Uma poesia visual, é o que percebemos ao ler o texto De boca a Barlavento, de Gabriel Mariano.
Não chega a ser concretista, porém, a força das palavras lapidadas transparece em imagens acústicas de magnitude excepcional.
Observe o uso dos demonstrativos:
Esta
a minha mão de milho & marulho
Este
o sol a gema e não
o esboroar do osso na bigorna
Como se o poeta estendesse a mão (que compõe, que constrói – o verso e o alimento) ao leitor.
Percebemos também a estrutura paralelística que, além de ritmar a poesia, aproxima a mão do sol e este, do sangue, que simboliza a vida (esta/este/esta mão de semear), além de enfatizar a função deste verbo, ajudando na progressão do texto ao criar uma unidade sintagmática distinta que, por sua vez, joga as imagens em blocos dentro do texto.
Estruturalmente, o poema pode ser dividido em duas partes: o canto das dificuldades, do fim da carne (e embora o deserto abocanhe a minha carne de homem e caranguejos devorem esta mão de semear) e o canto do andarilho (de comarca em comarca), separados pelo gotejar do sangue que liga as duas idéias, em uma espécie de transfiguração.
Este aspecto merece destaque. O vocábulo, goteja, graficamente disposto a nos dar a impressão de uma gota caindo, sublima a poesia ao onírico: é a transcendência das palavras poéticas à arte; da carne consumida à poesia eternizada; o que era “carne de homem” passa a ser som, dentro das violas, passa a ser conhecido, veiculado, poético (Que arrastam as vogais e os ditongos para dentro das violas).
De boca a Barlavento
I
Esta
a minha mão de milho e marulho
Este
o sol a gema e não
o esboroar do osso de bigorna
E embora
O deserto abocanhe a minha carne de homem
E caranguejos devorem
esta mão de semear
Há sempre
Pela artéria do meu sangue que
g
o
t
e
j
a
De comarca em comarca
A árvore e o arbusto
que arrastam
As vogais e os ditongos
para dentro das violas.
(Gabriel Mariano)
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