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Contos-->EL AMOR BRUJO -- 26/07/2002 - 16:50 (Walter da Silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
EL AMOR BRUJO


Enquanto o som da sala reproduz o Bolero de Ravel, a moça toma uma aspirina. A dor de cabeça vem de alguns meses atrás. O sábado, tão triste quanto chuvoso, aguarda uma decisão. Terminado o complicado romance com o traficante, ela, que abandonara a faculdade no último período, pela paixão fulminante nascida numas férias, tornou-se refém de seu próprio desejo. Os telefonemas têm sido demais. Vêm do mesmo lugar: das colegas que pretendem ajudá-la a sair do buraco emocional e devolve-la à pesquisa que começara faz alguns meses. Argumentam que paixão é paixão, desaparece tão ágil, quanto aportou no peito. Não tem se alimentado direito, não visitou mais a mãe no interior, nem voltou à academia, onde tentava “colocar as coisas no lugar”, como diz habitualmente.
Dentre os diversos discos que selecionara, sobre um recai atenção especial: EL AMOR BRUJO, que ganhara uma vez numa festa de amigo secreto.
É de um autor espanhol, Manuel de Falla, que lhe teria inspirado a estudar a língua de Cervantes, faz um ano. Nessa época, conhecera Ruiz, o homem, a cuja ausência, ela vem atribuindo a enxaqueca que lhe acomete, pelo mesmo período. Por isso, toda vez que ela se instala, coloca essa dança, como se lhe servisse de analgésico. Ex-guerrilheiro do grupo sandinista, Ruiz foi preso, acusado de tráfico de cocaína, com o agravante de ter entrado no país clandestinamente. Para disfarçar sua real origem, matriculou-se na academia de ginástica, justo onde ela se inscrevera um mês antes.
- O que você vai fazer à noite? - pergunta o Ruiz, com sotaque estrangeiro e acariocado. Ela enxugou o rosto, fitou-o nos olhos amendoados, apertou-lhe as mãos com braços estendidos e disse:
- Não tenho mesmo nada para fazer... tinha que fazer uma ligação para o pai do meu filho, mas já fiz. Estou sem agenda, sem lenço....
E caía na risada depois, puxando o colombiano para seu próprio corpo, quase caindo, pois escorregara quando o puxou. Ambos riram muito e, caminhando até o corredor, fizeram em seguida um certo silêncio de quem já se houvera dado conta de cupido.
Sem barba, sem bigode e usando um estilo de penteado, jaquideme,* Ruiz rejuvenescera anos e, disfarçado, assemelha-se a um universitário. Ele havia dito a ela exatamente isso:
- Vim tentar el mestrado aqui em Brasil.
O sotaque não escondia sua origem latina, mas ocultava temporariamente sua função principal.
E é claro que ela acreditou com a cumplicidade de uma paixão avassaladora, fulminante, como as balas que haviam saído de sua metralhadora.
- Não gostei do filme. Aquele final foi óbvio demais. Previsível... concorda? Ele, absorto, mal ouvira o que Maria Elisa lhe havia perguntado.
- Ahn? Ah.... sim... sim. Também achei. E o cara, além de fingir sua origem verdadeira... ainda... é... é...
Ruiz tergiversara, pela semelhança com o personagem do filme: um refugiado ex-terrorista, que se fingia de universitário, numa terra estrangeira. Mas Maria não notou nada, mesmo porque, de nada sabia, ainda.
No restaurante, beberam champanhe, Ruiz fumou charuto cubano depois do licor e da sobremesa... e... o impacto:
- Seu nome é Arman Ruiz? Perguntara o homem de terno escuro e gravata azul, desembarcado abruptamente no local, mostrando acintosamente um distintivo da polícia.
- Sou da polícia federal e estou lhe dando voz de prisão. Você deve permanecer calado...
Ruiz havia se transformado no que realmente era: Diego Alfonso Duran, seu verdadeiro nome. Maria Elisa, surpresa,
atônita e sem saber exatamente como agir, tentou impedir o policial, mas em vão. Os olhares nas mesas vizinhas, um garçom perplexo e paralisado e a chuva fininha que caía lá fora, formavam as testemunhas de uma frustração. Julgado, sentenciado e deportado, Ruiz deixara como sua herança única e sensível, a dança da peça de um amor bruxo a que assistia quando visitava Maria em seu apartamento.
O moço da farmácia tocou a campainha da porta do apartamento. Levantou-se, só Deus sabe como, lenço embebido em álcool ajustado à cabeça, abriu a porta e apanhou o pacote de analgésicos da mão do rapazola.
Quase fechava a porta de volta quando resolveu chamar o rapaz para uma gorjeta. Observou-o por segundos nos olhos meio amendoados.
- Obrigada, tá? Como é mesmo teu nome?
- Diego, senhora, Diego.
Olhou-o, sorriu desencantada, andou até o sofá da sala. Jogou displicentemente o pacote da farmácia no móvel, deitou-se e tendo uma lágrima como parceira, voltou a ouvir triste e atentamente EL AMOR BRUJO.
____________________________________________________

* corte de cabelo dos anos 60, atribuído ao boxeador JACK DEMPSEY

WALTER DA SILVA
Vila Velha, setembro de 1995
Extraído de “22 CONTOS DE RÉS” ®



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