Usina de Letras
Usina de Letras
153 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62214 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10450)

Cronicas (22535)

Discursos (3238)

Ensaios - (10357)

Erótico (13569)

Frases (50608)

Humor (20029)

Infantil (5429)

Infanto Juvenil (4764)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140799)

Redação (3303)

Roteiro de Filme ou Novela (1063)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1960)

Textos Religiosos/Sermões (6187)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->DOIS SUJOS EM NOITE PERDIDA -- 17/07/2002 - 13:53 (Walter da Silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
DOIS SUJOS EM NOITE PERDIDA

Nasceram no mesmo dia, mês, ano, hora. Coincidência ou não, ambos estudantes do mesmo colégio, melhor, escola pública. Iam juntos, vizinhos, bolsas às costas, varando manhãs suburbanas. Chutando objetos de rua, inclusive latas. Às vezes, paravam para olhar pela fresta da janela, à margem da rua, sob poeira argilosa, a mulher do capitão de Marinha, tirando a roupa. O sapotiseiro também fora palco de observação do strip-tease. Os longos galhos serviam de platéia, cujo gran finale, culminava com o esguicho da ejaculação, depois do ato, nem tão solitário, em honra de Onam.
Amigos de verdade. Banhos de rio, contra a vontade de dona Zefinha, a mãe de um deles, já que o mais claro de pele, fora criado pela avó, mas pouco obediente à educação espartana que ela lhe dava.
Anos se foram desde a mais recente olhadela na fresta da janela, xeretando a mulher do capitão. Homens feitos. Um, concursado nos correios e telégrafos, continuação da profissão do pai, morto de câncer, ano passado. Outro, contabilista de uma grande empresa de exportação, seu primeiro emprego com carteira assinada.
Ainda se cumprimentaram, de longe, dois anos atrás, durante o carnaval, quando descobriram a mútua familiaridade de ambas as mulheres. Coincidência ou não. Os tempos duros, a vida difícil, bicuda e efêmera, tal qual os salários, os projetos e a esperança. Há, contudo, como manter o élan e o senso de humor. Casualmente, se avistaram, um, de uma janela de ônibus, o outro, astigmata, exultante, da janela do carro. Fizeram-se um sinal, decodificado por ambos. Um sinal dos velhos tempos de garotos, esmiuçando frestas alheias.
O mais velho segue o ônibus até o terminal. Aguardou o amigo descer e esperou-o encostado no carro. Um abraço muito forte, nenhuma palavra. Apenas “CARA!!!”, uníssono, sincero, leal. Saíram abraçados até uma sorveteria próxima, enquanto chovia fininho. Sentaram-se à mesa, ainda sob o impacto de um tempo, olhos de brilho inefável, intenso, mãos geladas de sábia emoção. Sabe aquele silêncio emocional de quem não se vê há tanto? Eles.
- Porra, cara!!! Quanto tempo! Quanto tempo!... Garçom... traz... uma cerveja em lata.
- Não, Fred, por favor. Parei de beber. Interrompera-lhe o amigo.
- Quequéisso? Você pirou? Vamos tomar pelo menos uma cerveja para comemorar o evento. Paciência, depois de todo esse tempo... pirou.... você deve ter pirado, cara!!!
- Ah... não é isso não, camarada. É que depois dos 40, ganhei uma tal de hipertensão arterial.
- Ah... não! Não acredito nessa conversa. Não tás sofrendo de hipertesão? E caíram na gargalhada.
A sopa de idéias durou exatas, três cervejas, bebidas com uma certa covardia por Fred, apelido de infância. A vida, a goles, passada a limpo, diureticamente. Pagaram a conta. Aliás, Fred fez questão de pagar. A carona levou o amigo até sua casa, ali perto uns 5 quilômetros, no bairro vizinho. Agendaram para a próxima sexta. “Dia internacional da birita”, disse ao amigo, rindo. Cartões trocados. Abraços dados. Hora e dia aprazados. Encontraram-se os amigos de infância, no mesmo bar que freqüentavam anos atrás, mesma mesa, ladeadas por paredes de azulejo português. Um dia quente, do mês de setembro, começando a primavera.
A conversa rolou desenvolta até o bar fechando. Foram para outro bar. O mesmo que freqüentavam com suas mulheres, antes de cometer o casamento. O bar também fechava, sob protestos dos dois. Resolveram, já
bastante embriagados, visitar um apartamento de moças avançadas, ditas de
programa.
O céu se fechara perto das quatro da madrugada. Caía um temporal daqueles, inundando as galerias, antigas galerias de Maurício de Nassau. Tudo alagado. Faltara energia elétrica. Escuridão total, predominando a luz de uma amizade. Continuaram bebendo, cantando a mesma música de Dolores Duran, que tanto amaram na juventude.
Abraçados na chuva, ensopados, ébrios, caem sobre a lama e o lixo do meio-fio.
É sábado, dia amanhecido e comemoram seu reencontro, depois de tanto tempo... depois de tanta noite.



Olinda, Pernambuco, 1998.


Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui