Grandes olhos negros, simetricamente dispostos acima de um lindo narizinho arrebitado, em um rosto de delicada e frágil pele rosada, sob a moldura de contrastantes cachos loiros. Esse conjunto de uma beleza inenarrável faria sorrir qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo, tamanha era a perfeição daquelas feições. Não obstante, João não sorria, pois a tristeza daquele olhar lhe incutia uma outra reação. Fazia-o pensar no que poderia estar fazendo com que aquela criança, de uns 2 anos apenas, tivesse tamanha tristeza e melancolia no olhar.
Ele olhou então ao redor, o trem estava lotado. Desde a primeira estação já não havia mais lugares para viajar sentado, e a cada estação mais e mais gente entrava, diminuindo o espaço entre as pessoas. Até que estivessem todas encostadas umas as outras, como uma imensa e uniforme massa humana. Olhou o Rosto daquelas pessoas, eram os mesmos rostos feios, tristes, e cansados de sempre, cada um carregava um pouco do olhar daquela criança, alguns mais feios, outros mais cansados, mas nenhum deles mais alegre.
- Estação Aeroporto.
A voz metálica e rouca tirou João do seu torpor, fê-lo acordar novamente para a realidade. Estava já na sua estação e precisava descer. Porém dessa vez, ao contrário de todas as outras vezes em que andava de Metro, não estava atrasado para o trabalho ou para a faculdade. Então desceu lentamente, e enquanto o fazia, observava pela primeira vez seus companheiros de viagem, descendo aos borbotões, empurrando-se, pressionando-se, apressados, todos na mesma direção. Vistos assim de fora, pareceram a João um rebanho de gado, indo sem pensar para o mesmo brete, para o mesmo destino.
Mas dessa vez ele não era uma das rezes desse rebanho, pois já fazia alguns meses que estava no projeto e fazia essas viagens. A rotina do aeroporto já não lhe encantava, pelo contrário lhe parecia cada vez mais maçante, apesar de sempre aproveitar para colocar a leitura em dia. Era sempre a mesma coisa, um bando de políticos e seus assessores, muito mais estes do que aqueles, indo para Brasília, engravatados e parecendo serem os homens mais sérios e importantes do país.
Neste dia em particular o aeroporto estava lotado. João se perguntava o que esse domingo tinha de diferente dos outros? Porque tanta gente? Tanto tumulto? Tamanha algazarra? Porém logo João esqueceu esse detalhe, tinha outras preocupações. Havia esquecido seu bilhete ( como sempre tinha esquecido algo) e precisava re-emití-lo a tempo de fazer o Check in. E foi envolvido nessas preocupações que cruzou todo o saguão do aeroporto, em direção a loja da sua companhia aérea. Não pode então perceber a peculiaridade do dia, a presença de muitas crianças. Todas acompanhadas dos seus pais e irradiando felicidade, com suas grandes malas cheias de roupas de grife, seus cabelos muito bem tratados, e algumas com uma já proeminente arrogância, característica herdada dos seus pais, ou do seu meio. Quem sabe?
Depois de resolver seus pequenos problemas e fazer seu check in. João, já muito mais tranqüilo, foi até a sala de espera, chegando lá agradeceu a sorte por ter encontrado uma poltrona vazia para acomodar-se. Quando se preparava para escolher dentre os livros que trazia na pasta, com os quais pretendia entreter-se até o anuncio do seu embarque, uma turma formada por umas 30 crianças ou mais entrou na sala de espera. Junto com ela veio todo o alarido comum a um grupo destes. Nesse momento João percebeu o que estava acontecendo. Lembrando-se que estavam em meio a julho e as crianças estavam em férias escolares, período preferido para viagens a Disney. Ficou então por um longo tempo a olhar, maravilhado e com um largo sorriso nos lábios, para aquelas crianças. Com toda aquela alegria, que chagava mesmo a euforia, com olhos brilhando de felicidade e excitação.
Mas, mesmo tentando evitar, quando dava por si estava vendo, por trás daqueles rostos felizes, a imagem daquela criança do metro. Com toda aquela tristeza, com toda aquela melancolia, que tanto o impressionara. Principalmente por se tratar de uma criança tão nova, que parecia não ter ainda consciência de sua situação, mas que mesmo assim já era a imagem daquele mundo. Mundo que estava ali, logo ao lado, bastando para reencontrá-lo atravessar novamente a passarela que liga o aeroporto a sua estação de trem metropolitano.
Pensando nesses dois mundos e em como ultimamente ele vinha passando de um para o outro, como quem cruza a passarela indo e vindo, indeciso entre o aeroporto e a estação. E sabendo que já não pertence nem a um, nem a outro mundo João indaga-se:
E agora João? Qual é o seu mundo? Queres o mundo do aeroporto. Mas vais esquecer do metro? Do olhar daquela menina? E se não alcançardes para ti o mundo do aeroporto? Conseguirás esquecer a alegria das crianças que rumavam para a Disney? Conseguirás voltar ao metro? Conseguirás ver teus filhos no metro, sem lembrar que podiam estar indo para a Disney? |