145 usuários online |
| |
|
Poesias-->Infância -- 19/09/2002 - 15:42 (José Eduardo Mendonça) |
|
|
| |
Como se espíritos fossem
(e hoje espíritos são)
mamãe e seu pai pairam no ar
ao som da vitrola que martela, sincopadamente,
a valsa do imperador de uma distante Áustria.
E meu sangue borbulha em suas origens
e meu coração dança em três por quatro
como um pequeno instantanêo do passado.
Lá estou eu, menino, imerso sempre em solenidade
(que parece ter se instaurado em mim como destino).
A tia serve o ponche em uma antiga jarra
(única testemunha de um duvidoso fausto),
pia batismal cristã, dionisíaca,
o sincretismo da pipoca e do prazer
da criança que pode ir dormir muito tarde
que alguém cuidará de que haja amanhã para amanhecer.
Era tudo tão singelo,
mesmo os homens atravessando a madrugada no baralho
enquanto as mulheres desfiavam entre gargalhadas suas mazelas,
tudo tão doce como fios de ovos cobiçados antes da ceia.
Hoje não há mais amanhã.
Hoje ninguém garante o sofá onde dormi ouvindo as vozes evanescendo como mágica.
Hoje estou taciturno como a chuva que respinga o dia todo em um lamento.
Hoje eu lamento que haja a chuva onde antes havia, de manhãzinha, a garoa.
O que eu aprendo, hoje, é mais uma apreensão que o aprendido.
O bate-estacas abala fundações de uma alma que nunca será terminada.
|
|