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Contos-->" P E L " -- 27/07/2002 - 08:14 (Walter da Silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
“P E L”


Enrolando o cordão no pau do mastro da batera. Duas voltas para um lado e mais uma adiante, por baixo da forquilha. Com a mão esquerda segura o mastro de uns três metros, a mão procede, paulatinamente, enrolando e enrolando. Chamam-no “PEL”, apelido que, me adianta, não lembra a origem. A casa, de sapé e alvenaria barata, incrusta-se e convive com o mangue, um chão argiloso e vegetação litorânea e, como a maioria das casinhas do litoral da Vila Velha, provida de porta e janela, com os dizeres: “Deus proteja este lar”.
O pé de fruta-pães, carregado como a família, está ali faz anos. O sétimo filho corre a apanhar uma para o “ doutor”.
- Então... você teve 24 filhos, “seu” “PEL”?
- Eu não, moço... mas minha muié. E isso é só dos que eu sei... na rua... (faz aquela pausa levantando de leve o roto chapéu, coçando a cabeça branca de 86 anos).
Lá embaixo, adiante da lama, está ancorada a batera. Em sua simplicidade, não vai se dar conta de que se trata de uma bateira, pequena embarcação desprovida de quilha. Mas fabrica-as desde que foi pai do primeiro. Todos os 24, de uma única barriga.
Assaltado pela minha velha mania de fotografar gente, aprumo a Pentax, foco, leio a luz e mando brasa. O velho lobo do mar, armador de bateiras, sequer levanta a cabeça, para não se desconcentrar do necessário e vital ofício. Apanho a bela fruta-pão, esverdeada e quase madura e, brincando, pergunto-lhe quanto devo... Ele, do cume de seu profissionalismo, continuou enrolando e enrolando. A fruta-pão é desses cafés da manhã nordestinos, consumida com carne, queijo ou com manteiga. Sua origem, soube, remonta a milhões de anos, e deverá ter surgido no Tahiti, segundo meu senhorio, um indiano de Caxemira, poliglota, jornalista e praticante do hábito de beber aguardente, rebatendo com uma cerveja pouco gelada.
Nosso armador fala pouco e, gente de cidade grande, só para puxar conversa, insiste em saber um pouco mais sobre essa “máquina” reprodutora de prole, neste mundo onde elas nascem vinte e seis mil por minuto.
Bateiras e crianças, dois produtos prediletos do PEL. Considere-se, portanto, que os primeiros provêem o sustento dos segundos, estes mais exigentes, menos controláveis, todavia, de vida mais curta.
Pergunto-lhe, em minha permanência, sobre quem é que compra tais bateiras... enfim, qual o perfil do comprador dessa embarcação.
A freguesia de PEL, é formada por gente de classe média que em geral, prefere construir o barquinho em ibiriba, madeira resistente e abundante no litoral. Encomenda-se três meses antes da grande inauguração do pequeno barco.
É um tipo de artesanato que já não resiste tanto aos tempos das embarcações sofisticadas, em fibra de vidro e vendidas em grandes lojas de departamento. Tento puxar mais um papinho, mas me dou conta de que poderia tornar-me chato e não obter uma certa reciprocidade. Agradecido e sem constrangimento, resolvo voltar ao mangue para fotografar a periferia: lamaçal, pequenos barcos ancorados, seres marinhos em sua bela bio-diversidade. Quanto ao PEL, depois da sessão fotográfica, volta às tarefas de praxe e carrega o mastro até o barco.
Sequer olha para trás, esse homem de rosto marcado, engelhado pelo sol do nordeste. A ladeirinha de volta é bastante íngreme e sulcada, efeito das últimas chuvas.
Mal permite passar uma pessoa e com cuidado para não deslizar no massapé escorregadio. A vegetação rala da floresta atlântica, enche-nos a vista do verde matizado. Lá embaixo, a choupana do PEL imóvel e vazia, emoldurando os barcos ao fundo e o manguezal da velha Ilha de Itamaracá.




WALTER DA SILVA
Vila Velha, setembro, 1995
Extraído de “22 CONTOS DE RÉS” ®
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