Todo dia, manhãzinha, antes do sol bater nas primeira montanhas da minha terra, vou à padaria. À primeira vista pode até parecer, de imediato, que eu vou comprar pão.
Mas os caminhos dos homens são tão estranhos que eu digo sinceramente, que vou à padaria, conversar.
Saber das coisas passadas à noite, pois como todo estabelecimento de minha vila, ela fica aberta prá cachadada até meia-noite.
E fico sabendo com a vendedora de pães o que lhe foi passado pela plantonista da noitada.
Muita coisa interessante. Problemas conjugais são jogados sobre a mesa como se joga água para limpá-la e suavizá-la do calor. É marido que larga e esposa. É esposa, de anosm que se desfaz do marido à toa. É criança que ninguém sabe de quem, que vai nascendo toda dia nas mãos da parteira. É tanta gente vivendo que até me assusta.
Lógico que não perco de comprar o meu pão. Mas nesta vilazinha têm coisas !
Os mais velhos de idade e de coração ardido pelo tempo, têm um cineminha-bar. Lá, de entrada surda e muito velada, só tem acesso os conhecidos dos conhecidos. Uma espécie de clube fechado, onde de ombro à ombro, perneiam, fazendeiros, donos-de-cartório, médicos, dentistas, funerários e outros que não tem profissão, mas tem dinheiro. É uma festa total como as meninas: todas as segundas, quarta e e sextas. O que acontece ali
todo mundo sabe, mas poucos dizem.
E neste antro vou sabendo das coisas, enquanto tomo meu café com pão.
Sei que uma tal madame apanhou muito do marido e foi parar no pronto-socorro. Mas o assunto foi logo velado pelas amigas da madame, que disseram ao doutor delegado que foi um tombo. Senão o marido ia em cana e ela ficaria sozinha, já imaginaram? O que os outros iam falar?
Mas o grande assunto daquela manhã , onde batia um vento de outono, anunciando o inverno, era a fuga para a capital de dois jovens apaixonados.
Proibidos pelo pároco da igrejinha local - que ouviu todos os pecados que tramitaram entre os dois - e acabou chamando a atenção dos pais sobre a severidade do assunto e no terreno pecaminoso que pisavam, acabou com a festa dos dois.
Sabendo disso empreitaram uma fuga no meio da noite e sumiram na capital que fica à quilómetros de distància.
Um amor parido! Ela grávida e ele sem profissão. O que de pior poderá acontecer? Não sei, a padeira ficou de me passar os detalhes no dia seguinte, pois esperava notícias dos dois.
Assim, são minhas manhãs no vilarejo onde moro sozinho, pois minha mulher agarrou os filhos e também se mandou, dizendo que não aguentava morar mais comigo. Paciência!
Amor vai,amor vem.Igual a bola de gude.
E não é que estou começando a gostar da padeira? Tem um jeito maneiro de encarar a gente e é uma tremenda mulher de costados largos,com braços fortes de rolar massa virgem.
Bem, enquanto o marido dorme de cansaço, ela passa boa parte da noite entre a massa e o fogo. E boa parte comigo.
E as compras? Bem, as compras, deixa prá lá. Eu não tenho nada prá comprar mesmo. Só quero saber dos antanhos de aventuras que rodam pelas ancas do meu bravo e não tão inocente povo de minha vilazinha.
Cada história...cada história de arrepiar.Quase igual a cidade grande.