Aprendeu a contar estrelas logo cedo, ainda quando a sua mãe costumava deixá-lo brincar, Ã noite, lá no chão da varanda, enquanto cerzia as roupas gastas da família. Já adulto, ainda era menino vislumbrando estrelas como se nelas houvesse o que de mágico a vida oferecia. Se algo triste acontecia, as noites eram nebulosas, mas ainda assim ele olhava o céu, imaginando o instante em que o brilho das estrelas surgiria, da mesma forma que os super-heróis sempre estavam no lugar certo e no momento exato.
Depois, tentou mostrar o que sentia ao apreciar tal beleza ao roçar as mãos geladas (por conta do nervosismo) no ombro nu da mulher que amava. Ela procurava clareza, letreiros que indicassem o caminho daquela beleza sobre a qual ele falava e que ela não conseguia ver ou entender. Então, o fitava com um sorriso amarelo e dizia o quanto queria ver... sentir, mas não conseguia. Então era melhor voltar aos feitos da terra e da carne e aproveitar o namoro antes que desse a hora de dormir e o pai dela gritasse, lá da casa do outro lado da rua, de forma tão estridente que seria impossível negar o chamado.
E ele não conseguia um outro olhar que coubesse no céu e resgatasse a beleza das estrelas de maneira tão intensa quanto a sua. Queria mesmo companhia, porque até para a apreciação à s vezes a alma pede o compartilhar. Aos poucos, as estrelas se tornaram a solidão de um homem adulto que aprendeu a trabalhar e lutar para sobreviver aos impulsos e descasos da cidade grande. Assim, ele adormeceu a inquietação que lhe causavam as estrelas e dedicou-se a levar a vida.
Sua vida seguia até que tranquilamente, porque na matemática basta somar 1 e 1 para chegar a um resultado. Mas, a falta que lhe consumia era algo arrasador, de fazer com que seu corpo não pedisse mais do que levar adiante um dia e depois o outro, vivendo aos trancos e barrancos com a realidade de quem perde o rumo.
Certo dia, chegou em casa e sua mãe estava sentada na varanda, cabelos mais brancos e pele envelhecida, mas ainda bela na sua simplicidade. Ficou de longe, observando-a cerzir, com a mesma dedicação e paciência que tanto o confortaram quando criança. A sua alma inflamou-se de tanta saudade, como se o tempo houvesse deixado que uma camada de pó se apoderasse do que havia de real valor na sua existência. Da sua pasta de advogado recém-formado, tirou logo uma folha de papel e caneta. Era noite, clara e de lua cheia... e as estrelas estavam mais elétricas do que nunca. Era preciso dizer algo e ele sabia que aquele era o momento, talvez uma última chance. Empunhou a caneta e deslizou palavras sobre o papel... "não mais esquecer que o brilho das estrelas da minha infància é o baú de todos os meus sonhos de menino e as minhas aspirações de adulto... talvez a isso eu deva chamar de viver".
Era feita a criação de um poema depois de tanto tempo alheio à sedutora inspiração.
Aproximou-se da mãe e beijou-lhe a face em agradecimento mais do que eterno... era agradecimento verdadeiro. De alguma forma, durante todos os anos da sua vida, era ela quem dividia com ele a paixão pelas estrelas, entendendo em silêncio o significado do impacto que elas causavam na criança que ainda não sabia explicar o que sentia... cerzindo velhas roupas como se estivesse emendando os sonhos que ele havia aprendido a guardar longe demais do próprio coração e que, naquele momento, lhe eram devolvidos em apenas um olhar.