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Contos-->Dor de barriga -- 09/08/2002 - 15:56 (Hilton Görresen) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
DOR DE BARRIGA
Conto de Hilton Görresen


Não posso nem ouvir falar em feijoada. Me dá enjôo, o estômago fica revirado. Problemas da infância, sabem como é.
O negócio foi assim: no tempo de escola, num colégio de freiras, quando a professora de História do Brasil explicava a invasão dos holandeses, a barriga começou a me apertar. Por que fui comer tanta feijoada no almoço? Um bago de suor começou a correr pelo rosto, a posição na carteira ficou desconfortável: não adiantava me mexer de um lado a outro, a dor continuava no mesmo lugar.
Agüentei o máximo que pude, a professora era severa, não admitia interrupções em sua aula. Mas não houve jeito, quando ela repetia, de boca cheia, o nome de Maurício de Nassau, estava eu de braço levantado: posso ir fora?
- Está bem, mas volte depressa – disse ela, não abrindo mão de seu rigoroso controle, mesmo sobre a rebeldia de meu intestino, que lá queria saber quem era Maurício de Nassau.
Levantei dignamente da carteira e me dirigi com passos controlados para fora, não querendo demonstrar como era desesperadora minha situação. Logo que atravessei a porta, passei a correr desabaladamente para o WC. Tinha aprendido recentemente esta palavra – desabaladamente – e acho que era adequada ao meu caso.
Sorte que todos estavam em aula e o pátio estava deserto. Pelo caminho já fui desapertando o cinto. Quando parei em frente ao banheiro dos meninos, sacanagem: a porta estava trancada.
Alguém já passou por essa situação? Terrível! Meu corpo estremeceu de frio e calor ao mesmo tempo. Havia somente uma saída: olhei cuidadosamente para todos os lados – ninguém! – e dirigi-me ao banheiro feminino.
Foi a salvação da pátria contra os holandeses. Canhões e metralhadoras troaram furiosamente; houve resistência, mas pouca, e os malditos inimigos caíram prostrados no campo de batalha. Depois, uma descarga d´água lavou o solo pátrio e varreu-os da face da terra.
Mas não pensem que a batalha estava vencida. Logo, logo, passos ressoaram no corredor do banheiro, portas se abriram e fecharam. Uma descarga foi acionada e o barulho parecia de uma cachoeira, despejando toneladas de água, que foram diminuindo até virar um gluglu mansinho. Esperei uns dez minutos, já preocupado com a bronca da professora. Depois, resoluto, abri a porta do close. E cai ingenuamente nas mãos do inimigo. Não se tratava de um soldadinho qualquer, era o general-em-chefe de todo o exército contrário: um grande urubu, de peito alvo, costas recurvadas, o bico longo de narinas resfolegantes e o rosto branco e balofo de quem nunca tomava sol – a própria Madre Superiora.
As freiras do colégio, salvo uma ou duas, me pareciam aves de rapina, com suas vestimentas negras, prontas a enfiar as garras recurvas nos pobres alunos. A pior, temível mesmo, era a Madre Superiora. Diante dela todos tremiam de medo, até as outras freiras se aproximavam humildemente, falando de mansinho, não sem antes dar uma curvadinha de joelho.
Antes que eu pudesse organizar a defesa, sua mão enorme grudou em minha orelha e me arrastou para fora do banheiro. Aonde a mão ia com a orelha, ia eu atrás, que não era bobo de resistir. Assim, minha orelha, esfumaçando, foi parar na salinha da diretoria.
Para me livrar da feia acusação de ter ido espiar as freiras fazerem xixi, tive de dar humilhantes explicações sobre o estado de meus intestinos, a começar pela morte do porco para fazer a maldita feijoada.
Era um porco preto e tinhoso que meu tio havia recebido de presente e criou como se fosse um filho, pois meu tio era solteiro e não tinha filhos. Até que os vizinhos reclamaram das porcarias do porco – e realmente podia-se dizer, sem ser figura de linguagem, que a casa de meu tio era um chiqueiro. Então, desolado, resolveu passar o coitado na faca. O turco Chafic, que era especializado em matar bodes e cabritos, foi quem praticou o ato de misericórdia. Daí, retirou todos os miúdos, cortou o rabinho, os pés, as orelhas, e o tio cedeu tudo para minha mãe, que justamente nesse fatídico dia tinha feito uma bela feijoada.
A Madre tinha reunido um conselho de freiras que ouviam com reprovação o meu relato. Não sei se acreditaram na história do porco, mas juro que é verdade.
Quando cheguei ao xis da questão, ou seja, que se não tivesse corrido desabaladamente (olhem essa palavra novamente!) para o banheiro feminino, me borrava todo na calça, umas freiras ficaram vermelhas, outras, brancas, a Madre Superiora ficou roxa. Irmã Dentucinha, assim conhecida pelos alunos por motivos óbvios, sugeriu chamar meus pais ao colégio; a irmã da horta queria suspensão por um mês. Resolveram finalmente me baixar três pontos em História do Brasil. Vai ver, acharam que não foi uma cagada patriótica!
Agora me digam: não foi realmente um trauma pesadíssimo para um garoto? E não é justo que atualmente o estômago se me revire em cólicas e enjôos ao ouvir falar na tal de feijoada?
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