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Contos-->COALHADA -- 30/07/2002 - 23:26 (Nelson Ricardo Cândido dos Santos) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O professor Luiz é um jovem de aproximadamente trinta anos que, apesar de morar em São Paulo, leva, na medida do possível, uma vida pacata e regrada. Solteiro, divide seu tempo entre a escola, onde dá aulas de Português, e seu apartamento em Santa Cecília. Se quem o conhece de vista e sabe que ele é professor de uma escola pública pode julgar inverossímil ele ter um apartamento próprio, ainda por cima dando apenas um período de aulas. Acontece que, por uma fatalidade consoladora do destino, ele herdou dois imóveis com a morte dos pais — o apartamento em que mora na rua Lopes de Oliveira e uma pequena loja na avenida São João —; daí poder-se dar ao luxo de lecionar numa escola estadual de manhã e passar o resto do dia livre para o que bem quiser.
Não é demais lembrar que, como todo solteirão, é a todo instante abordado pelos amigos e parentes inconformados com seu estado civil, querendo saber quando arranjará uma namorada e casará, toda uma relação a dois condensada em menos de um minuto. Mudando de assunto ou respondendo em tom de brincadeira, o professor Luiz continua sua carreira de celibatário.
O que eu quero, em verdade, contando esta historia, é mostrar como as pessoas, metendo a própria colher na panela dos outros pode azedar o angu. Por outro lado, é sabido que às vezes o talhar pode transformar o leite numa gostosa coalhada.
Voltando à nossa historia, numa determinada noite, um amigo do professor, também solteiro, foi a seu apartamento e tanto insistiu que o professor Luiz não teve outra alternativa a não ser acompanhá-lo a uma casa noturna freqüentada exclusivamente por homens, localizada na rua da Consolação, quase em frente à avenida Paulista. Quem conhece, entende. Como a noite estava quente e dentro estava barulhento e abafado demais, os amigos, como tantos outros homens que ali estavam, resolveram ficar conversando na calçada.
Se o professor Luiz tivesse continuado em casa, se o seu amigo não o tivesse forçado a sair, se ambos não tivessem ido a essa casa noturna, se a noite não estivesse quente, se dentro da boate não estivesse abafado e barulhento demais, se eles não tivessem resolvido ficar na calçada conversando — se apenas isso não tivesse acontecido, ele não teria sido visto por um outro professor da escola em que lecionava e sua vida continuaria como sempre fora.
No entanto, o professor Luiz não ficou em casa, saiu, foi àquela casa noturna, a noite estava quente, dentro da boate estava abafado e barulhento, ele ficou na calçada conversando com o amigo e foi visto pelo professor de Inglês.
Antes de continuar, vale esclarecer que este professor de Inglês é uma das personagens mais, digamos, “simpáticas” da escola e tem o incrível poder de dissipar os grupos em que aparece e de lembrar às pessoas que sempre há alguma coisa importante a se fazer naquele instante. Comenta-se que o seu complexo de superioridade deve-se ao fato de ele conhecer profundamente uma língua de Primeiro Mundo, o que o põe acima de seus colegas que, quando muito, engasgam com a última flor do Lácio inculta e bela — e esse professor ao citar Bilac faz questão de frisar o “inculta”.
Naturalmente, sendo o que é, o dito professor de Inglês não perdeu tempo em espalhar na escola a noticia a respeito da — como eu poderia dizer para não chocar algum possível leitor de alma mais delicada — descoberta da real razão do estado civil do professor Luiz. E como, na nossa sociedade, em geral gosta-se de respeitar a vida privada do próximo, encontraram na privado do professor Luiz mais fezes do que de fato havia e em pouco tempo espalharam-nas por toda a escola. Logo ao chegar no prédio, o professor Luiz sentiu um cheiro diferente no ar e não precisou dar mais que um passo dentro da escola para chegar-lhe aos ouvidos o que já todos sabiam.
Discreto e um tanto quanto tímido como era, o professor Luiz não retrucou qualquer comentário maldoso que a ele dirigiam e procurou ignorar o que se passava, dando suas aulas normalmente, apesar de todo o constrangimento que sentia. Essa atitude jogou um pouco de água fria nos ânimos exaltados de seus colegas tão preocupados com as questões filosóficas da vida, mas água fria na pedra quente esfria a pedra e esquenta a água, e o resultado do equilíbrio é uma temperatura morna. Esta foi a professora de Geografia, que há muito arrastava uma asinha para os lados do professor Luiz, sem que ele jamais a pusesse na gaiola. A situação atual de certa forma acariciava o ego da moçoila, pois confirmava que o problema não estava no passarinho, mas no caçador, que no fundo era a caça.
Findas as aulas, essa professora foi ter com o nosso pobre professor de Português para dar-lhe, segundo disse, uma palavra de amiga. No final de breve conversa, ela lhe disse:
— De qualquer forma, Luiz, foi uma surpresa para mim, pois eu pensei que você jogasse no meu time.
Sentindo uma ponta de maldade e de ironia no tom de voz da colega, ele lhe respondeu também com ironia.
— Ai é que está: o problema todo é porque eu realmente jogo no seu time.
Resumindo uma parte do que se segue nesta historia, o professor Luiz, cansado da opressão da cidade grande, resolveu mudar-se para uma tranqüila cidade do interior, discreta e pacata como ele próprio, e onde ninguém o conhecia.
O professor Luiz mudou-se para Santo Ildefonso da Serra.


Segundo os mais apaixonados moradores de Santo Ildefonso da Serra, a cidade está crescendo de vento em popa. Há quase um século atrás, ela possuía apenas quatro ruas que circundavam a igreja matriz dedicada ao padroeiro da cidade. Hoje, já são quase vinte ruas, catorze delas já asfaltadas, todas com água, esgoto e luz elétrica. Ao ouvir estes comentários, o professor Luiz pensou lá consigo que até pode ser que a cidade esteja crescendo de vento em popa, mas que ainda bate muito vento na proa, não resta a menor dúvida. No entanto, ela era ideal para o tipo de vida que ele queria levar.
Devido ao grande número de habitantes, a escola funcionava apenas no período da manhã e, por falta de outros professores, o professor Luiz viu-se obrigado a lecionar outras disciplinas além de Português.
Novo cidadão da cidade, “doutor” formado na capital, agora o único professor local, jovem solteiro e, dizem, bem de vida, o professor Luiz passou a ser considerado o melhor partido de Santo Ildefonso. E começaram as já tão conhecidas abordagens a respeito de seu estado civil, os convites para jantar em casas onde, inevitavelmente, haviam moças casadouras, enfim, nada do sossego que pretendia. Como eu disse anteriormente, as pessoas adoram colocar a própria colher no angu dos outros e o angu do professor Luiz parecia muito apetitoso aos olhos de toda Santo Ildefonso, faltando apenas um temperinho feminino. Por essa razão, o professor Luiz foi convidado para jantar também na casa do farmacêutico, que desejava dar-lhe as boas vindas à cidade e, aproveitando a ocasião, apresentar-lhe a filha de dezenove anos.

Contrafeito, mas tentando mostrar-se simpático, lá se foi o professor Luiz para o jantar. Quase arrependido de haver-se mudado para lá, pensava, entretanto, que aquela maratona de jantares com intenções outras além das boas vindas em breve terminaria e a tranqüilidade enfim reinaria.
Para sua surpresa, o que prometia ser um jantar enfadonho transformou-se numa das mais agradáveis noites que o nosso professor teria experimentado nos últimos tempos, tanto em Santo Ildefonso como em São Paulo.
Acontece que, além da filha pretendente a noiva, o farmacêutico tinha também um rapaz de seus dezoito anos, agradável em todos os sentidos e que, simpatizando-se com a ilustre visita, monopolizou-o por toda a noite. A moça esteve todo o tempo entre os dois jovens, participando da entusiástica conversa sempre que lhe era possível com alguns monossílabos e outros tantos sorrisos de concordância. Já quase meia noite, o professor Luiz atentou para o horário ao ouvir o ronco da mocinha entreposta entre o irmão e ele.
Ao comentário dos pais que afirmaram terem gostado demais do convidado, o rapazinho se pronunciou, todo sorriso:
— Eu também gostei muito dele!
Não preciso dizer que a filha do farmacêutico, assim como o próprio, não alimentou esperanças de conquistar o coração do professor. Este passou a freqüentar assiduamente a casa da família e quando soube que o rapaz estava tendo algumas dificuldades com a gramática na escola da cidade vizinha, prontificou-se imediatamente a dar-lhe aulas particulares, sem cobrar um centavo sequer, fato que aumentou ainda mais o conceito do professor naquela família, Já íntimo, o farmacêutico brincava de vez em quando com o novo amigo que este agora era também um filho e que entrara para a família não da maneira como havia previsto.
O ano foi-se passando, as aulas particulares continuaram e mais três ou quatro jovens — homens e mulheres — apresentaram-se para também terem aulas. O engraçado é que todos os alunos desse pequeno grupo conseguiram se recuperar na escola à exceção do filho do farmacêutico que, ao contrário, até apresentou mais dificuldades, o que o obrigou a intensificar o número de aulas, o que os pais, fingindo preocupação com a tomada excessiva do tempo do professor, viam com grande satisfação.
Se vivendo-se numa grande cidade já é difícil suportar o falatório do povo, imagine numa cidade como Santo Ildefonso da Serra. Assim, antes que qualquer comentário maldoso pudesse surgir e acabar com a reputação do eminente professor, ele voltou para São Paulo. Os amigos que o professor ali fizera, ficaram inconformados com essa decisão tão súbita. Mas nada foi capaz de dissuadi-lo dessa idéia; ao final do ano letivo, cá estava de volta à nossa cidade o professor Luiz.
Um mês após sua partida de Santo Ildefonso, o filho do farmacêutico comunicou ao pai que gostaria de mudar-se para São Paulo, pois não encontrava em sua cidade nenhuma perspectiva de trabalho. Como é praxe entre os jovens do interior sair de suas cidades para outra maior ao terminarem o segundo grau, o farmacêutico já esperava por isso e consentiu, porém, com dor no coração. O que o tranqüilizou foi lembrar-se que o amigo, professor Luiz, havia-se posto ao inteiro dispor do farmacêutico e de sua família, quando fossem a São Paulo. Por essa razão, partiu do pai a iniciativa de pedir ao filho para procurá-lo.
— Fique sossegado, meu pai. Pode ter a certeza de que a primeira coisa que farei ao chegar a São Paulo é procurar o professor Luiz.


Queridos pais,

São Paulo é realmente uma cidade incrível. Há aqui tudo o que se pensa encontrar no mundo. Estou adorando tudo o que tenho conhecido.
Está difícil encontrar emprego, mas não estou muito preocupado com isso, porque eu coloquei o dinheiro que trouxe comigo numa caderneta de poupança e não estou tendo muitos gastos, já que o nosso amigo, professor Luiz, convidou-me para morar em seu apartamento a fim de não gastar o dinheiro com aluguel. Não é uma ótima notícia?
Como ele só dá aulas de manhã, temos a tarde toda livre e, assim, ele continua a me dar aulas particulares, como quando estávamos aí em Santo Ildefonso.
Um beijo a todos de

Seu filho
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