Se no seu peito bate um coração ferroviário, não vá Ã s oficinas do Km 3.
Hoje, os aposentados, as pensionistas ou os filhos dos saudosos ferrinhos, não suportariam tamanho descaso com o património e com a memória da Viação Férrea.
É triste. É desolador. É deprimente.
Após o portão de entrada, Ã direita, está um dos maiores símbolos de uma era próspera da Viação: a Maria-Fumaça. Solitária e esquecida. Um vulto preto jogado ao relento, recepcionando algum desavisado que por ventura entre no pátio das oficinas. Confesso que não lembro mais o som do apito da velha locomotiva, o barulho nos trilhos e o eterno sacolejar dos vagões. Não lembro mais do sino da estação saudando as chegadas e anunciando as partidas.
Diante do depósito em ruínas e dos vagões depredados, o passado fica nebuloso e apenas um lusco-fusco da imagem dos trens de passageiros, teima em martelar nossas reminiscências. Uma vaga lembrança das máquinas estacionadas nas oficinas, de operários, chefes-de-estação, guarda-freios agitados e de uma torre de fumaça em movimento. São meros nacos de um passado distante, presentes em nossa mente. Resta-nos a busca incessante de recordações dos antigos acenos de mãos esfoladas nas chaves de fendas, torquêsas e bigornas.
Prédios destruídos, vidros quebrados, vagões danificados, depredados, queimados e sucateados. Uma história que morre um pouco a cada dia, agoniza lentamente e em silêncio.
Este é o Km 3, um cemitério de vagões. Não há vida. Existe um passado glorioso, um presente em ruínas e um futuro que esquecerá sua memória.
Enquanto meia dúzia de crianças brincavam de esconde-esconde no "Primeira Classe", o vigilante que fazia a ronda naquele nebuloso sábado à tarde, nos conta que um senhor de idade, cabelos brancos e andar trópego, certamente um ferroviário aposentado, esteve em visita à s oficinas. Chorou ao rever o local em que trabalhou, ajudou a construir e que viveu boa parte de sua vida. Não resistiu e extremamente emocionado, com a voz embargada, disse que jamais voltaria. Cabisbaixo foi embora, escondendo as lágrimas que persistiam em umedecer aquelas faces rudes e cansadas.
Ao sair tirei uma foto na velha e imponente 638. Posei de maquinista na locomotiva que possivelmente o "Velho" tenha feito manutenção, num tempo de carvão e fumaça no antigo depósito. Uma última lembrança. E me prometi passar ao largo destas emoções.
Joguei a toalha.
É impossível voltar o que era. É impossível recuperar. É impossível guardar.
Só restam lembranças nas mentes dos ferrinhos no vaivém de suas cadeiras de balanço em prolongadas tardes nas varandas.