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Contos-->P E R N A M B U C Ó I D E S -- 25/07/2002 - 20:55 (Walter da Silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
P E R N A M B U C Ó I D E S


É o mesmo que o chamarem de imbecil. Detesta essa musiquinha atual. Óbvia, homófona, de dois tons, abaixo de medíocre. De harmonia, principalmente. Ele vem de uma geração na qual a rapaziada ouvia Dolores Duran, bossa-nova, Jobim e seus asseclas. Na época, chamavam-no de “engajado”. Na fila dos correios, o respeitoso silêncio nordestino, sexta-feira, último dia útil do mês de dezembro. Na fila indiana, atrás dele, dois rapazes aí pelos seus vinte e poucos, elogiavam, cantarolavam e faziam a apologia de uma música de sucesso, pagode de terceira categoria. Ele estava inquieto, mesmo porque, os tais rapazolas, quebraram o silêncio.
Antes desse fato, já tentara provocar uma discussão com uma mulher sarará, gorda e sebenta, porque ela havia permitido alguém furar a fila... bobagem! Mas ele é desses que tem de provocar alguém para obter algo em troca: uma opinião habitualmente contrária à sua. Mal-sucedido na primeira provocação, tentava agora a segunda, quando virou-se para trás e disparou:
- Olha rapaziada... deixa eu me meter na conversa de vocês. Mas vocês deveriam procurar ouvir uma música de bom gosto, que tenha letra, harmonia e seja mais bem cantada... Enquanto falava, os dois moços o olhavam entre atentos e meio embaraçados. Com aquele ar de “cuida de tua vida, coroa”. E continuou:
- Não essa musiquinha hen-hen-hen, de dois tons, que não vai para frente nem pra trás... O rapaz de pasta na mão soltou sua pérola:
- Mas, amizade, gosto não se discute...
- É assim, né? É verdade. Gosto não se discute, mas se lamenta...
E caiu na gargalhada, deixando o cara da pasta, meio sem graça, mas disposto a dar um sinal de quem vai reagir com outra pérola.
- O senhor gosta de que? música clássica? música instrumental? do que é que o senhor gosta mesmo?
- Ah... agora você chegou no que eu queria. Música boa é a dos anos 70, 80.
Isso é que era bom tempo. Os festivais de música popular. Vocês não vão se lembrar, tenho certeza. Brega até que já existia... mas gravadora que se prestava não corria atrás deles, não.
Enquanto perpetrava sua preleção professoral, a fila toda assistia ao evento, cabreira, sem dirigir palavra, sem opinião, se arrastando. São pessoas simples, do subúrbio, do salário mínimo.
Observam assustadas o discurso do homem dito de bom gosto, vestido de classe média, bem informado, mais do que cinquentão.
No conteúdo, está incluído um segmento especial sobre jazz, country e outras variações. E volta a contra-atacar:
- Pois é pessoal. É isso mesmo. Roberto Carlos é uma espécie de rouxinol da ditadura militar. Depois, esse “rei” só está aí se mantendo ainda, por conta do talento do Erasmo... pode crer. A platéia, amorfa e meio atônita, assistia a tudo, enquanto o homem politicamente correto, bradava seu discurso, que nem desabafo, para esclarecer a sexta-feira. Algumas pessoas sorriam entre si, baixinho, já acostumada a esse tipo de protesto eventual.
Nosso ilustrado homem, ao ver chegar uma pessoa com aparência semelhante à sua, supostamente do mesmo bando, virou-se para ele, bem atrás de si e, finalmente fechou esse último ato:
- Sabe, amigo? Sabe o que eles são? São uns pernambucóides, uns pernambucóides! Frase dita ao som meio tímido, mas democrático e insistente dos rapazolas, cantarolando a música aprendida em seu tempo, a bordo de uma sexta-feira, no centro do município de Camaragibe, região oeste de Pernambuco.




WALTER DA SILVA
Camaragibe Aldeia julho 2002
Extraído de “22 CONTOS DE RÈS” ®

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