O RAPAZ MAIS FEIO DA CIDADE
Conto de Hilton Görresen
Podia nem ser, mas ele próprio se achava o rapaz mais feio da cidade. Verdade que a cidade era pequena, por isso a chance de encontrar outro mais feio era menor. Era daqueles que se aproveitavam da feiúra para explorar os amigos: vai lá, fala por mim, sou muito feio, vou assustar as pessoas.
Tímido, nas festas se encolhia num canto para passar despercebido. Quando olhavam para seu lado, achava que estavam caçoando dele. Vestia-se mal, tinha a cabeça grande, enorme, e os olhos esbugalhados. A consciência de sua feiúra tomara vulto, emperrando as engrenagens de todas as outras manifestações de sua personalidade. Porque se achava horrível fisicamente, achava-se também estúpido, chato, covarde...
Na última festinha, aconteceu um fato diferente: a filha do major, recém-chegada à cidade, interessou-se por ele, soube que perguntou insistentemente quem era aquele rapaz solitário no canto. Dissera assim mesmo, aquele rapaz solitário, e não aquela múmia com cara de cavalo. O inusitado é que a filha do major, de nome Valdirene, era uma tremenda gatinha, morena, de olhos verdes brejeiros, corpo que não faria feio numa capa da Playboy. Desnecessário dizer que todos os mauricinhos da city andavam eriçados.
A jovem começou a mandar-lhe bilhetes – que ele não respondia - , bilhetes que eram um convite, pelos quais qualquer um daria um braço. Quanto mais ele a ignorava, mais a jovem se dizia apaixonada. Esperava-o na porta da escola, buscando um olhar, um cumprimento. As amigas iam lhe dar recados, e ele as repelia, enxergava um risinho de deboche em cada boca, em cada olhar.
Sozinho em casa, ele fechava os olhos, sonhador: que bom seria... Mas logo, logo a carga de sua feiúra pesava nos ombros, a descrença lhe arriava os lábios grossos, ficando com as feições desoladas, como as de um palhaço triste. Só pode ser gozação. Por quê? Que foi que eu fiz? Não bastasse esta figura que Deus me deu, ainda tenho de passar por isso. A turma toda deve estar rindo de monte em cima aqui do Coisa, do monstro do pântano.
Tornou-se mais arredio, trancou-se em casa. Valdirene telefonava, aflita, ele chegou a desligar na sua cara. Sou feio mas não sou palhaço. Ouviu dizer que ela sofreu com isso, chorou na frente das amigas. Ah! Se fosse verdade. Colher com ternura aquelas lágrimas quentes, acariciar o rostinho meigo, de boca carnuda. Nessas horas, não resistia, ia pro banheiro desafogar-se do tesão, imaginando aquele corpo todo seu.
Até os amigos passaram a lhe encher o saco. Que é isto? Está ficando maluco? Se a gatinha gosta de carne de terceira, de filé de orangotango, que fazer? Isto só acontece uma vez em um milhão. Vai lá, você venceu.
Mas ele, nada. Na cabeça não entrava tamanho absurdo: a Bela e a Fera, só mesmo em historinha infantil. Estava bem, isto é, mal assim. Pra que piorar as coisas?
Até que um dia, triste dia, o major foi transferido para o nordeste e Valdirene se foi. Deixou-lhe um bilhete perfumado: vou embora sofrendo, não quiseste meu amor...Ele também sofreu com a dúvida. Com o tempo, passou a acreditar. Podia ter sido, por que não? E foi feliz, ganhou uma recordação de amor, algo de encher a vida de qualquer um.
|