----- Cada vez com mais intensidade a estupefacção me perpassa todos os sentidos em face do que de desumano vou vendo, ouvindo e lendo. Dá-me ideia que a desumanidade se tornou um acérrimo processo de sobrevivência e que não resta mais alternativa senão seguir a via sem possibilidade de inversão de marcha.
----- Este inquietante sintoma, escrevo, aguçou-se-me mais ainda desde que pontifico com regularidade na Usina. Numa proporção de cinco em um, mais ou menos, a expressão desumana campeia lídima, indiferente aos constantes apelos que a sensatez penosamente procura expor, aliciando as consciências em devaneio para o campo da harmonização.
----- Até, quem se dá à humildade das- coisas simples e vulgares, de aparência ingénua e virtuosa, é de imediato rotulado com as denominações que o baixo extrato social coloca para desmoralizar os que prezam o esmero da educação e as boas maneiras.
----- Conto-vos, em sucinto pormenor, uma rapidíssima historieta real.
----- Tive a felicidade, em menino, de ter uns pais que me vestiam e calçavam polidamente. Pois, quando me escapava de casa e me juntava à garotada, senti em breve que para estar em paz com o nível restante, tinha de descalçar-me, arregaçar as mangas e sujar-me como eles. Não queiram saber o que deveras sofri para brincar a meu gosto e enfrentar depois meus pais.
----- Será que aqui na Usina terei também de "descalçar-me" para escrever de consciência límpida, tranquíla e com aceitação geral digna?
----- Serei mesmo obrigado a sujar-me e a cheirar mal dos pés?
----- As questões só se põe porque de facto, últimamente, tenho andado muito perto do vómito e a ingenuidade alivia imenso.
----------------- Torre da Guia ------------------
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