Silicato complexo
Uma das primeiras disciplinas profissionalizantes do curso de engenharia civil é a cadeira de Materiais de Construção, divididas em dois semestres com 60 horas cada.
Naquelas 120 horas de Materiais I e II, aprendíamos os mais diversos elementos componentes das obras e seus mais variados usos. Ou seja, pedras, brita, seixo rolado, cimento, azulejos, ceràmicas, madeiras etc... tínhamos uma iniciação no conhecimento do solo que é aonde, logicamente, a obra é assentada.
Para recém chegados no curso, as dificuldades com o reconhecimento dos solos eram gritantes. As incertezas eram tantas e as reclamações infindáveis. Certa feita, o professor fez a seguinte sugestão para quando nos defrontarmos em uma situação envolvendo questionamentos desconfiados dos operários das obras. Explicava o mestre, com trejeito de uma vasta experiência adquiridas na execução de obras de engenharia.
- Os trabalhadores da construção civil, em geral, tem pouco grau de instrução. Os solos argilosos vocês tem condições de reconhecer. Os solos, em sua maioria, possuem areia em sua composição, que é um silicato. Se por ventura sermos indagados acerca do solo, digamos apenas:
-É um silicato complexo.
E continuou.
-Pois eles têm dificuldades em saber o que é um silicato. Imaginem silicato complexo. Para os operários é algo muito distante, o fim do mundo. Sendo assim a conversa fica encerrada e a pergunta respondida. Era a dica do experiente mestre dos materiais de construção.
- É um silicato complexo! - Comentou um colega ao meu lado, balbuciando aquelas palavras, fazendo um audível treinamento para futuras indagações.
Naquela tarde, no bar do baixinho, o assunto foi o silicato complexo. O baixinho também não sabia o que era silicato. Silicato complexo, fugia ao alcance dos seus parcos conhecimentos de engenharia, adquiridos entre um sanduíche e um refrigerante fornecidos aos estudantes nos intervalos das aulas.
Algumas semanas após as elucidativas aulas, fomos fazer uma visita numa obra da cidade. Estava em construção a nova agência bancária, naquele dia seriam concretadas as sapatas que, para quem não é do ramo, são assentadas diretamente no solo, era a oportunidade de verificarmos "in loco" os conhecimento sobre solos e concretagens.
Antes do professor dizer que aquela obra tinha todos os exemplos de como não se deve executar uma concretagem, uma colega vem em nossa direção, com a mão posta nos olhos, tateando as paredes do galpão do canteiro de obras.
- Me ajudem! Entrou algo em meu olho, está ardendo e não consigo enxergar.
Cheio de presteza para com a bela colega da engenharia, o professor diz apenas:
-Não é nada, um pequeno grão de areia, umas piscadelas e ele sai daí.
- Grão de areia não! Silicato complexo, professor! Um pequeno silicato complexo!
Comentou um gaiato oitavado num canto do galpão, com um sorriso irónico no canto da boca. O mestre apenas fez um balanço discreto com a cabeça e encerrou aquela vespertina aula prática.
- Por hoje chega. Vamos embora.
Enquanto estendia a mão para ajudar educadamente a bela morena, atravessar uma estreita pinguela. E eu torcendo que ela escorregasse para segurar-lhe a cintura.
Hoje, quando vejo um monte de areia, vem em minha mente a complexidade do silicato e os belos olhos verdes daquela morena faceira e dengosa da engenharia civil.
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