“ÀS SUAS ORDENS”
Ele recebeu a carta de demissão, justo no dia do fechamento da compra de repasse do tal apartamento. O sinal fora efetuado, com uma poupança obtida a duras penas. A mulher grávida de sete meses. Bairro classe média, apartamento de dois quartos, janela aberta para o rio Capibaribe. Estava se fechando mais um sonho. Poderia
apreciar da janela, as baronesas boiando sem rumo, ao vento manso, durante os meses de chuva. No bolso da calça, o cartão do advogado a quem encontrara no mercado público, nesse último sábado. Iria arriscar. O celular estava bloqueado. Resolveu ir direto ao escritório, no centro da cidade, num edifício antigo, outrora o cinema de sua preferência.
Decidiu subir as escadas. Doze andares. Elevador em manutenção. O tagarela retórico seria mesmo advogado? E se fosse desses, tipo “porta de cadeia”?
Segue até o fundo do corredor, esbaforido e nédio. A freqüência cardíaca fora a 95 por minuto. O corredor, escuro, o piso escangalhado... pergunta ao ourives macróbio... ele aponta para a porta de ferro verde, onde se lia, “dr. Zezinho, advogado”.
- Bom dia! Exclamou esbaforido, portando o cartão de visitas.
- Oi... o que deseja? Responde-lhe a moçoila de blusa apertada e a boca vermelha de batom barato.
- Desejo falar com o advogado. Ele está? Perguntou meio inseguro.
- Não. Ele não chegou ainda. Como é teu nome? Ele sabe que você está aqui? Indaga a moçoila, meio insegura.
- Bom... é... é... não sabe não! Não tenho aqui o telefone dele, por isso
não liguei... entende? A história é longa. Me encontrei com ele no mercado público, sábado passado, de manhã.
- Como é que ele estava? Muito conversador? Já sei. Devia estar embriagado. hahahahahahahaha. Irônica, jogando o corpo para trás de modo bem vulgar.
- ! ! ! ! !
- Olha moço: dr. Zezinho é muito de prometer, quando está bebendo. O
Que foi mesmo que ele te falou? “Está aqui meu cartão. Me procura sem compromisso... estou às suas ordens !! “ Parece que estou vendo... hahahaha. Já sei essa ladainha de cor. Sou prima dele.
- Como é seu nome? Magali? Olha... eu estou aqui com uma bronca danada. Fui demitido sem justa causa. Não sei quando vou receber minhas
contas...
- ...mas ele não resolve as coisas assim não, moço. Veja só: tem que dar um tempo, sabe como é... o que mata o Zezinho é prometer demais quando bebe umas. Todo sábado... um engradado de cerveja... interrompe a moça, com ar irônico, meio cúmplice.
Telefone tocando. Toca umas três vezes. A moçoila atende. É o dr. Zezinho, dizendo que está no Fórum... mas sob um fundo musical bem específico. “Deve ter passado a noite no “Fórum”. Pensa alto, Magali. Afinal de contas, da quinta para sexta tem jantar incluído no preço.
Um silêncio de mais de 3 minutos. É o dr. Zezinho justificando à prima, já bastante escolada, que só chega lá pelas 11 horas. Deve haver muito serviço lá pelo “Fórum”: petições, mandados e que tais, àquela hora. Imagina a Magali, com seus botões. Ela tenta explicar ao demitido, virtual cliente.
Ele ouve, desesperançado.
- O senhor entende. Ele está muito ocupado. Só pode atender o sr. no segundo expediente...
- Esquece!!! Responde ele, decidida e peremptoriamente.
O rapaz, dizendo-se distônico, pede um copo d’água e Magali... vagarosa e
despreocupadamente levanta-se e vai buscar, cantarolando um tema de pagode. O rapaz, ofegante, confuso, sem nada entender, ainda pôde ouvir ecoar dentro de si mesmo, aquela frase solícita e veraz, pronunciada na última sexta-feira: “Às suas ordens!!!!”.
Olinda Pernambuco julho 1995
extraído de “22 contos de rés”.
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