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Discursos-->Papo para um sábado chuvoso -- 08/12/2001 - 19:16 (José Pedro Antunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A consciência cada vez mais aguda e dolorosa das próprias lacunas e imperfeições, bem como das lacunas e imperfeições de todas as outras pessoas ao redor. Será esse o significado da expressão "experiência de vida"?

Já se disse, acho que foi o Pedro Nava, que a "experiência" é um como um farol iluminando sempre para trás.

Qualquer um dos alunos da graduação tem mais certezas do que todo o corpo docente da faculdade. É um fato. E mais entusiasmo pela vida também. Meras reações químicas?

Como são pungentes os discursos de final de gestão. Como se comovem com a experiência adquirida ao longo de um mandato aqueles que se despedem de um cargo! Eles sempre aprenderam muito, cresceram bastante mesmo no exercício de sua "missão". Sim, "missão". Alguma opinião em contrário? Podem dizer à vontade. Mas façam-no à boca pequena. Rir? Somente à socapa ou à sorrelfa.

Os finais de ano, com as festas natalinas e o Ano Novo, são sobremaneira propícios a demonstrações de humanidade. Há quem se deixe contaminar pelos harpejos natalinos sem desconfiar de nada. Feliz Natal! Feliz Ano Novo! Boas férias coletivas, nobres colegas!

Pode uma universidade que se preze decretar férias coletivas como se fosse uma metalúrgica? Pode? Sim, pode. A nossa Faculdade de Ciências e Letras da Unesp em Araraquara acaba de decretar férias coletivas nos primeiros dezoito dias de janeiro próximo. Nas indústrias, a medida sempre visa a uma diminuição no ritmo da produção. O nosso caso, é evidente, em nada a isso se assemelha. Então? De qualquer modo, terei de ir produzir noutra freguesia. Com isso, já vou antecipando um meu futuro, um nosso futuro mais do que certo.

Todo um alegre comboio de docentes encaminhados à Feira do Livro de Guadalajara. E a Unidade não dispõe de duzentos reais para produzir um evento cultural significativo como Oxounosso, um show universitário que eu coordeno com casa lotada há dez anos, e com enorme repercussão na cidade. Foi preciso que eu, o coordenador do evento, desembolsasse a metade dessa quantia. A outra metade ficou por conta da Livraria Machado de Assis (Araraquara), à guisa de apoio cultural.

A Uniara (Universidade de Araraquara), próspera instituição de ensino universitário particular, acaba de adquirir um imenso terreno que fica exatamente ao lado do Unesp, entre as rodovias Araraquara-Jaú e a Rodovia Washington Luis. Se se apressarem na ereção e instalação do novo campus, ainda teremos alguns poucos anos de, espero, muito boa vizinhança. Depois, é bem provável que nos engulam, que nos anexem, que nos encampem, como a Unesp veio fazendo esses anos todos pelo interior do Estado de São Paulo em fora, enquanto isso compensava qualquer arbitrariedade e desmando. O ministro já disse muito claramente: mais quatro ou cinco anos. Depois, acabou-se o mamãe eu quero mamar nas tetas do Estado.

Pasmem: a Unesp acaba de criar mais dois campi. A notícia me foi repassada por alguém que não conseguia se lembrar onde. Causa-me espécie que até agora ainda não nos tenham comunicado nada!

O que fazer quando os cargos de comando já não encontram vocacionados que os assumam? Em outras palavras: quando um empreendimento já não compensa?

A vida universitária hoje se pauta sobre mecanismos tão elementares de sobrevivência pura e simplesmente material, que em coisa de uma semana ou duas o aluno já os terá dominado à maravilha. Não é preciso muito para alguém se tornar corporativo, não é mesmo? Não é preciso muito tempo para se saber que as coisas são e não são para valer. E que há uma guerra em curso: Professor X Aluno (e vice-versa).

Mas não sabem disso tudo os alunos da ala dita engajada. Belicosos, alguns nos recebem, a nós que somos professores, com as unhas à mostra. Não podemos ser amigos ou aliados. Impossível. Somos, nós os professores, apenas pessoas que outra coisa não fazem que mamar nas tetas do Estado... (Bem, o presidente da República acaba de emitir uma frase definitiva sobre essa nossa categoria abominável!)

Para combater o trote violento, organiza-se uma espécie de lavagem cerebral curta e grossa na Semana do Bixo. A ala engajada dos alunos ainda acredita que os conteúdos é que contam. Forma? Pra quê? E tome palestra, mesa-redonda, debate e etc. Charme? Nem pensar. Um verdadeiro massacre. O que conta são os conteúdos. Literalmente: despejam a lavagem toda para dentro de tenros recipientes, novinhos em folha, esse mimo que são os calouros. Digamos que eles estejam hoje consideravelmente a salvo da violência física. Resta cuidar para que não sofram violência intelectual e psíquica acima do suportável.

É tão longa e dispendiosa a preparação de uma formatura, que eu me pergunto: como reprovar ainda alguma aluna ou aluno [atentem para o meu tom politicamente correto!], depois de tudo o que já investiu, financeira e emocionalmente, nessa pantomima macabra? Não é raro, logo no segundo aninho, alguém vir avisar que não vai poder assistir uma determinada aula porque vai participar da reunião da Comissão de Formatura. Pode?

- Em quatro anos eu vou saber falar o alemão?
- Depende do que você tem a dizer...

Espero continuar fazendo por não merecer determinadas coisas: ser paraninfo ou homenageado nessas cerimônias trash. As becas costumam ser alugadas, a peso de ouro, em São Paulo. Suponho que haja boas casas do ramo. É o grande momento dos fotógrafos, videomakers, dos corais, das orquestras, de tudo o que é oficialesco e emblemático. Meus sais minerais!

"Aquilo que antes era um belo conteúdo de vida, hoje não passa de uma forma de vida".
(Peter Handke)

"... hoje não passa de um meio de vida", resmunga a minha colher torta.

Exceção feita às festas comunitárias de final de ano, que já fazem anunciar pelas listas de adesão e por sorrisos amarelos de paz na terra aos homens de boa vontade, daqui até 18 de janeiro o monumento estruturalista (Faculdade de Ciências e Letras em Araraquara) estará às moscas (mosquitinho porva, como dizem por esse interior afora) e às águas.

Há coisa de um ano, foram duas enchentes nos anfiteatros acarpetados que ficam no subsolo, mais precisamente, nos porões da ditadura. Já reservei o meu camarote para ver como a chuva vai se comportar desta feita. Se ela vai mesmo respeitar a "curva de nível" (atentem para o termo técnico preciso) que os engenheiros da Reitoria vieram abrir no gramado defronte ao prédio da Letras. Não se sabe se terão avisado a tempo a natureza.

Consta que, quando da última enchente, o problema foi que a chuva todinha caiu praticamente só em cima da faculdade. Imaginei uma charge, com um imenso funil a ocupar toda a extensão da abóbada celeste.

O laboratório de idiomas foi inaugurado a tempo, digo, depois de um bom tempo, digo, antes do mau tempo. A inauguração foi melada por uma horda barulhenta de alunos inconformados com o estado de coisas atual. Ah, comeram todos os salgadinhos que eram para o coquetel. O ex-reitor teve de escafeder-se, antes que o bicho pegasse de vez. Dali a alguns dias, o laboratório fez água. E assim continua até hoje. Com uma vocação irrefreável para ser aquário. Os equipamentos, de antiquíssima geração, só no porto de Santos ficaram esperando coisa de três anos. É o que se diz. É o que se ouve. É o que se nega. Para mim é lucro. Um laboratório de idiomas se inclui entre os mistérios insondáveis do mundo das letras. Qual a sua verdadeira utilidade? A única que conheço bem é meramente retórica. É preciso poder dizer: Temos um laboratório de idiomas.

Um novo shopping na cidade (é o Quércia investindo alto na Embraer que ainda não chegou direito!), com quatro salas de cinema. Aumentam as opções de lazer, certo? Não, erradíssimo. Você só vai escolher, na verdade, em qual dos quatro cinemas da cidade você vai ver "Harry Potter". De seis salas (uma mixaria!), quatro estão exibindo o fenômeno. Uma outra também optou por um best-seller: "O Xangô de Baker Street". Ainda não fui ver de medo de ter de amargar um "fundo da caneca" como ao final do Programa do Jô.

Em vez de acumular experiência de vida, seguir experimentando as novidades, descobrindo coisas, palavras, pessoas, gestos, sentimentos novos: milagres que ainda não estamos vendo.


Os professores, em sua maior parte, têm idade para ser pais ou mesmo avós dos alunos. Mas isso não tem nada a ver. Não vem ao caso. Não nos convém. É triste. É patético. É ridículo. Parem com isso. Ter feito 68, clama a grafitagem de portas e paredes de banheiro, é nunca ter feito 69.

O nome do jogo: campo minado.

Só mais um pensamento (de um colega dos tempos de colégio): "Se pé gastasse, pobre andava no toco."

Um colega lingüista, o Gilvan Müller de Oliveira, hoje trabalhando no Brasil todo com a política lingüística indigenista, me contava sobre as aulas que ministra para grupos de índios que chegam em canoas e se reúnem ao redor de uma única lâmpada acesa no anoitecer entre vários rios e idiomas. Ele fala em português e espera que a sua fala seja traduzida, aos poucos, por monitores, a cada um dos dezenove grupos lingüísticos ali reunidos. Terminada a aula, os alunos índios não arredam o pé daquele lugar enquanto não se esgotar a carga da bateria que mantém aquela única lâmpada acesa. E me contava isso para lamentar que hoje vivamos a lastimar não termos mais as condições ideias para sermos uma universidade. Tudo é motivo para deserções e debandadas. Sem as condições materiais ideais já não se faz mais nada. Quem sempre ganhou em cima disso tudo, não se aperta. Já estão todos de novo instalados: agora, nas universidade particulares. Missão: ensinar o caminho das pedras até a grana que financia a pesquisa. Quantos tentam hoje, inutilmente, tapar o sol sem a peneira. Convenhamos, fica muito difícil. O Gilvan, como eu, lamentava não tanto o desaparecimento das condições materiais necessárias ao bom funcionamento das universidades públicas e gratuitas, mas, sobretudo, a perda do entusiasmo que a todos nos acometeu em graus variados.

Outro dia sugeri que o que nos falta não é grana, é entusiasmo pela causa, por alguma causa que seja. Reação irada de todos os colegas presentes: "Nunca houve tanto entusiasmo, nunca houve tanta produção por parte do corpo docente." Ia sugerir que consultassem o corpo discente, mas achei melhor poupar esse meu último jato de saliva venenosa. Um dia eles saberão. E será tarde. Ai de nós!
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