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Artigos-->O Real Fabulista Vassil José de Oliveira -- 27/12/2001 - 14:59 (Salomão Sousa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Alguns livros são marcantes desde a primeira frase, principalmente aqueles ligados à corrente naturalista. Quem se esquece do clima da abertura dAs Vinhas da Ira, de John Steinbeck? Da aparição do personagem principal do roman-ce Germinal, de Emile Zola? Ou do berço que balança sobre dois abismos, nas memórias de Nabokov? São aberturas que chocam, que jogam um raio fulminante logo de saída. Parece o tiro para o início da corrida. Apesar de praticar uma linha de ficção que passa bem longe do Naturalismo, Vassil José de Oliveira dá um tiro de largada suficiente para arriar o lei-tor e deixá-lo impotente para abandonar a leitura até o tér-mino de cada narrativa: “&
61630; É a bosta dele!/Provou./O gosto… Está pra esquerda… Vamos rápido, porque ele vai na pressa.”

Assim está dada a largada para a trajetória literária de Vassil José de Oliveira, o andarilho da região da Estrada de Ferro, o político idealista de São Miguel do Passa Quatro, o construtor cultural em Silvânia, o jornalista ativo em Goiânia e o eterno garoto que vasculha personagens — alguns meus parentes — em Vianópolis. Trajetória esta que, se não sofrer algum abalroamento do sôfrego trem que leva a carreira jor-nalística, tem tudo para ser vitoriosa.

Com esta largada, nenhum leitor terá de ler o livro por imposição de desafio da própria leitura, mas por provo-cação e instigamento do autor desde o momento do registro da primeira palavra. Nonada. Fica demonstrado, assim, que não é o leitor que conquista o autor, e muito menos trans-forma o livro num espetáculo. Quando o leitor decide por um texto, ele fica só. Ao decidir por uma leitura, o leitor só irá se iluminando caso o próprio texto seja capaz de apre-sentar algum linimento que instaure a incandescência. O leitor só irá se recobrar após a última palavra. Travessia. Quanto à presença do autor, só depois de ter se maravilhado o leitor irá se interessar pela presença gorda ou esguia do narrador, que, de antemão, não auxilia no alívio de um texto enrijecido, onde é impossível o leitor entrar com a sua soli-dão.

Pela própria chama da amizade que há vários anos me une a Vassil José de Oliveira, seguindo a prática usual das apresentações de obras de estréia, eu poderia ter começado dizendo que os seus contos contêm luz, que eles compõem uma mosaico que resulta numa obra-prima. Retardei a asser-tiva, mas, ao identificar o azeite usado para manter os textos incandescentes, não posso evitá-la. Intercalo pequenos en-trechos da trajetória do autor para deleite daqueles leitores que necessitam do conhecimento do narrador para melhor entrada na paisagem que ilustra a narrativa.

Meus primeiros contatos com Vassil José de Oliveira são da época em que ele desenvolvia política cultural em Silvânia, no grupo Palas. Desde aquele tempo, como bom goiano, mais ouvia que falava. Depois, ele veio para Brasília para estudar jornalismo e praticá-lo, mas o chamado goiano foi mais forte. Instalou-se em Goiânia, onde concluiu o Jor-nalismo e pratica a literatura e se encontra instalado nas re-dações dos jornais.

Quanto à estrutura deste seu livro de estréia, não precisamos decifrar os diversos ângulos narrativos dos con-tos (terceira pessoa intercalada com a primeira, conjuntos de instantâneos para composição de uma única figura, entre outras práticas estilísticas adotadas para construção das nar-rativas). Os leitores modernos estão muito bem preparados para estas identificações. E, excessos de identificação, como naquela velha história de “contar o filme”, acabam por redu-zir o maravilhamento de uma obra. Até João Guimarães Rosa pediu para que o desfecho do seu livro máximo não fosse divulgado. Certamente não teria autorizado a versão televisiva da mesma, que acabou por prejudicar em muito o encantamento do arcabouço de Riobaldo Tatarana.

A tarefa de identificar os artifícios narrativos fica a cargo de cada leitor, já que este é o desafio que deve ser pro-posto pelo leitor ao optar por determinada obra. Onde não existe artifício não é ofício literário. Cada autor tem de pro-por os seus artifícios e cada leitor tem de buscá-los em cada leitura. Esta a fragilidade da literatura contemporânea: difi-culdade para articulação de novos artifícios de estilo. Mas em Vassil José de Oliveira, e só isso já salva o seu primeiro livro, não há busca de facilidades ou intenção de esvaziamento de artifícios, onde beiraria a construção de obra de auta-ajuda ou da montagem fácil de best-seller.

Estas Narrativas do Interessante, de Vassil José de Oli-veira, vêm ingrossar a corrente literária instaurada em Goiás por Augusta Faro com A Friagem. Aqui há filiação com o fantástico, mas com renegação da familiaridade. Não há criação de uma nova realidade, onde predonima a fantasia, mas superposição de um universo delirante sobre a camada extraída do real.

Em alguns casos, o delírio decorre do excesso do uso do álcool ou da fragilidade do cotidiano. Sob a fina espessura do cotidiano, onde nada pode acontecer, é possível que es-teja acontecendo a traição, pelo menos na frágil imaginação psíquica, pois a mente esvaziada dos amantes tem de se ocu-par com o único objeto do desejo — o parceiro sexual. E até a traição, ao ser inserida no cotidiano, pode não estar acontecendo. Tudo que está dentro do cotidiano pode ser uma fábula, pois, a ação não deve estar acontecendo. Em um universo de agressividade, o delírio da prostituta se manifesta no desejo de um encontro em que o predomínio seja o ro-mantismo, já que é quase impossível o delírio do amor. A esposa pode muito bem não ter dormido com o amante. O grupo de jovens pode muito bem ter participado da orgia com as mulheres que foram saindo dos túmulos.

E nessa desfiliação do fantástico, fantástica a fantasia scorzana elaborada por Vassil José de Oliveira para mostrar a aposentadoria de um matador. O Féretro da Faca é uma pe-quena obra-prima, onde não há uma moeda exposta em pra-ça pública, mas o enterro da arma após o cometimento do último crime. A narrativa Lhiana, que também sobressai pelo mosaico em que foi construído, está mais filiada ao real. Trata-se de uma viúva desejada por todos, que passa a ser admitida como objeto de desejo até pelas mulheres que serão traídas. Prova de que as camadas de irrealidade são construí-das diariamente, pois, mesmo que sejam fatos fictícios, a mente está sempre elaborando situações superpostas ao coti-adiano.

Das oito narrativas que compõem Narrativas do Inte-ressante, duas merecem destaque. O Fabuloso Burrim Barroso, que abre o livro, funciona como uma metalinguagem dessa nova invenção do fantástico. A narrativa procura demonstrar a importância de o homem continuar fabulando para se manter criativo e, consequentemente, vivo. O homem não pode deixar se perder pelos engodos reais da metrópole. De Amor dos Homens da Terra pode até passar despercebida como um desencontro amoroso, mas irá se redimensionar quando descortina os limites do homem para se integrar consigo e com a natureza.

Participar do mundo, às vezes, fede. Para encontrar a estrada de sair do mundo real e entrar no universo da fábula — mostra-nos Vassil José de Oliveira –, é preciso esfregar bosta no nariz.

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