Jurenaldo estava concentrado, digitava um conto, os dedos ágeis passeavam pelo teclado. Na silenciosa sala de estudos, ouvia-se apenas os "tleque-tleques", no microcomputador.
De repente, abruptamente, Zuleica entra no recinto.
- Naldo! Vamos sair para comer pastel?
Jurenaldo não suportava quando Leica fazia estas interrupções em seu trabalho, ainda mais quando estava no auge da inspiração literária. Para ele sua concentração era um estado de espirito. Achava um disparate. Entretanto, o ronco do estómago falou mais alto e aceitou de pronto.
- Vamos.
A pastelaria fica na mesma quadra onde moram e faz um excelente e apreciado pastel, pelo menos é a opinião de alguns amigos do casal que são frequentadores assíduos do estabelecimento.
- Tem apenas uma mesa sobrando, vamos ligeiro. - Entraram e sentaram sorridentes.
Não demorou muito, chega o garçom com toda educação e cortesia conseguida em vários anos de profissão. Comunica, a Jurenaldo e Zuleica, que deveriam desocupar a mesa, pois outras pessoas estavam na frente.
-Tudo bem.
-O senhor me entende...
-Entendo.
-Afinal, é a democracia ... os primeiros que chegam ...
-Bela democracia, bela práxis democrática. - comentou Jurenaldo.
O garçom olhou para Jurenaldo como que pergunta: O que é práxis?
Retribuiu com um olhar exclamativo: Não sabe o que é práxis!
Neste mesmo instante um senhor solitário em uma mesa próxima, cabelos grisalhos e avolumados, atento aos olhares, observa-os com a fisionomia de que nenhum dos dois sabe o que é práxis.
Naldo e Leica desfazem a magia de percepção e voltam para realidade.
Jurenaldo sai da pastelaria resmungando.
- Para mim a questão não é entrar na frente de alguém, e sim o fato de eu já estar com a mente voltada para o pastel. Imaginando-o bem ali diante dos meus olhos, tomando conta de um prato, quentinho. Não vendo, mas sabendo que dentro dele haveria carne, azeitona, milho e ervilha. Não. Acabou-se o encanto.- E se mandou porta afora.
- Tem outra pastelaria duas quadras daqui. - Comenta Zuleica.
Passaram em frente, ninguém dentro. Confabularam alguns segundos. Finalmente entraram.
Tinha um rádio cujo o som abrangia todo o ambiente e estava sintonizado em uma rádio AM. O programa era de músicas sertanejas. Aproximou-se uma senhora bonachona, com um lenço branco amarado na cabeça, que trouxe o cardápio, todo escrito a mão, cujo autor, tinham certeza, não era professor de português. Novamente aquele encanto: Interrogaram-se com um olhar...
Pediram um pastel grande de carne e um pequeno de galinha.
A dita senhora some por uma cortina parda, colocada num vão, onde deveria ter uma porta. Ficaram a sós no recinto.
"Fizemos a última viagem
foi lá no sertão de Goiás..."
- Impressão minha ou o rádio aumentou o próprio volume.
- Aumentou.
Começaram a ouvir um ruído vindo lá detrás da cortina.
- Parece uma garrafa espichando uma massa de pastel.
- Quando vier, fecha os olhos e come.
- Barulho de fritura!
Finalmente! Os dois pastéis, um refrigerante, uma água mineral, os pratos e talheres. E comeram.
Comeram dois saborosos pastéis com uma excepcional massa caseira, feitos por uma simpática senhora que gosta de música sertaneja.