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Contos-->MENINOS DE RUA -- 27/07/2002 - 12:49 (Walter da Silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
MENINOS DE RUA


Primeiro passaram de noite, pelas 11:30, na sexta-feira. Depois, estacionaram o veículo na esquina da rua da Matriz, desceram dois deles e, protegidos pela grande bombacácea secular, permaneceram por um longo tempo, meio disfarçados. Semana passada, segundo denúncia dos vizinhos, meninos de rua teriam quebrado a lâmpada mercúrio de poste interno, justo na casa do juiz de direito.
De férias com a família, o magistrado, apesar das regalias, imunidade e respeito que o Estado e a sociedade lhe devotam, não quis acreditar no fato ocorrido. Mas o casal de funcionários públicos, adeptos da corrente carismática católica, além de muito preconceituoso, destila um ódio mortal a “moleques de rua”. Para prestarem queixa na delegacia do bairro, não custou muito, mesmo assim sob protestos da presidente do grupo “Ação de meninos de rua”. Dona Matilde de Alecrim, uma sessentona viúva e aposentada dos correios e telégrafos, despende todo seu esforço e o pouco dinheiro que tem, para defender a meninada, “que já nasce de pé atrás”, segundo palavras dela.
Prestada a queixa, algumas horas depois chega a polícia civil, com uma certa urgência, sobretudo para mostrar serviço a uma comunidade, que abriga uma ilustre autoridade do judiciário. Eles tentaram falar com sua excelência, mas ele viajara para o norte do país, em missão. O inspetor, cuja alcunha é “sargento pinga”, chama-se na verdade, Valdir dos Perdões e, com seu inarredável palito de dentes no canto direito da boca, não vê a hora de cair em campo, leitor inveterado que é de Ian
Fleming, o tal que inventou o James Bond.
Uma mera traquinagem gerou um caso de polícia, de política e de segurança pública. Falava-se até em plebiscito para resolver se se prenderia ou não os garotos, todos menores e abandonados. Cada um puxava a brasa para sua sardinhazinha.
Dona Matilde, a defender severamente os direitos da criança e do adolescente; o candidato a deputado estadual Acácio Ciprone, uma campanha para sensibilizar a população para os lados bom e mau dos meninos; de outro lado, o fã-clube do Senhor Juiz, que unanimemente pleiteia uma correção que resulta somente no dito popular: “há que se cortar o mal pela raiz”!
A cada dia e hora que se consomem, os meninos voltam a aprontar, praticando pequenos furtos, roupas de varal, rádios de automóveis, aparelhos celulares, pequenos descuidos e assaltos à noite, usando armas de brinquedo. Os “cheira-cola” como são denominados, estão deitando e rolando, embora a comunidade tenha tudo para prender os zumbis, mesmo a despeito de saber que serão soltos em seguida, por conta da flexibilidade da legislação. Os doze moradores estão montando uma estratégia para descobrir o “gerente” do bando, o chefe da promissora quadrilha de larápios mirins, que tanto infernizam a vida dessa gente pequeno-burguesa de classe média alta.
Reuniões vão e voltam, discussões homéricas, toda a mídia convocada para acompanhar o “terrrorismo” instalado naquela rua, mas, à organização litigante, falta o principal: a imaginação.
O filho do capitão de marinha aposentado está, sozinho, armando sua ratoeira para flagrar os garotos.
Numa das casas de muro mais alto, eles temem ir, porque lá reside o tal capitão, que, agora enfermo, ainda carrega consigo a fama de torturador de preso político nos idos da revolução de 1964. Dona Matilde exige que tudo a ser feito, passe pelo seu crivo experiente. Ela exibe orgulhosa, sempre que pode, a fotografia na sala, ao lado do ministro da Justiça.
As testemunhas, peça principal do tal inquérito instaurado, são raras e, em geral, quando aparecem, é para ganhar uns trocados.
Três meses se passaram e as providências tomadas, resultaram inócuas, vazias. Até a televisão, quase em estado de alerta fazendo plantão no local, está aparecendo muito sonolentamente ao palco das ocorrências.
Mas como se diz na gíria, nem tudo está perdido. Fora encontrado um corpo de um jovem, aparentando uns 17 anos e, tudo indica que faça parte do grupo que assalta e comete pequenos delitos na comunidade. O terreno baldio onde encontraram o corpo do efebo, é de propriedade do tal capitão de Marinha e, como era de se esperar, as suspeitas estão re- caindo em cima das costas do filho arredio do capitão, sujeito grosso e de hábitos pouco civilizados. O levantamento do cadáver constatava que a criança fora torturada, com brasa de cigarros e haviam marcas de espancamento com um objeto de ferro ou aço. A confusão se instalara e toda a comunidade, repentinamente arrefeceu de ânimos. Dona Matilde viajou a Brasília para denunciar a chacina do menino, ao senhor Ministro. Ninguém, ao ser abordado pela mídia, se dispunha
a dar qualquer informação, pista ou algo semelhante.
Passaram-se dez anos e aquela comunidade continua mantendo os mesmo hábitos. O sistema de segurança tornou-se tão sofisticado e inexpugnável, que até a robótica está sendo utilizada para prevenir qualquer tipo de ameaça de violência ao patrimônio físico-moral das 12 famílias. A mídia esquecera completamente o caso, e hoje, passados esses anos, resta apenas a presença de uma jovem estudante universitária de sociologia política, que comparece regularmente ao elegante “Condomínio das Sequóias”, para entrevistar os moradores. Ela está preparando sua monografia de conclusão de curso, já que, coincidentemente ou não, foi uma das personagens ativas dos acontecimentos que movimentaram tanto a opinião pública em um passado muito recente.



WALTER DA SILVA
Vila Velha, setembro de 1995
extraído de “22 CONTOS DE RÉS” ®

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