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Contos-->Perfume de paio -- 18/07/2002 - 15:13 (guido carlos piva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A sala de espera do consultório psiquiátrico do dr. Loque estava repleta: neurastênicos, psicóticos, lelés, pinéus e “estonados”, todos acompanhados pelos seus respectivos familiares, aguardavam o momento para serem atendidos. Entre eles Botelho Pinto, o único de-sacompanhado! Não era pra menos, fora trazido por um motorista de táxi que o encontrara numa estrada pe-rambulando e falando palavras sem nexo. O motorista, penalizado pelo estado lastimável em que se encontra-va Botelho, resolveu trazê-lo para ser clinicado pelo dr. Loque.
Quando Botelho, com o olhar parado, aguardava sua vez, a enfermeira da clínica, gritou seu nome:
— Seu Botelho Pinto! sr. BOTELHO!... é a sua vez!
— Quê?! Quem? Eu? Opa!... tô indo! — Botelho, pá-lido, sentou-se à frente de dr. Loque:
— Bom dia seu Botelho Pinto, pelo que leio em sua ficha é a primeira vez que vem me consultar. O que está acontecendo com o senhor?
— “Sabe doutor... Nunca me aconteceu uma coisa destas. Sempre fui uma pessoa calma, comedida... mas depois que senti o cheiro daquele paio... minha vida se modificou. Eu não sei, acho que tô ficando louco! O que sei é que foi tudo por causa do paio pendurado no su-permercado! Foi por culpa dele que vim parar aqui!’
— Paio?!... Que paio?... Conta direito... do começo.
“Doutor, eu tenho 59 anos de idade... sempre fui um homem trabalhador. Estava até bem de vida. Tinha uma fábrica de guarda-chuvas com o meu sócio, o Ali-queto... porém tudo se modificou. Eu, homem honrado, pai de família amoroso, casado há trinta e dois anos com minha Fabíola, líder comunitário, sem vícios, sério, consciente de minhas obrigações familiares, participati-vo... tanto que tinha por costume, infalivelmente, todos os sábados, fazer compras de casa em um supermerca-do bem próximo à rua onde moro. Doutor, no verão passado, estava eu fazendo compras, na seção de per-tences para feijoada, quando uma moça se aproximou:
— Por favor... daria para o senhor pegar aquele paio pendurado?
”Levei um susto, Doutor... Eu não só ouvi aquela voz sensual, como, ao mesmo tempo, senti um perfu-me! Ah!... Que perfume delicioso me envolveu! Quando me dei conta ao meu lado estava uma moça extraordinariamente bonita! Surpreso respondi:”
— Claro... claro... deixe que eu o pego para você. É este?
— Sim, esse mesmo, o maior... sabe senhor, paio, para mim, tem que ser grande!
“Eu, um tanto quanto embaraçado, atencioso, en-treguei o paio a ela. Doutor, foi aí que tudo começou! A maneira suave... Aqueles cabelos molhados sobre os ombros, o jeito delicado que ela pegou, apalpou, chei-rou... e guardou o paio no carrinho do supermercado... O perfume do paio... sei lá, fez com que, sem ao menos soubesse o porquê, eu sentisse um arrepio correr pela minha espinha. Sabe, fica difícil explicar... O senhor precisava sentir aquele perfume... O jeito dela mexeu comigo. De tal maneira que não consegui mais me con-ter. Puxei conversa:
— Vo...Você irá fazer feijoada?
— Não!... É para minha mãe, ela tem um restau-rante. Todos os sábados venho neste supermercado pa-ra comprar os pertences para que ela faça a feijoada.
— Dá maneira que você escolhe... deve ficar uma delícia! Aprecio muito feijoada... ainda mais com paio!
— Eu também... O restaurante de minha mãe fica aqui perto, lá na rua de cima. Apareça por lá, o senhor não irá se arrepender.
— Que bom! Acho que irei ficar freguês. Bem... eu só fico se você deixar de me chamar de senhor... O meu nome é Botelho Pinto, e o seu?
— Vivian... mas pode me chamar de Vivinha. Obri-gado Botelho!
“Suspirei fundo e disse: — Não tem de quê... Vi...vinha!...´
“Doutor... tudo isso aconteceu na tarde de um sá-bado... A partir daquele momento eu me tornei outro homem. Sabe, depois que me casei... juro! Nunca mais havia sentido atração ou interesse por outra mulher que não fosse Fabíola... mas depois que vi Vivinha... que senti aquele cheiro de paio misturado com o per-fume de Vivinha... sei lá... acho que comecei a ficar lou-co! Doutor... a minha maneira de ser não permitia que eu pudesse pensar em outra mulher, ainda mais como Vivinha... certo que ela é um “avião”, mas ela tem a i-dade de minha filha mais nova.
”O que passou a acontecer comigo não tinha ex-plicação... Não conseguia me conter: passei a ir todos os sábados naquele supermercado só para ver Vivinha escolher o paio. Eu queria vê-la pegando... segurando... apalpando... e guardando o paio no carrinho do super-mercado. Não sei por qual razão, cada vez que isso a-contecia eu chegava ao êxtase! Àqueles gestos delica-dos, aquele perfume misturado com o do paio... me ti-rava do sério!
“Doutor, os meses foram passando... aquele meu contato semanal com a Vivinha não poderia terminar de outra maneira... fez com que eu me apaixonasse. Quan-do isso ocorreu, mudei completamente o meu modo de vida. Entrei numa academia de ginástica, pintei os meus cabelos brancos, passei a usar perfumes e camisetas de marca e tudo para que ela pudesse esquecer nossa dife-rença de idade. Eu acreditava que com aquela minha transformação, quem sabe, ela mesma iria declarar-se a mim. Era o meu único sonho! Eu jamais tive coragem em declarar-me, mesmo porque... eu era um homem casado, líder comunitário, defensor ardoroso da fideli-dade conjugal. Como poderia declarar a minha paixão por ela?”
”Os meus vizinhos, os meus amigos, a minha fa-mília, todos, que me conheciam, notaram a repentina mudança em minha vida. Uns diziam que depois de ve-lho havia ficado louco, outros, mais maldosos, diziam que eu tinha assumido meu lado feminino. Havia me tornado cheiroso... arrumadinho demais para o gosto deles. Na verdade... a paixão que sentia por Vivinha ti-nha se tornado uma obsessão. Não mais dormia, quase não mais trabalhava. Meu sócio Aliqueto passou a re-clamar muito da falta de meu empenho para com a nos-sa fábrica... sabe, né... doutor, o Aliqueto, além de ser bem mais velho do que eu... era viúvo e não admitia gente que traia a esposa. Ele bem que estava desconfi-ado de que eu estivesse me envolvendo com algum ra-bo-de-saia.”
“Sabe... doutor, os meses se passavam e nada se modificava, porém, sábado próximo passado, logo que despertei, resolvi confessar a Vivinha a minha paixão por ela. Foi uma decisão difícil, mas firme! Havia resol-vido: naquele mesmo dia iria confessar a Vivinha o que tinha ocultado dentro de meu coração. Queria viver condignamente com meus sentimentos. Não me impor-tava mais manter as aparências. Decidido, coloquei o meu melhor traje esportivo e fui ao supermercado para aguardar a minha deusa.”
“Dentro do supermercado a minha ansiedade era tanta que as horas custavam a passar. Vivinha não apa-recia. Comecei a ficar preocupado. Olhava para o paio pendurado e via o rosto de Vivinha... Comecei a me de-sesperar, Vivinha não aparecia... Olhava o paio e via o corpo, sentia o cheiro de Vivinha... O perfume do paio... o perfume dela”.
“ Assim a tarde se passou... anoiteceu... chegou o horário de fechar o supermercado... e Vivinha não apa-receu! Desesperei-me de vez... nem mais olhei para o paio pendurado. Algo mais sério deveria ter acontecido. Jamais Vivinha havia faltado um sábado sequer. Sai correndo... fui direto ao apartamento do meu sócio Ali-queto. Ele, além de ser muito mais experiente, era a ú-nica pessoa a quem, talvez, eu pudesse confessar a mi-nha paixão escondida. Pouco me importava se ele me censurasse ou não, tinha que desabafar com alguém a minha dor.”
“Quando cheguei, por mais que batesse na porta do apartamento do Aliqueto, ninguém atendia. Tanto bati que a porta acabou se abrindo sozinha. Entrei pre-ocupado. O silêncio dentro do apartamento era total. Passei pela sala e fui ao quarto de Aliqueto. Foi aí Dou-tor... exatamente aí que tive a maior surpresa de minha vida: Aliqueto, o meu sócio que sempre fora discreto em suas ações, deitado em sua cama, totalmente nu... com um sorriso de satisfação nos lábios, fumava um ci-garrinho... calmo e sossegado. Ao me ver, pulou da ca-ma... tentou se cobrir com o lençol e gritou assustado:”
— BOTELHO!... VOCÊ AQUI! O que aconteceu? Vo-cê sabia que ainda se usa bater na porta para poder se entrar na casa dos outros? Bem... agora não tem mais jeito, eu pensava em lhe fazer uma surpresa... Já que você entrou dessa maneira, eu vou lhe contar: estou em lua-de-mel... Casei-me hoje à tarde no cartório da cida-de!
— CASOU?!... mas como? VOCÊ!... que eu saiba não estava nem namorando! Onde conheceu a sua noi-va?
— Na fábrica de lingüiça do meu amigo Salazar... ela comprava todos os domingos os lingüições do Sala-zar... Eu que os escolhia. Você deve entender... Domin-go vai, domingo vem... acabamos nos apaixonando. Ela está no chuveiro. Deixe chamá-la para que você a co-nheça VIVINHAAA!

“E foi assim doutor... depois que confirmei ser mesmo a minha Vivinha... desci correndo do aparta-mento do Aliqueto e não parei mais de correr... até que cansei e comecei a andar ao léu... Assim aquele moto-rista de táxi me encontrou. Agora toda vez que lembro do Aliqueto pelado... me dá um troço... e começo a cor-rer... sem parar!”
Doutor Loque, que a tudo ouvia, começou a falar:
— É seu Botelho... pelo visto o senhor está somen-te triste, não há necessidade de uma internação. O se-nhor até que contou muito bem a história da crise que o acometeu!
— Sabe doutor... as minhas crises só acontecem quando eu lembro do meu sócio pelado... Somente na hora que eu o vi sem roupa foi que entendi o porquê de Vivinha sempre ter escolhido o paio maior. Se eu sou-besse teria me declarado muito antes... É justamente esse o motivo que me deixa louco e transtornado. Perdi a maior oportunidade de ter conquistado a Vivinha an-tes do meu sócio Aliqueto... mesmo sabendo que a lin-güiça dele seja melhor e maior que o meu paio!

Assim que Botelho Pinto falou, virou os olhos e, acometido de uma nova crise, passou a proferir pala-vras sem nexo... Saiu correndo pela porta afora; atrás dele, dois ou três “estonados” que aguardavam para ser atendidos!
Dr. Loque, pegou a sua caneta, balançou a cabe-ça... e escreveu na ficha de Botelho Pinto: DEPRESSÃO AMOROSA CRÔNICA INCURÁVEL!

O que sobrou da história:

“A LINGÜIÇA DO VIZINHO... É SEMPRE
MAIOR E MELHOR DO QUE O NOSSO PAIO!”


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