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Cronicas-->Meu Primeiro Ódio -- 01/06/2002 - 13:25 (José Roberto Pereira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O nome dela era Patricia Lumari.
Tinha o mesmo tamanho que eu. Se bem que todos temos o mesmo tamanho nas lembranças.

Da Patrícia eu gostava. Não sei bem como, mas eu gostava dela.
Pra caramba.
Bem burrinho, bem moleque, gostando dela mais do que borracha perfumada, mais do que carrinho de ferro, indinho, forte apache ou nave dos Thunderbirds.

Eu não sabia, e até hoje sérias dúvidas, sobre o que eu sentia por ela. Hoje posso dizer com a sabedoria limitada e sem articulação dos meus quase 40 anos, que gostava dela. Contudo, na época, eu nem fazia idéia do que era gostar, só queria ficar olhando pra ela o tempo todo.

Ali na rua Humaitá, na Bela Vista, tem um prédio pequeno de apartamentos. Três andares, só. Uma porta de metal verde com um micro-jardim sem plantas, só de terra seca, à direita de quem entra. As janelas do quarto que dá pra rua são laranjas, bregas, e a sala dá numa sacada. O prédio fica do lado de um estacionamento, em cima de uma quitanda.
Isso, hoje.

Nos anos 70, quando eu tinha 11 anos, não havia uma quitanda mas, sim um barzinho. Na minha lembrança, estava sempre fechado mas que puxa da lembrança um cheiro de fritura, de pastel e de fruta velha.

Naquele prédio, a Patricia morava.

Ela estudava na mesma classe que eu, o Terceiro Ano C do Colégio Municipal Celso Leite Ribeiro filho, na mesma rua. O Celso Leite fica do lado de uma creche e de uma EMEI (escola municipal de educação infantil), tudo na rua Humaitá.

Eu ia pra escola pegando o meio da rua Abolição, passando por debaixo do viaduto e seguia o trànsito e os fios de luz, até a entrada do colégio.
Eu ia todo arrumado: calça de tergal azul escuro, sapato preto, meias e camiseta brancas, mochila imitando mala sansonite, coisa boa. Resistente.

A Patrícia, vez ou outra, eu pegava saindo do prédio, atravessando a rua correndo, junto com o irmão mais velho, um monstrengo comprido que dava uns cinco de mim. Ele me lembrava coisas empilhadas.

Eu ficava olhando a batata da perna dela, as meias brancas soquete, a saia azul marinho com pregas compridas, a camiseta branca folgada, o cabelo preto de européia, o rosto montado com olhos rápidos e formas difusas, esquisitas de coisas que vão a mais de 25 anos e que vão diluíndo e sendo substituídas pela nova-verdade.
Eu lembro da Patricia só até aí, e de seu eventual laço no cabelo ou uma presilha.

E na classe, eu olhava. Eu só olhava, quando todos os rapazes diziam obscenidades. E eu gostava, e gosto, de putaria, de sacanagem. Não com a Patricia.
Lógico, eu brincava, desenhava, as vezes estudava, ria da professora, fazia bagunça, comia lanche...
E olhava pra Patricia.

Molecada é cruel na prisão da escola. Você deu chance, vira motivo de gozação.
Minha classe era diferente, a gente não zoava como zoam hoje, quando aparece alguém apaixonado. A gente ficava na manha, porque queríamos saber o que era aquela coisa.
E a Patrícia ficou esperta, sabia que eu a estava querendo. Mulher é foda, tem faro.

Desanimem, meninas.
Esqueça, rapazes.
Eu era feio e ela era bonita.
Não ia rolar namoro, a realidade não é romàntica porra nenhuma. Se pisar na hora errada, a gente carrega uma mágoa que nem corcunda carrega pecado, sempre nas costas, pro resto da vida.

O que rolou é que a Patricia ficou puta comigo.

Eu avancei um invisível cordão de isolamento que impedia os meninos de se aproximarem das meninas.

Foi numa aula vaga.
Professora faltou.
Eu acho que fiquei perto dela mais do que deveria, passei o limite invisível e nem deu tempo pra pensar: a menina soltou um relàmpago em forma de tapa na minha cara.

Sabe aquele tapão esperto, sentido, fulminante?
Certeiro?

Esse.

A classe, que estava em volta, distraída e olhando pra tudo que é lugar, caiu no mundo com o som do tapa!
A classe, os alunos, ficou entre apalermada e satisfeita; sempre gostamos quando alguém se ferra. O barulho do tabefe correu a classe e a turma da provocação veio pra cima da gente.

Patricia Lumari, a menina que eu gostava, ou não...
Acuada, nervosa, furiosa, motivada e incentivada pela bagunça e provocações, deixoui o bicho correr.
Disparou tapas, chutes e socos neste que vos escreve. E a molecada não impedem nada, não, eles ajudam a bater.

Em segundos, 30 alunos envolveram-se numa pancadaria filha da puta, comigo e com a Patrícia no meio. Um tumulto, daqueles que a gente só vê em sonho, em delírio. E rolou comigo, panos brancos e azuis indo pra lá e pra cá.

Eu, como bundão que era (e ainda sou) fui pego no tufão de porrada e apanhei sentido, imerecidamente.

Corte.

Sentados acabamos, ela e eu na diretoria, no banco de madeira pesado, esperando a dona Isabel, a diretora japonesa, nos atender.

Eu achava que meus joelhos eram a coisa mais legal para se ver e fiquei lá, olhando para eles.
Patrícia, do meu lado, fungava vez ou outra, tremendo, uma leve batedeira saíndo de seu peito.

Antes de entrar na sala da diretora...

Patricia.
Ela, que era uma menina que só tirava boas notas
Que sempre andava na linha.
Que só fazia trabalhos caprichados.

Patrícia me olhou.

Ficou ela à esquerda, a porta do banheiro atrás dela, a porta da diretora aberta e o sol entrando numa língua empoeirada e meio dourada.

O sol entrou de vez e deu uma ofuscada, mas pude ver bem, bastante bem, que no olhar daquela menina, no olho daquela menina que eu gostava...

Estava expresso, pela primeira vez em minha vida, a marca de um ódio furioso de mulher.

Patrícia iria me pegar.
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