Uma ostra se irrita e nasce uma pérola.
Uma fenda se abre na terra
e um terremoto traga tudo.
O sol toca a epiderme e traz beleza,
peles viçosas, desejos,
e pode trazer a morte,
que pinga incessante e paulatina
como tortura chinesa.
Em nosso mundo de aparências e contrários
onde tudo se traduz pelo anverso,
moedas não se resumem a duas faces
e exibem seu valor além das dubiedades.
Nem isso, nem aquilo, a vida,
nem emaranhado nem clareza,
nunca uma canção pronta para embalar nosso sono,
coisas que se enredam em nossa pele
e a elas nossos cheiros respondem,
como canela no arroz-doce,
pimenta de cheiro num cozido,
páprica a tingir de vermelho inssossas receitas.
……..
Perdemos tão fácil espaço, tempo, propriedade,
traídos pelas iaras nos rios e as sereias nos mares,
que só trazem em seu rastro
o risco atraente da destruição,
loteria na qual números se combinam
e resultam sempre em perda.
Como cuidamos mal de nós mesmos
e mal nos enxergamos
e mesmo assim nos submetemos
ao que pode nos aniquilar.
Frágeis como papel de arroz
onde se pode construir uma gravura eterna,
optamos tanto pelo papel e não pelo símbolo
esquecendo que as tintas e as formas
sempre lá estiveram
e que a nós resta transformá-las
no que de nós mais se aproxima.
……….
Olho tantos quadros assim como olho
do quê minha vida é feita
E sempre você figura em telas
onde aprendi o som do silêncio,
o vazio das formas,
a pausa em partituras que remetem a codas, rondós,
coros que sempre vêm de um som
que repercute de você
como um baixo e sua gravidade,
um oboé e seu timbre inconfundível,
trombone maleável , metal em tempo de fervura,
tambores e mensagens de fumaça,
vozes que entoam o último movimento
da última sinfonia.
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