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Artigos-->Os nomes de sentimentos e os substantivos abstratos -- 02/03/2009 - 12:27 (Mauro Bartolomeu) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
3/8/2005

Por que (não) considerar os nomes de sentimentos substantivos abstratos



A distinção entre “concreto” e “abstrato” aplicado aos substantivos constitui um dos pontos mais caóticos da gramática normativa. A definição mais didática, necessária muitas vezes para introduzir o assunto às crianças, é a de que “concreto é o que se pode pegar”, possibilitando assim a falsa conclusão de que são abstratos termos como “Deus”, “anjo”, “ar”, “Lua”, “estrela” etc. Essa não é, evidentemente, uma definição morfológica nem semântica, mas pragmática; seu foco não está no significante nem no significado, mas sim no que a Lingüística chama de referente (o ser designado pelo signo). Saber se os objetos do pensamento correspondem a seres do mundo físico (exterior) é tarefa da Filosofia, não da Lingüística. Mesmo que se negue a existência dos deuses, a palavra deus continua sendo um substantivo concreto, assim como a palavra cadeira não deixa de ser um substantivo feminino simplesmente por demonstrarmos que as cadeiras não têm sexo. Outra definição que infesta os livros didáticos é aquela segundo a qual são concretos os substantivos que nomeiam seres “que têm existência própria” enquanto os abstratos nomeariam seres “cuja existência depende de outro ser”. Novamente, uma definição puramente metafísica, que engloba certamente os sentimentos, haja vista que esses não podem existir independentemente do sujeito que os sente. Admitir uma tal definição equivale a transferir para a Filosofia a responsabilidade de “regulamentar” a norma, e estaríamos então eternamente enredados nas discussões intermináveis dos metafísicos. A maioria deles, aliás, concordaria em que todos os objetos são abstrações; alguns até ousariam afirmar que o único termo “concreto” seria “Deus”, pois é o único ser de “existência necessária”, tendo os demais apenas uma “existência contingente”… e todos os outros substantivos seriam abstratos. Mas tudo isso não passa de uma distorção grosseira da questão, pois nosso objeto de estudo é o signo, e não o referente. Pretendemos uma definição exclusivamente gramatical, que nos dê a mesma certeza que temos ao afirmar que a palavra cobra continua sendo um substantivo feminino (epiceno) independentemente do sexo do animal que nomeia.

Um passo acima dessas definições cunhadas para o público infantil, encontramos as de caráter propriamente semântico. Elas não se dirigem à forma da palavra, mas ao seu significado. Afirma Celso Cunha, por exemplo, serem os substantivos concretos aqueles que “designam os seres propriamente ditos, isto é, os nomes de pessoas, animais, vegetais, lugares e coisas” e os abstratos, os que “designam ações, estados e qualidades, considerados como seres”. Embora o fato de ambos serem descritos como designando seres (ou categorias consideradas enquanto tais) remeta ainda uma vez à Metafísica, podemos desentranhar da sua definição que o substantivo abstrato deve ser aquele derivado de verbo (“ações”) ou de adjetivo (“estados e qualidades”), o que já nos aproxima de uma definição morfológica. Mas entre os exemplos arrolados pelo renomado professor encontram-se inteligência, ira, doença, coragem e glória, que não são palavras derivadas. E será realmente apropriado considerar ira como um “estado” ou uma “qualidade” de quem está irado? O sentido primeiro de “estado”, segundo o Aurélio, é um “modo de ser ou de estar”; o de “qualidade”, “propriedade, atributo ou condição das coisas ou das pessoas capaz de distingui-las das outras e de lhes determinar a natureza”. Não nos parece que a definição da palavra ira permita que ela se enquadre em nenhuma dessas categorias. Ela nomeia um sentimento, “considerado enquanto ser”, passível de “possuir” ou de ser possuído por um sujeito, que será dito então irado, mas custa-nos admitir que ela possa ser definida como uma “propriedade” ou um “modo” do sujeito em questão. Talvez para corrigir esse deslize é que se tornou comum também definir “substantivo abstrato” como o que nomeia “ações, qualidades ou sentimentos”, havendo que observar sempre que ações e qualidades são categorias morfológicas (relacionam-se a verbos e a adjetivos, respectivamente), o mesmo não ocorrendo com sentimentos, que são normalmente representados por substantivos primitivos, como nos casos acima. Há gramáticos que chegam a condenar o uso da palavra “ciúmes”, no plural, uma vez que o substantivo abstrato não deveria se pluralizar, esquecendo-se de que, como diz o poeta, “amor no plural faz amores”. A única definição aceitável do ponto de vista estritamente morfológico, isto é, que observa não o referente ou o significado mas sim o significante, é a de substantivo abstrato como todo aquele derivado de verbo, de adjetivo ou de substantivo concreto, portanto designativo de ação ou de característica, uma vez que estes podem ser identificados pelas suas terminações, como –dade ou –idade, –ez ou –eza, ou ainda pelo morfema zero no caso dos substantivos deverbais. Em inglês teríamos as terminações –hood, –ship, –ness, –ity… Assim temos, por exemplo: derivados de adjetivos: formalidade (de formal), veracidade (de veraz), timidez (de tímido), pureza (de puro); derivados de verbo: trabalho (de trabalhar), beijo (de beijar); derivados de substantivo: personalidade (de *persona) ou aqueles que nomeiam as Idéias platônicas, como a “meseidade” da mesa ou a “cadeiridade” da cadeira, e assim por diante. A definição dos dicionários para essas palavras geralmente se inicia com a expressão “ato ou efeito de” ou “qualidade de”, o que não ocorre com os nomes de sentimentos. Continua existindo, no entanto, uma razão sintática para a inclusão dos nomes de sentimentos entre os substantivos abstratos: alguns substantivos, como os derivados de verbos transitivos, “necessitam” de complementos para terem “sentido completo”, como dizem os professores de Português, da mesma forma como ocorre com aqueles verbos. Tais complementos chamam-se, por isso, complementos nominais, por analogia aos complementos verbais (os objetos direto e indireto).

Assim como antes da Nomenclatura Gramatical Brasileira havia gramáticos que distinguiam um tipo especial de substantivo, que compartilhava de propriedades específicas dos adjetivos (como os terminados em –eiro ou em –ista, que podem ser usados como substantivo ou adjetivo) e que na NGB foi desdobrado pouco economicamente em dois vocábulos distintos (um substantivo e um adjetivo), hoje ainda se mantém implícita no conceito de substantivo abstrato a distinção de um subgênero de substantivos que necessitam de algum complemento, tal como ocorre com os verbos transitivos. Por exemplo, a palavra gosto (derivada do verbo gostar). “Quem gosta, gosta de alguma coisa”, cansamos de repetir aos alunos; essa alguma coisa é o complemento verbal, no caso um objeto indireto (porque é introduzida por uma preposição) e o verbo é, portanto, transitivo indireto. Da mesma forma, quem tem gosto, o tem por alguma coisa, e essa coisa é então o complemento nominal. Na maioria dos casos, o complemento nominal se distingue muito facilmente do adjunto adnominal: este acompanha necessariamente um substantivo, e pode ser um artigo, um adjetivo, um numeral, um pronome ou até outro substantivo, introduzido ou não por preposição. Por exemplo, na oração “acabam de chegar aqueles dois alunos estudiosos do interior” os termos em destaque são respectivamente um pronome adjetivo, um numeral adjetivo, um adjetivo e uma locução adjetiva (do interior), e todos se ligam ao substantivo alunos, sendo, portanto, adjuntos adnominais. O complemento nominal, por sua vez, pode estar ligado a um substantivo, um adjetivo ou um advérbio, sendo introduzido obrigatoriamente por preposição, como em “Fumar é prejudicial à saúde” em que o termo destacado completa o adjetivo prejudicial. O problema é quando a locução é introduzida por preposição e ao mesmo tempo completa um substantivo, caso em que facilmente se confundem o adjunto adnominal e o complemento nominal. Ora, isso só acontece quando temos substantivos de “sentido incompleto”, como os derivados de verbos transitivos ou de adjetivos… Precisamente o nosso famigerado “substantivo abstrato”.

Apesar dessa justificativa taxionômica, o conceito de “abstrato” continua sendo inútil para solucionar o problema, pois o raciocínio ensinado para distinguir adjunto e complemento é puramente semântico: caso o termo introduzido por preposição possua sentido ativo é adjunto, caso possua sentido passivo, complemento nominal. Por exemplo, entre “a construção do prédio foi demorada” e “a construção do engenheiro foi elogiada” está bastante claro que o primeiro termo é passivo (o prédio foi construído), enquanto o segundo é ativo (o engenheiro é quem constrói, ou quem é de alguma forma responsável pela construção), e por isso dizemos que temos nesses casos, respectivamente, um complemento nominal e um adjunto adnominal; porém o substantivo construção continua sendo tratado como “abstrato” nos dois períodos, e, portanto, isso em nada auxilia a classificação do termo que o acompanha. Como o mesmo tipo de construção pode ocorrer com nomes de sentimentos, essa é a única justificativa propriamente gramatical para classificá-los sob o rótulo de “abstratos”. Exemplo: “amor de mãe é eterno” e “amor à mãe é eterno”. No primeiro caso temos um adjunto adnominal (o termo mãe é semanticamente o possuidor do amor, tem, portanto, sentido ativo) e no segundo, um complemento nominal (o termo mãe é, nesse caso, objeto de amor, é amada, possuindo sentido passivo). Como já ficou dito, o substantivo amor continua sendo abstrato em ambos os casos.

Diante de tudo isso, só se pode honestamente concluir que tal classificação semântico-nocional não possui nenhuma necessidade prática nem implica nenhuma conseqüência na estrutura gramatical da Língua Portuguesa, constituindo um apêndice inteiramente descartável das nossas gramáticas normativas. Seria mais conveniente, se se julgar necessário, classificar os substantivos em transitivos e intransitivos, sendo os primeiros aqueles que podem receber complemento nominal. Caso, no entanto, se insista em classificá-los em “concretos” e “abstratos”, que se seguisse, ao menos, exclusivamente o critério morfológico.

Desta sorte, teríamos como abstratos apenas os deverbais, os derivados de adjetivos e os derivados de substantivos por acréscimo do sufixo –dade. E os nomes de sentimentos deixariam de figurar nesse família, tornando esse ponto obscuro da nossa gramática menos dúbio e mais fácil de ser ensinado.



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