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Contos-->HERMES E HELENA ou "Terá valido a pena?" -- 07/08/2002 - 18:20 (Walter da Silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
HERMES E HELENA
ou
“Terá valido a pena?”



Há muito tempo não o via. Tudo leva a crer que, antes, bem antes de sua relação com a fazendeira rica e autoritária. Está mais gordo, envelhecido e amargo no trato das coisas que o rodeiam. Cruzamo-nos na caminhada matinal, eu que freqüento o parque quatro vezes por semana, por absoluta falta de oportunidade. De princípio julguei que não me houvesse visto, já que nesse horário, poucos madrugam para tentar enganar a inexorável marcha do tempo sobre suas vidas. Tentei pará-lo estendendo-lhe a mão, mas ele, reduzindo a marcha, foi parando aos poucos e falou meio ofegante:
_ Na próxima.... na próxima.
Sentei-me junto ao moço do caldo de cana e, enquanto brincava com os seixos da praça, vi-o circundando a pista de “jogging” e se aproximando lentamente...
Me abraçou fortemente batendo-me as costas, como os políticos fazem habitualmente.
_ Como é camarada? O que tens feito dessa vidinha? Outro dia te vi no supermercado, mas eu já ia saindo e...
_ Rapaz... estou ficando velho sabe? Dei umas 4 voltas na pista e minha freqüência cardíaca está a mil. Porra! É o peso da idade, companheiro... o fardo...
E rimos muito porque aceitei o comentário para mim também, inclusive.
_ Hermes, fala de tua vida... e como é que é? Casou de novo? Ou continuas feito eu, banda voou, frilancer?
_ Compadre... não te conto, mas te conto. Minha experiência com a fazendeira rica vai ficar nos anais da história do Hermes Salamantino. Pode crer... Depois de uma experiência daquelas, até o São Francisco correria da parada, porra meu!
_ E a coisa foi braba assim, Hermes?
_ Vou te resumir: Vamos caminhando, enquanto te passo a história toda. Tás com pressa? Vai levar as crianças no colégio? Então, vamo lá!
Tudo começou quando o ciúme do filho com a nora, entrou de casa a dentro. Você me conhece. Sou um homem vai e volta. Vai pro escritório e volta pra casa. Mas a Helena, depois do casamento do filho único, começou a ficar reclamando de solidão, da falta que o garoto fazia. Sabe, né?, quando eu a conheci ele tinha apenas 4 anos. Criei e eduquei o menino como meu próprio filho, depois que conheci Helena. Com a ida do rapaz para a Austrália, ela, que sempre gosta de meter o bedelho na vida alheia, começou a empombar com a nora, gente de raízes acadêmicas, filha de um velho comunista da resistência, emérito professor, e a filha puxou a ele, nesse caso. Muito bem. Helena, por duas férias que passou em Sidney, atazanou tanto a vida da moça, que findou voltando pro Brasil antes, muito antes do tempo agendado. Não fui porque, como você sabe, a coisa anda difícil no Brasil de hoje, e tenho que cuidar do escritório, da concorrência, enfim, tenho que correr atrás. Daí começou o inferno. De telefonemas, gastamos num único mês, cerca de 1.200 reais, o que acho um absurdo, para uma mãe que está distante do filho, sabe que não pode detê-lo, que ele é casado e fica tratando o homem, como se ainda fosse um rapazola surfista, bem apanhado... Esse embrulho todo durou aí uns 8 meses... Quando o primeiro filho do Edgar nasceu, fomos os dois a Sidney e fiquei por lá, justamente o tempo em que Helena criou um conflito tão homérico que envolveu até a vizinhança do multiculturalismo australiano...
_ Hermes... que buruçu, hein?
_ Resumindo: voltamos para o Brasil. Helena começou um processo depressivo, emagrecendo, definhando e, quando tomei todas as providências...
_ Te interrompendo: essa história daria um bom script para telenovela... prossegue.
_ Fomos a uns 5 ou 6 neuropsiquiatras... conseguimos um pequeníssimo avanço. Com anorexia, Helena mal se sustentava nas pernas. O que foi uma mulher esbelta, corada, ficou um trapo de gente. Certo dia, ao me sentar na cadeira do meu gabinete no escritório, recebi um telefonema. Era a nossa empregada de tantos anos, chorando e quase sem poder falar.
Corri para casa e encontrei a Helena estendida no banheiro, em decúbito ventral, olhos esbugalhados, a mão ainda cheia de comprimidos. Corremos para o Hospital... era tarde demais. Morrera às 8:30 da manhã, no mesmo horário em que ela começava a rezar a oração dos desvalidos. No bilhetinho, em cima da cômoda, estava escrito com letra bem caprichada:
“ Terá valido a pena?”.



WALTER DA SILVA
Vila Velha, outubro de 1994
Extraído de “22 CONTOS DE RÉS”®
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