Usina de Letras
Usina de Letras
161 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62210 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10450)

Cronicas (22535)

Discursos (3238)

Ensaios - (10356)

Erótico (13568)

Frases (50604)

Humor (20029)

Infantil (5429)

Infanto Juvenil (4764)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140796)

Redação (3303)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1960)

Textos Religiosos/Sermões (6185)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->Lamina Meti -- 11/06/2000 - 10:40 (Jorge Augusto Senger) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Toda vez que olho para aquele machado na parede lúgubre de meu castelo sinto a dor ferindo meu peito. O brilho de sua lâmina, além de refletir as glórias de meus antepassados, relfete o repúdio que sinto agora por mim mesmo. O ópio já não ameniza mais a dor.

Nunca amei ninguém como amei Justine, era a mulher perfeita, idolatrava seu sorriso e cultuava seu beijo. Nosso castelo replenava-se de felicidade a cada dia, eu tinha, além do título de Marquês de Zarvas, dois belos filhos e Justine…Ah, somente ela bastava.
Zarvas era um feudo tranqüilo, nossa única preocupação eram os montanheses, um povo, além de belicoso, traiçoeiro. O pai de meu trisavô havia conquistado o Vale, para explorar as ricas minas de ferro das montanhas, a partír daí passou a viver em conflito com o povo que habitava o lugar. Depois de muito sangue derramado, meus antigos familiares fizeram um acordo com os montanheses, as guerras acabaram, mas a mágoa continuou sendo eternamente exalada por este povo.
O povo da montanha, então, passou a ter um líder, um homem rude com idéias um tanto quanto arrogantes. Achava justo que o Vale voltasse ao domínio dos montanheses, gerando conflitos desordenados. O pior foi quando um pequeno grupo de montanheses tentou invadir o castelo através das muralhas, sendo imediatamente abatidos pelos soldados que montavam guarda na améia. Este fato foi o pivô de seguidos conflitos. Os homens das montanhas organizaram um exército considerável cercando o castelo.
Milhares de propostas foram feitas, mas nenhuma aceita por este povo cego pelo ira desperta de um longo sono. A cada dia que se passava a situação ficava cada vez mais tensa, até que resolvi retirar Justine do castelo enquanto fosse tempo. Uma guerra estava próxima de acontecer, e por isso enviei minha mulher e meus filhos à Dhurmann, onde estariam muito mais seguros.

Lembro-me perfeitamente da terceira noite que passei na ausência de Justine. Lá fora o vento trazia murmúrios amedrontados que aliados aos raios, atraídos pelas minas de ferro, e à minha imaginação fecunda se misturavam em uma Sinfonia Horrenda. Sentia muito medo, aquele povo descontrolado seria capaz de qualquer coisa, e as muralhas do castelo não suportariam tamanha ira. Tentava afastar meus pensamentos da guerra, mas era impossível. Cochilava e tinha visões estranhas de minha infância perturbada, mas logo era despertado pelo choro agudo de uma criança, filho de uma de minhas serviçais, que parecia anunciar o Terrível. E foi entre um destes delírios que despertei com um som retumbante, parecia-me, a princípio, o som de um aríete, depois de um certo tempo o barulho tornou a se repetir, ouvi vozes, toques de trombeta, mas já não possuía noção da realidade, os delírios se confundiam, estava plenamente mergulhado em torpor, alucinado pelo medo. E movido pelo receio, apanhei um candeeiro e desci até a sala de armas com o intuito de apanhar qualquer artefato que despertasse coragem em meu peito. Eram muitas lâminas, todas gloriosas, e lá estava, em uma das paredes, o machado prateado que pertencera a três gerações de minha linhagem.
Apanhei-o, segurei firme no cabo rígido de madeira e percorri o salão inferior onde uma penumbra terrível predominava. Não sei por quanto tempo permaneci imóvel no meio deste salão, uma luz purpúrea invadia o ambiente fazendo com que as sombras ganhassem vida. Percebi, lá no outro extremo um vulto. Continuava a caminhar vagarosamente em minha direção, cada passo que a criatura dava aumentava ainda mais meu medo. Um suor frio escorreu por minha face, meus olhos se cegaram. O medo levantou a arma e o torpor desferiu o golpe, certeiro. Agora aquela criatura jazia no chão frio, inanimada.
Despertei, como que acordado de um pesadelo, mas não havia dormido, o cadáver ainda estava lá, apanhei de um móvel um candelabro e iluminei aquela massa escura que adormecia na penumbra.
Que surpresa tive, maldita surpresa, Justine, minha amada jazia diante de mim. É impossivel expressar o que senti no momento, implorava para que tudo fosse um sonho ruim, mas não, eu era um assassino, um suicida. Aquela mulher era minha vida!
Beijei seus lábios frios, senti o gosto de sangue, o sabor da morte.
Pobre Justine, as trombetas que havia ouvido era o sinal de que Dhurmann havia chegado a tempo, derrotando os montanheses e, minha amada quis me dar pessoalmente a ótima notícia, recebendo a morte como congratulação.

Por mais que eu conseguisse a compreenção dos outros diante de meu equívoco, nunca perdoaria este meu ato impensável e repugnante.
Lá foraxas trombetas continuavam a soar, tudo aquilo era terrível, parecia que o som maciço queria espalhar pelo vento a notícia de meu terrível feito. Refugiei-me na biblioteca para tentar me acalmar.
O cheiro de morte inundava o castelo. Enquanto a indecisão tomava conta de minha mente perturbada observava todos aqueles livros que repousavam pelas prateleiras de madeira nobre e notei que o Livro Purpúreo parecia me atrair.
Este livro muito antigo pertencera a meu trisavô, um mago, que segundo uma lenda popular teria feito um pacto com um demônio para possuir toda a Sabedoria do mundo. Um salão no primeiro pavimento do castelo que foi utilizado para os rituais deste meu ente permanecia trancafiado por décadas.
Folheei as páginas amareladas e descobri relatos de rituais e os próprios rituais descritos minunciosamente. Cada palavra por mim lida parecia suprimir-me a razão aos poucos e meus pensamentos se tornaram distantes. A idéia de invocar um demônio para devolver a vida de minha mulher começou a tomar conta aos poucos de meus pensamentos,e , quando dei por mim já caminhava pelo Salão Inferior na direção do corpo Justine, iluminado pelas primeiras luzes da aurora. Toquei com os meus seus lábios frios e a transportei lentamente em meus braços até o primeiro pavimento e, deparei-me com a imensa porta de ébano que encerrava o antigo salão de meu trisavô, forcei os ferrolhos e entrei no lugar, o ar cheirava a mofo, o ambiente era muito estranho e ao centro erguia-se um dólmen ritualístico de mármore.
Deitei o corpo de Justine no dólmen e comecei a pronunciar os versos do Livro, tudo parecia fazer parte de um sonho, minha visão era obscura, pronunciava as palavras cada vez mais alto, sentia-me excitado, em meu peito, o coração palpitava intensamente e, no momento em que pronunciei o último verso, um ser amorfo surgiu da escuridão grunhindo de forma terrível:
- Quem perturbas meu sono, quem me desperta do infinito? O que queres, mortal, qual é seu intuito? – disse-me ele.
- Sou um amante, que pelo medo matou, peço sua ajuda para trazer minha amada de volta à vida – disse a ele.
- Amantes, amor, são vocês, mortais, submissos à este sentimento absurdo!
- Irás me ajudar? És minha última esperança – perguntei ansioso.
O demônio, antes sombra, tomou a forma humana, mas seu olhar continuou cada vez mais diabólico. Durante um tempo contemplou Justine e, percebi que a beleza de minha mulher comoveu de certa forma aquela criatura.
- Nada é de graça, um sacrifício é necessário – disse o demônio.
- Sacrifício? Que animal devo matar, um cordeiro ou bode? – indaguei.
- Nem cordeiros, nem bodes, caro mortal. Preciso de uma alma jovem para conseguir o feito, vá e procure uma criança, recém-nascida será melhor!
- Não sei se seria capaz de tamanha crueldade, matar uma criança…símbolo da inocência!
- Ama sua mulher, não ama? Esta é minha oferta, e não há barganha.
Era a vida de Justine que estava em jogo, ou melhor, sua ressureição, e eu a amava acima de tudo. Tomado por um impulso diabólico, transpus a porta do salão e me dirigi ao quarto das serviçais, onde encontrei uma criança adormecida, afundada em sonhos singelos.
Devo confessar que senti arrependimento enquanto carregava a criança em meus braços pelos corredores do castelo, mas imediatamente fixava meus pensamentos em Justine.
Voltei ao salão e lá encontrei o demônio a me esperar, fez um sinal para que eu colocasse a criança ao lado de minha mulher sobre o dólmen e me estendeu um punhal de prata.
- Pouco falta para sua amada renascer, mas antes quero ver o sangue da candura macular este altar – disse a criatura.
O bebê parecia entender tudo o que se passava e me olhava inquieto. Fechei os olhos e segurei fortemente o punhal. O grito agudo anunciou que o golpe havia sido desferido. Enquanto o sangue escorria pelo mármore frio, uma luz ocre emanou do corpo da criança inundando todo o ambiente e cobrindo Justine feito um manto.
- Assim foi feito, a beleza renasceu com a morte da brandura – disse o demônio sumindo junto com a luz.


E a vida voltou deste modo para o corpo de minha mulher, mandei que o salão fosse trancado e , no lugar da porta uma parede foi construída, para não deixar nenhum vestígio daquele maldito lugar. Queimei também o Livro Purpúreo e todos os outros manuscritos de meu trisavô, mas mesmo assim sinto-me na mais profunda tristeza ao lembrar do que fui capaz de fazer para trazer a vida à minha amada. Justine nunca soube de meu diálogo com o demônio.
Sinto-me a mais monstruosa das criaturas. Durante as noites insônias e opiadas de minha existência lamuriante, quando a Lua resolve iluminar os jardins do castelo, vejo sempre uma criança brincando com um cão negro em meio à névoa.

J.A.Senger

Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui