhos para não ver a luz forte do sol. Abriu as duas partes, deu meia volta sobre o próprio eixo e caminhou para a cozinha. Atravessou o limite entre os cômodos e, com a mão segurando o portal, foi puxado para dentro, lembrando não ter levado o material higiênico bucal.
Não sabemos exatamente por que, mas ele fez todo o percurso de volta em marcha à ré. Empurrou a porta do quarto com as nádegas, apanhou os objetos e fez todo o percurso ao contrário. Entrou na cozinha, virou à esquerda e trancou-se no banheiro.
Mas vamos deixá-lo a sós por alguns minutos.
Algumas pessoas que haviam visitado Antonio — bom lembrar que foram pouquíssimas — perguntaram-lhe sobre a razão de ele se trancar, mesmo estando sozinho. Ele teria respondido — contou uma dessas pessoas — que é importante acostumar-se a cuidar da retaguarda. O que ele quis dizer exatamente com isso não se soube ao certo.
Mas voltemos à cozinha. Este cômodo em particular não media mais que quatro metros quadrados em toda a sua área. O seu espaço era ocupado por poucos objetos e distribuídos da seguinte forma: por cima de uma mezinha, via-se um pequeno fogão a querosene. Do lado oposto à porta do banheiro havia um armário vermelho preso à parede com as portas escancaradas e, finalmente, uma pia lotada de panelas sujas que pareciam estar ali há um ano.
As paredes eram de um amarelo ouro e o chão de um liso esverdeado. A pia, que era sustentada por duas meias-paredes, portava em seu interior uma enorme quantidade de garrafas vazias. Algumas com baratas ainda vivas e borbulhantes, em seu interior.
O barulho da descarga fez com que o autor voltasse ao banheiro e se deparasse com nosso herói frente ao espelho.
Perplexo, como se fosse a primeira vez que se via refletido, Antonio quedou-se paralisado.
Com gestos lentos e contritos, esfregou a mão em uma das bochechas e teve a certeza de que envelhecera depressa. Sentiu que apesar da pouca idade, as olheiras lhe caíam na face e a calvície já se iniciava intempestiva, roubando-lhe todo o cabelo, quatro dedos acima da testa.
Enfim, todo esse lay-out era completado por um frondoso nariz, desproporcional ao tamanho do rosto.
Por alguns segundos, Antonio esqueceu-se do espelho e olhou para o seu corpo magrelo, quase esquelético e reparou na sua barriga saliente que não lhe permitia mais, ver os joelhos, sem ter que lhe fazer reverência.
E apalpando novamente as bochechas, sentiu que elas há muito careciam de um bom barbear.
Apanhou a navalha, e enquanto espremia o creme de barbear em um velho pincel, lembrou-se das últimas palavras do seu progenitor.
— Sua vida vai ser dura! Tenho dó de você, meu filho! — dizendo isso, suspirou.
E retrocedendo ainda mais em suas lembranças, viu como num filme o dia em que se tornou órfão. Quis ver tudo. Quis ver em detalhes!
A LEMBRANÇA
Da mesma maneira que viera ao mundo, Antonio dirigiu-se à porta que dava acesso à sala.
Poucas peças compunham o cenário daquele aposento. Ao centro, uma mesa com duas cadeiras nos extremos. Na fímbria entre a cozinha e a sala havia um tapete feito a mão, enlameado e cheirando a mofo. Na mesma linha da porta da rua, à meia altura, havia uma janela que se abria em partes sanfonadas, pintadas em azul celeste e acinzentada nos cantos. A porta, também pintada no mesmo azul, estava totalmente empenada e apodrecida no extremo inferior esquerdo. As paredes da mesma cor do quarto, que outrora foram pintadas de branco, agora estavam amareladas.
Antonio rumou direto para a janela da sala, fechando os olhos para não ver a luz forte do sol. Abriu as duas partes, deu meia volta sobre o próprio eixo e caminhou para a cozinha. Atravessou o limite entre os cômodos e, com a mão segurando o portal, foi puxado para dentro, lembrando não ter levado o material higiênico bucal.
Não sabemos exatamente por que, mas ele fez todo o percurso de volta em marcha à ré. Empurrou a porta do quarto com as nádegas, apanhou os objetos e fez todo o percurso ao contrário. Entrou na cozinha, virou à esquerda e trancou-se no banheiro.
Mas vamos deixá-lo a sós por alguns minutos.
Algumas pessoas que haviam visitado Antonio — bom lembrar que foram pouquíssimas — perguntaram-lhe sobre a razão de ele se trancar, mesmo estando sozinho. Ele teria respondido — contou uma dessas pessoas — que é importante acostumar-se a cuidar da retaguarda. O que ele quis dizer exatamente com isso não se soube ao certo.
Mas voltemos à cozinha. Este cômodo em particular não media mais que quatro metros quadrados em toda a sua área. O seu espaço era ocupado por poucos objetos e distribuídos da seguinte forma: por cima de uma mezinha, via-se um pequeno fogão a querosene. Do lado oposto à porta do banheiro havia um armário vermelho preso à parede com as portas escancaradas e, finalmente, uma pia lotada de panelas sujas que pareciam estar ali há um ano.
As paredes eram de um amarelo ouro e o chão de um liso esverdeado. A pia, que era sustentada por duas meias-paredes, portava em seu interior uma enorme quantidade de garrafas vazias. Algumas com baratas ainda vivas e borbulhantes, em seu interior.
O barulho da descarga fez com que o autor voltasse ao banheiro e se deparasse com nosso herói frente ao espelho.
Perplexo, como se fosse a primeira vez que se via refletido, Antonio quedou-se paralisado.
Com gestos lentos e contritos, esfregou a mão em uma das bochechas e teve a certeza de que envelhecera depressa. Sentiu que apesar da pouca idade, as olheiras lhe caíam na face e a calvície já se iniciava intempestiva, roubando-lhe todo o cabelo, quatro dedos acima da testa.
Enfim, todo esse lay-out era completado por um frondoso nariz, desproporcional ao tamanho do rosto.
Por alguns segundos, Antonio esqueceu-se do espelho e olhou para o seu corpo magrelo, quase esquelético e reparou na sua barriga saliente que não lhe permitia mais, ver os joelhos, sem ter que lhe fazer reverência.
E apalpando novamente as bochechas, sentiu que elas há muito careciam de um bom barbear.
Apanhou a navalha, e enquanto espremia o creme de barbear em um velho pincel, lembrou-se das últimas palavras do seu progenitor.
— Sua vida vai ser dura! Tenho dó de você, meu filho! — dizendo isso, suspirou.
E retrocedendo ainda mais em suas lembranças, viu como num filme o dia em que se tornou órfão. Quis ver tudo. Quis ver em detalhes!
Da mesma maneira que viera ao mundo, Antonio dirigiu-se à porta que dava acesso à sala.
Poucas peças compunham o cenário daquele aposento. Ao centro, uma mesa com duas cadeiras nos extremos. Na fímbria entre a cozinha e a sala havia um tapete feito a mão, enlameado e cheirando a mofo. Na mesma linha da porta da rua, à meia altura, havia uma janela que se abria em partes sanfonadas, pintadas em azul celeste e acinzentada nos cantos. A porta, também pintada no mesmo azul, estava totalmente empenada e apodrecida no extremo inferior esquerdo. As paredes da mesma cor do quarto, que outrora foram pintadas de branco, agora estavam amareladas.
Antonio rumou direto para a janela da sala, fechando os olhos para não ver a luz forte do sol. Abriu as duas partes, deu meia volta sobre o próprio eixo e caminhou para a cozinha. Atravessou o limite entre os cômodos e, com a mão segurando o portal, foi puxado para dentro, lembrando não ter levado o material higiênico bucal.
Não sabemos exatamente por que, mas ele fez todo o percurso de volta em marcha à ré. Empurrou a porta do quarto com as nádegas, apanhou os objetos e fez todo o percurso ao contrário. Entrou na cozinha, virou à esquerda e trancou-se no banheiro.
Mas vamos deixá-lo a sós por alguns minutos.
Algumas pessoas que haviam visitado Antonio — bom lembrar que foram pouquíssimas — perguntaram-lhe sobre a razão de ele se trancar, mesmo estando sozinho. Ele teria respondido — contou uma dessas pessoas — que é importante acostumar-se a cuidar da retaguarda. O que ele quis dizer exatamente com isso não se soube ao certo.
Mas voltemos à cozinha. Este cômodo em particular não media mais que quatro metros quadrados em toda a sua área. O seu espaço era ocupado por poucos objetos e distribuídos da seguinte forma: por cima de uma mezinha, via-se um pequeno fogão a querosene. Do lado oposto à porta do banheiro havia um armário vermelho preso à parede com as portas escancaradas e, finalmente, uma pia lotada de panelas sujas que pareciam estar ali há um ano.
As paredes eram de um amarelo ouro e o chão de um liso esverdeado. A pia, que era sustentada por duas meias-paredes, portava em seu interior uma enorme quantidade de garrafas vazias. Algumas com baratas ainda vivas e borbulhantes, em seu interior.
O barulho da descarga fez com que o autor voltasse ao banheiro e se deparasse com nosso herói frente ao espelho.
Perplexo, como se fosse a primeira vez que se via refletido, Antonio quedou-se paralisado.
Com gestos lentos e contritos, esfregou a mão em uma das bochechas e teve a certeza de que envelhecera depressa. Sentiu que apesar da pouca idade, as olheiras lhe caíam na face e a calvície já se iniciava intempestiva, roubando-lhe todo o cabelo, quatro dedos acima da testa.
Enfim, todo esse lay-out era completado por um frondoso nariz, desproporcional ao tamanho do rosto.
Por alguns segundos, Antonio esqueceu-se do espelho e olhou para o seu corpo magrelo, quase esquelético e reparou na sua barriga saliente que não lhe permitia mais, ver os joelhos, sem ter que lhe fazer reverência.
E apalpando novamente as bochechas, sentiu que elas há muito careciam de um bom barbear.
Apanhou a navalha, e enquanto espremia o creme de barbear em um velho pincel, lembrou-se das últimas palavras do seu progenitor.
— Sua vida vai ser dura! Tenho dó de você, meu filho! — dizendo isso, suspirou.
E retrocedendo ainda mais em suas lembranças, viu como num filme o dia em que se tornou órfão. Quis ver tudo. Quis ver em detalhes!
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