Raimundo queria casa. Comprou um lote clandestino, cimento e tijolo - ficou sem um tostão que trouxe lá do Recife. Ergueu com as mãos. Fez janela sem vidro, banheiro sem descarga, mas tinha água no cano e angu no almoço.
Casou-se Raimundo com Rosinéia. Tiveram cinco filhos: Deivi, Douglas, Jiseli Buxo, Marcelim e Ronaldim, todos banguelas, paridos no hospital público do bairro, exceto Jiseli, que nasceu na viatura por falta de tempo.
Amavam-se na cama nova, comprada no crediário junto com a TV. As crianças dormiam num cobertor estendido no chão. Nunca acordavam durante a noite - a fraqueza era um calmante.
De madrugada, Raimundo tomava banho quente de gato, comia pão com banana e saía à procura de bico. Rosinéia acordava mais tarde, lá pelas nove. Dava banho nas crianças e as vestia com a mesma roupa. Depois saíam, caminhavam até o cruzamento e garimpavam moedas entre os automóveis.
Juntavam quase o dobro do que Raimundo trazia no fim do dia. Dava para o feijão, óleo de soja, quarto de carne moída de segunda, quarto de café, açúcar, cebola, sal, uma garrafa de pinga e dúzia de ovos. Durava a semana. O resto da féria ia na prestação; depois iam comprar poltrona e trazer a irmã de Rosi, que ficou embuxada em Brejinho, e já esperava o terceiro, solteira de três maridos - escrevia todo mês.
Quando Raimundo voltava triste, Rosi dizia que estava enjoada e não jantava. Raimundo raspava o prato, e disfarçava a faca que enfiava na cintura: - Se acalme, meu marido. Tudo há de ajeitá. Pensa nas criança!
Ano passado, Raimundo enlouqueceu. Queria comprar o carro do vizinho - um Opala sem farol, mas que andava e podia passear. Rosi se enfureceu: - Onde já se viu, home! Tá querendo ser bacana? Se não pagar vai se metê em complicação.
O bom senso de Rosi prevaleceu. Raimundo esqueceu da idéia e comprou um par de botas de borracha para Deivi, que fazia 10 anos: - Agora cê vai comigo, que é pra aprender a trabalhar.
Acordaram antes das cinco. Tomaram o ônibus lotado até Santo Amaro - Raimundo arrumou trabalho de faxineiro num bar. Lavava os banheiros e passava rodo com pano molhado no corredor: - Deivi, ce vê como eu faço e faz igual.
O filho foi limpando o corredor até se deparar com um pote de iogurte caído no chão. Estava rasgado e um caldo cor-de-rosa se espalhava no caminho. Raimundo chegou a tempo de impedir que o filho lambesse as sobras: - Cê ta louco? Não me faça uma desfeita dessa! Pegou o frasco e levou ao patrão. Deivi chorava de raiva e odiou aquele homem jogando o achado no lixo.
Fim do mês sobrou um dinheiro - Deivi agradou no trabalho. Rosi comprou guaraná e Raimundo trouxe pitsa. Fartaram-se todos. Sete da noite e as crianças já tinham sono de barriga cheia. Raimundo chamou a mulher num canto.
- Mulé, amanhã te levo pra ver Xuxa no cinema; deixa as criança com a comadre e ajeite a janta.
Rosinéia piscou os olhos como Betty Davis, e separou o vestido de renda...
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