Quero ser feliz, mas para isto é preciso e é fundamental que eu seja livre e autônomo
RODOLFO GALVÃO DE OLIVEIRA
1º movimento
intróito
Nas costas batia o chicote
Do negro no tronco reto
Firme a madeira – carne desfacelada
Do homem feito escravo pelo homem
Portugal de D. Denis e D. Henrique
De Luís de Camões e Gil Vicente
Desde que aqui na terra chegou
Trouxe escravo e levou riqueza
Pregou sua bandeira branca de cruz vermelha
Cruz aos homens livres e verdadeiros
E o branco aos nobres e senhores
Deixou fincada no solo a bandeira
E levou as árvores do litoral
Era a tinta vermelha necessária
Para tingir o rosto de uma raça de longe trazida
A
Ó peito ilustre lusitano
Vindo dos celtas, gregos, romanos,
Árabes, visigodos e tantos
Fez do escravo sua riqueza
E nem ao feudalismo conheceu
A não ser o feudo de Lusitânia
A Afonso-Henriques doado por presa de guerra
Ó peito ilustre lusitano
Já cem anos habita aqui
Cem anos trazendo o negro
De outras terras suas, Congo, Angola e Moçambique
Mas nem todos se curvaram
Ao seu grilhão estabelecido
Pelo Apóstolo Anchieta esquecido
Pelo Nóbrega como Anchieta no índio pondo
As cadeias da escravidão
É nem todos aceitavam e muitos fugiam
E grupos formavam para lutar
A terra do açúcar até Bahia
Enfim toda capitania
No seu interior foram os negros
Por mulatos, brancos, cafuzos e índios seguidos
Fundarem uma nova terra
B
Portugal perdeu sua soberania
Para a Espanha
A Holanda contra Espanha lutava
E no litoral veio parar
As cidades e as aldeias
Que faziam Palmares
Como Macaco, Una
Osenga, Subupira,
Amaro e Ipojucã
Quase molestadas não foram
Era outra guerra que havia
E enquanto aqui Holanda esteve
Em sua guerra contra Espanha
E depois Portugal
Houve menos luta contra Palmares
A trégua houve
mas não houve paz
A confusão em meu pensamento
É grande e por demais desconfiável
A memória é ótima quando quero
Mesmo a não querendo quase sempre
Eu sou não pelo que penso
Mas por tudo que faço
Eu sou não porque penso
Mas por amor à liberdade
Eu existo não porque sou
Mas pelo que eu sei
Eu existo não pelo que sou
Mas porque amo a liberdade
A trégua houve
Mas não houve paz
De todos os ferimentos que tive
Cicatriz alguma ficou
Não me é dado tempo nenhum
Por eu viver a vida
Cheio de garra e gana
De chegar vitorioso sempre
Mesmo que eu fique no caminho
Eu sei que continuo ainda
Que doa o quanto doer a vida
C
Cálido o vento tido em verão
Garras nos galhos secos
Soprados por ele no inverno
Durante fogo e viração
Árvores nuas, altaneiras, esperando primavera
Que lhe cobrirá o corpo de folhas verdes
Os arbustos trêmulos ao vento
Sem flor alguma
O céu limpo limpo de nuvens passarela do sol
Secando a vida sem água alguma
Algum urubu voando à procura
Do novo cadáver que surgir no chão
Outros pássaros não existe algum
Os animais desapareceram todos
Fugindo em busca de água e sombra
Que por aqui não há quase
A terra seca, rachada, em poeira coberta
Reclama mesmo sendo que chegue saraiva
Neste inverno de vento cálido
Pelas chamas que consomem o restou de vivo
2º movimento
intróito
E Portugal brigava com Holanda
Brigava em Pernambuco e Angola
Era a Europa com suas guerras
Atingindo outros continentes
Mas de Palmares essa guerra não era dele
Era de reis e déspotas esclarecidos
Que maltratavam qualquer povo nativo
O nordeste sulamericano continuou palco de luta
Agora era cruz da Igreja Romana
Lutando contra a Bíblia de Lutero
Era novamente um povo latino
Com sua religião oficial
Em luta contra os vickings
A
Já passava a segunda metade
Do século dezesseis das navegações
Quando a terra de Gil Vicente
Virou terra de herdeiros de El Cid
Família espanholas a cá vieram
No reino espanhol espalhado
Pelas Américas, Áfricas e Ásias
Antes com Portugal repartido
Vinham sonhando com povo novo
Em terras novas novo pensamento
Em vez de Incas assassinados
Ou dizimados Astecas e Maias no México
Sonham com a liberdade
Que não havia
Sonhavam, com o direito do homem
Usurpados por reis e sacerdotes
Mas chegavam à terra brasileira
Já em guerra com os holandeses
E estes atrás dos espanhóis
Desembarcaram no Pernambuco
Na terra que era dos livres
Veio Nassau e sua sabedoria
Trazendo estátuas para o Recife
Escravizando tanto ou mais
Que espanhóis e portugueses nobres
Caminho outro não havia
Senão o sertão
Que era a terra dos livres
Os portugueses chamavam
De quilombos
Terra de bandidos
Foras da lei e foragidos
E eram bandidos fora da lei
Matavam feitor
E senhor de engenho
Daquela estrutura colonial
Que roubavam e sugavam
O sangue virgem do Novo Mundo conquistado
B
Fizeram sua República
No tempo do Rei de Espanha
No tempo do Rei de Holanda
No tempo do Rei de Portugal
Era nessa terra boa linda gostosa
Mesmo sendo árida e caatinga
A horta era de todos
O mel era de todos
E todo mundo tinha casa
Todo mundo escolhia o seu comandante
Que não tinha marca de Calvino
De Lutero de Loyola
Não tinha a marca da cruz
Apesar de cristã
Eram cristãos não submissos
A poder algum temporal
De qualquer religião ou seita
C
E nessa terra morou Calabar
Maldito na boca da aristocracia portuguesa
Herói naquela República
Onde morava
Se Portugal e Holanda
Agora sem Espanha
Lutavam
A guerra não era de Palmares
Não era de Domingos Fernandez Calabar
Que reis matassem reis, se é que se matam
Que nobres matassem nobres
Mas a sua terra Palmares
Era a terra livre
Que lutava contra todos
Porque buscava justiça
Mas não lutava ao lado
De Espanha alguma
Portugal algum
Ou Holanda que fosse
E para isso Calabar
Taxado de traidor
Mas Jesus o foi
Marcado de infiel
Joana D’Arc o foi
E como esses em Porto Calvo
Esquartejado foi
Mas Palmares ficou
E ficou ainda mais forte
Para continuar a luta
E sobreviver
3º movimento
intróito
Naquelas cidades
Havia paz
No terreiro crianças brincando
No eito homens e mulheres
Eram cidades felizes
Havia Canto trabalho
Do homem negro
Do homem branco
Do homem índio
E disso tudo
Havia o canto e o trabalho
Do homem mestiço
Mas o branco o negro
O índio e o mestiço
Eram homens livres
Se machucadura houvesse
A guassatonga curava
O peito doente
Com angico-resina ficava sadio
A medicina era vegetal
Não tinha que furar veia
Para fazer cura
O menino doente
De verme na barriga
Um pouco de quina na carqueja
Misturados na Ipecacuanha
Expulsos eram
B
a
Se da inércia que embriaga
Em festins de gala refulgente
Sai o vício pelos outros antros
Cambaleia e tomba o corpo cansado
Corroeram-se das civilizações passadas
O poderio e glória resplandecente
Arrasando a esperança e o poderio
Que se transformaram em sofrimento
Que sobrou de Roma em sua grandeza
De seus patrícios e neros ordenando
Bacantes noites jogadas no esquecimento
Destruindo a sabedoria e a inspiração
E deste exemplo o presente não percebe
O seu caminho de calvário esturrecido
Que se fora do caráter aproveitado
Não se gastaria a noite em jogatinas
Do jogo de azar que já existe
Curtem-se drogas inventadas
Para salvarem doentes irremediáveis
Mas da intenção foram invertidas
Dos sadios os torna debilitados
De mente poluída e afogada
Em sonhos vãos não aproveitados
Por homens criminosos que o incentivam
b
e quem amanhece em hora cedo
com seu almoço saindo para produzir
Muito recebe por sua obrigação
E tem recurso para seu filho doente
Horas passadas com suor no rosto
Ardendo os olhos à luz do sol
Perde seu físico em luta diária
Este não morre nunca – é herói
Quantas horas passadas em oração
De martelos e enxadas sacudidos
Esperando forte o fim do dia
Hora em que completa a sua prece
E o seu altar em sagrada família
Da mesa posta sem haver banquetes
Há de existir a santa ceia toda tarde
Porque à noite é preciso descansar
Mas mesmo destes homens grandes
Perdidos pelo tempo e pelo espaço
Sobrevivem-se sacerdotes tantos
Saboreando o vinho da caridade
Que mesmo valendo a eternidade
Prometendo a paz eterna pelo infinito
Vai aos poucos com vagar roubando
Tudo que pode confortar um lar
Mas não importa nada
Expulsaremos todos eles para sempre
E em nossa terra continuaremos
Pela vida toda trabalhando
4º movimento
intróito
medo não tenho e fugir não faço
tremendo as pernas, sorriso
no imenso e livre passo
que o olhar eterno aliso
trago da rua – caio na tempestade
dos ventos fortes do pensamento
pregando o direito da igualdade
e fim a todo e qualquer tormento
o tremer das pernas diz canseira
no tempero do prato posto à mesa
matando a fome a minha maneira
mantendo a luz de vida acesa
O suor do braço não diz quentura
Diz do trabalho cansado e feito
Trazendo no verde descanso e ventura
Corrigindo no ser qualquer defeito
A fronte altiva canta os louros
Na vitória enorme conquistada
Em lugar qualquer dos judeus ou mouros
No deserto e na floresta maltratada
O cabelo esbranquiçou o rio em curva
Na morte dos peixes tida no veneno
Que tristeza minha mente turva
Por qualquer sangue correndo ameno
A
Ora, Ganga Zumba
Escolhido foi, chefe
Na guerra que tinha
Contra burguês e nobre
Ganga Zumba e sua tropa
Destroçava o inimigo
A morte de Calabar
Não foi em vão
Era soldado de armadura
Derrotados por semi-nus
Soldados que expulsaram holandeses
Eram derrotados por Ganga Zumba
Os escravocratas da insurreição
Mais tarde chamada Pernambucana
Começaram a querer escravos
Que eram homens livres em Palmares
Mas o comandante dos livres
Os venceu nas batalhas
E foi proposta a paz
Pelos vencedores dos holandeses
Ganga Zumba vai com seus homens
Conversar sobre a paz
Não quis ouvir Zumbi dizer
Que ele partia para sucumbir
Sem nunca ter tido paz
Mas Ganga Zumba não houviu
Partiu
E depois escravo em Cucaú morreu
B
Na idade das civilizações
Por tanto tempo já vividas
Não equivale a nada – é eternidade
E nestra fração nunca houve paz
A paz não é somente a ausência
Da guerra bruta que surge fétida
Nem a falta da violência chula
Em cabarés do norte e do sul
A paz não é somente o marasmo
Dos elementos quedos esperando tempestade
É algo mais belo e mais sublime
Talvez seja o próprio Deus
Não cheirar perfumes amenos
Em colo suave de mulher bonita
Não é o filho calado e neurótico
Preso aos quatro cantos da sala
Não é verter sorrisos falsos
De homens e mulheres histéricos
Não é a fome do sexo refulgente
Nem a timidez do sofrido
Não é a voz muda cheia de medo
Esperando não perder o ordenado
Não é o andar lento do vitorioso
Nem o choro amaro do vencido
Não é soluços de amor malditos
Ou minutos acres de solidão profunda
Não é o aperto de mãos inimigas
Nem o perdão de uma alma fraca
Não é a história da fadas contada
Nas ruas pela molecada pária
Não é o silêncio do cárcere imundo
Nem a coerção da fé religiosa
A paz não é o que se aprende nas escolas
Por acordos de países beligerantes
Nem o matraqueado de matronas
Desejando o marido da vizinha
A paz não é a conquista do paraíso
Nem a fresca aragem marinha
Não é o rio que corre lento
Entre cascatas de pedra e aço
A paz não é a música dolente
Nem a busca do artista, grande
Não é o esmorecimento na luta
Nem o cansaço de fim de jornada
A paz não é aperitivos pelos bares
Nem serestas de violões enamorados
Não é pomba de se fala tanto
Nem a patativa a cantar no campo
A paz é aquilo que sentimos
Quando da justiça nós buscamos
O seu gládio salvador de almas
Atravessando toda a eternidade
A paz é aquilo que sentimos
De bom em nosso peito pulsando
Sabendo que buscamos o progresso
Numa luta para a evolução constante
A paz é aquilo que sentimos
Ao arcar com compromisso cumprido
É a brisa do sol bater suave
Na face de quem pratica o belo
A paz é o amor em sua totalidade
Desprezando o físico e outra coisa
É a ternura em sermos amigos
Da planta do animal do homem
A paz enfim é possuirmos
A consciência tranqüila e serena
De sabermos haver cumprido
Os nossos deveres todos assumidos
5º movimento
intróito
Zumbi chegar
Maria sabe esperar
E à tarde ou à noite espera
Um dia ele chegou
De perna sangrando
Do tiro que levou
Zumbi guerreiro
Homem talhado para paz e para guerra
Zumbi terno com sua Maria
E os filhos três seus
Mas a faca vermelha
O chumbo tirou
A guassatonga
A ferida cicatrizou
O rubim inflamar não deixou
E ele continuava a luta
Guerreando pela paz e pela liberdade
E um da para sua Maria cantou:
“É o tempo que passou de lado
e nós sozinhos fomos ficando
sem sol sem lua sem terra
sem nada mas com alegria
de sempre em frente ir
cabisalto sorrindo
para o amor que eu tenho
sempre a me esperar
E não me curvo
Continuo a luta
Não quero fronteiras
Sou do universo inteiro
Sou do continente
Como sou do oceano
Venho de planícies
Passo por florestas
Conquisto desertos
Sempre vencendo
Marias das Santas
Carreguem seus amores
Que foram caídos
Em duras batalhas
Marias das Santas
Rezem à noite baixinho
Pedindo para os homens
Justiça na terra
No oeste no oriente
E força na luta
Na guerra que fazem
Para terem seus filhos
Em terras seguras
E cheias de paz
Marias das Santas
Não há mantimentos?
Invadam as vendas
Com armas na mão
Levem arroz
Não esqueçam o feijão
E misturas gostosas
Marias das Santas
É assim que se faz
Roubar para comer
Nunca foi assaltar”
A
Um povo nasce sadio
Forte, aguerrido
Se no lar forem bem cuidadas
A terra a mãe o mato
Um povo é uma criança
Se bem cuidada e tratada
Doente não fica
Brinca livre pelos quintais
Cresce sadio entre pomares
E um dia se vê adulto
Palmares nasceu forte
De pais fortes e destemidos
Que lutavam contra feitor
Seus filhos eram sadios
Pelas caaingas correndo
Brincando com os passarinhos
Foram crescendo em campo aberto
Sadios e fortes como os grandes
Até que chegou Zumbi
O mesmo Zumbi que acarinhava
As crianças e a esposa
E matava capitão do mato
Bandeirante assassino de cruz na mão
Levando a bençao de Cristo
A homens que queria como escravos
O mesmo Zumbi que lutou
Que foi feliz e desgraçado
Pelo poder dos reis e celerados
Como eram os paulistas
Que saíam em busca de escravo
Pelo meio do sertão
B
“hoje amanheço
Sem ter dormido
Com dores no corpo
De alma sofrida
Que a arma pesada
Continua gritando
Nas mãos erradas
Que passam matando
Crianças inocentes
Sofrimento da gente
Porque todos queremos
Viver da justiça
Mas não importa
Mortos os filhos
Queremos a horta
De nossos quintais
Crescerem gigantes
Sozinhas para nós
Eu morro lutando
Meu filho chorando
Mas continuando
Iremos ao fim
Morrer é bonito
Quando por ideal
Nobreza aqui
Mandaremos embora
Capitães aqui
Mataremos à noite
E no dia seguinte
Colheremos o eito
Para durante a noite
Podermos lutar
Que vale a vida
Que temos aqui
Se o mais importante
É livre tornar
O grande Palmares
De soldado agressor
O preço que pago
Para isso atingir
É pouco é nada
Comparando somente
Onde quero chegar
Ogum meu pai
Também já morreu
Orgulho-me dele
Por seu coração
Orgulho-me dele
Por sua coragem
Dizendo que chega
De exploração
Dizendo que mata
Soldado aliado
De onde que venha
País ou região
Morro contente
Lutando à noite
Trabalho contente
Lutando de dia
Meu filho criança
Também vai lutar
Para o mundo mostrar
Grandeza do povo
Que vive unido
Na guerra que veio
Sem ele pedir
Não paro não canso
Continuando a crescer
No sangue amor
Na alma – coragem
No corpo sofrido
-dedicação-
Para vida que busco
No futuro que chega
Cheio de glórias
Fazendo história
Trazendo para a terra
Aquele que é Deus
Chamado justiça
6º movimento
intróito
Para vencer Palmares
Quinze bandos lá foram
E derrotados sendo
Fugiam através das matas
A coroa enfim contratou
Contratou o herói paulista
Conquistador de terras
Aprisionador de índios
Para fazê-los escravos
A coroa contratou
O cristão Domingos Jorge Velho
A
O quanto em suas mãos o Brasil cresceu!
De norte a sul de leste a poente
Caminhando pelo sertão a dentro
Descobrindo e alargando novas terras
Era intrépido conquistador dos matos
Nas matas virgens do sertão
Com os aborígenes filhos de Tupá
Ou herdeiros o grande Tamandaré
De São Paulo a todas as direções
Bandeiras e entradas ousadas
Dos homens rudes atrás do ouro
Pedras preciosas riquezas enfim
Mas o que representa a riqueza
O ouro levado pela coroa
As jóias confiscadas como imposto
Ou o índio ou o negro escravos
Domingos Jorge Velho preferiu caçar
Caça para alimentar o poder
Preferiu caçar índio e ser senhor
Caçar negro e ganhar recompensa
Não sei se o preço pago pelas cidades
Como Parnaíba do Piauí
Valeu pelos escravos conquistados
Na formação de tantas fazendas suas
*******
Quero sonhar pelas horas passando
A timidez do sonho liberto
No trilho sideral da liberdade
Do rastro na areia deserto
Passar as formas feitas tantas
Nas insones boca de finda noite
Que a luz do sol refletindo a lua
Em meu olhar encontra amoite
Veras flores de nectares fecundos
Nas abelhas vivas e borboletas
Alegrando ambiente em suas cores
Como perfumam tímidas violetas
Agora pelo pátio luzindo
Espelhando um corpo que passa
Esvasia o jardim com umidade
E faz crescer a planta na praça
Não sei mais se é noite ou dia
Confundo-me enquanto preso
Certeza tenho porém que apesar
Que haja tudo saio ileso
B
Correu à míngua e livre
Pela estrada satisfeito
Carregando seus sonhos
Na vigília da noite sem fim
E a idade por ele passando
Na rota da vida talhada
No suor dos braços decididos
De quem nasceu para lutar
Lamento
Ontem chorei tanto a ausência sua
Que as lágrimas me lavaram o rosto
Indo a alegria pondo o desgosto
Andando abandonado pela rua
Deserta e gélida de um mês de agosto
Sonhando possuir a mulher nua
E somente havia os raios da lua
Nada de bom havia ainda posto:
Não sendo minha bonita paisagem
Aos sonhos levando-me tão somente
Aquela mulher com a sua imagem
Também desapareceu depressa
Prisioneira ficou minha mente
Que rápido à liberdade eu peça
7º movimento
Quem manda em Pernambuco
Deu a ordem de partida
O paulista Velho Jorge
Nos Domingos marchou
A tropa marchou rumo ao sul
Querendo as Alagoas
Foi tiro foi espada
Foi morte e trucidamento
Morreu negro morreu branco
Também índio e mameluco
Palmares perdeu metade dos soldados
Domingos a expedição
Quiseram festejar vitória
Mas Zumbi não quis
Sabia que o paulista mau
Mais tarde voltaria
Sabia que sendo Domingos
Não teria descanso
Enquanto ali houvesse
Palmares livre e soberano
Um ano depois voltou
Troxe canhões 30 mil homens
O exército de Zumbi foi dizimado
Mas não se rendeu
E na última batalha
Em um precipício
Em sangrento combate
De um contra cem
Foram caçar os corpos macerados
Para terem prova da vitória
Encontraram Zumbi morto
E lhe cortaram a cabeça
E esse dia foi
Vinte e dois de novembro
Quando Zumbi morreu
Quando em um último gesto
Matou um soldado
Dos velhos domingos jorges
EPÍLOGO
O tempo passa cruel e santo
Abençoando e maltratando a gente
Mas logo terei nas horas de descanso
Maria minha a cuidar de mim
Cada qual faz o que merece
Dando de si o que é capaz
E a luta é a mais bela prece
Que o homem puro pode fazer
E eu me levanto soberbo e grande
Com meus poemas e minha luta
Não há governo que me cale a boca
Não há nação que me faça calar
Mas diante de uma fábrica
Sorrio e choro cantando samba
Operários do mundo sois minha pátria
Párias do universo sois meus amigos
Detesto gente que se diz intelectual
Odeio gente que vive de empregados
Quero instituto e sindicato a todos
Quero a igualdade e a justiça a meus irmãos
Não me importo com fausto e gala
Prefiro a festa de pés no chão
Prefiro o samba entre madrugadas
Que guitarras elétricas e opressão
Não pátria que se militariza
Minha pátria párias do universo
Abri os braços para a luta santa
Cruzada heróica de divino afã:
De dizer DIREITO aos algozes
Que de tribunais condenam delinqüentes
Esquecendo sempre indefinidamente
Que a sociedade que os formou
Prostituta vocês são minhas irmãs
Respeitáveis senhoras de antiga profissão
Vocês não teriam existido nunca
Se nós homens não fôssemos prostituidores
Vocês viciados em terríveis drogas
Vocês viciados horrível álcool
Não fora a insegurança do tempo
Nem ao menos Noé teria bebido
Contudo é válida a RECONSTRUÇÃO
De um novo templo e branco altar
Deitar por terra direito econômico
Surgir do lodo direito verdade
Bíblia coleção de livros hebraicos
Todos escritos em puro grego
Deixe de ser coleção opressora
Para ser pesquisa a um passado
Caiam os templos quais eles forem
Façamos dele idealista escola
Que servirão muito mais aos homens
Do que vestes sacerdotais
Babalaôs pastores pregadores e padres
Viveis de salvardes almas
Se ensinásseis ao menos não exploração
Estaríeis salvando a humanidade
Chega de cinismo religioso
O mais terrível freio de meus irmãos
Romperemos a algema de aço
E faremos dela a nossa armade luta
E essa luta inteira minha
Não me impede de amar Maria
Maria que não é de Magdala
Mas que é toda cheia de graça
Magdalena pertencerste a um Cristo justo
Mostrando a todos a pureza d’alma
Esqueço-me quem sou agora
E me identifico de coração
Com o mais humilde dos lixeiros
Com o mais forte proletariado
Esqueço-me de terras e froneiras grandes
Eu sou do universo inteiro
Abro as minha mãos – afago o destino
Destino certo de servos humildes
Humildes esses que não são covardes
Humildes esses que se tornam grandes
E que por eles se fazem nações
Pregando amor pátrio para oprimir
Sorrio então de oprimido – revoltoso
De revoltoso – justo grilhão
E assim acontinuo a luta
Iniciada ao início da exploração
Abaixo jóis e coquetéis de orgia
Acima o amor a luta o trabalho
Chega então o dia esperado
E em festa o universo inteiro
Cairão do alto flores silvestres
Nascerão do solo novos amores
Surgirão do nada fantasmas esses
Que se dirão a verdade e a justiça
De onde houver a falta do DIREITO
Seremos aí o braço forte da lei
APÊNDICE
Sobrou o chão seco, queimado,
E de gente não há.
Há a história
Que todos dizem não há.
Sobrou o pensamento livre
De uma nação que morreu,
Mas que vive pelos terreiros
Dos deuses que se fizeram grandes.
ARARY
ANAHI
Todos iniciam uma obra com dedicatoria, eu prefiro entregá-la pronta para aqueles que mais amo. Falta aí a fotografia de Rita, que sem sua existência em minha vida, esse pequeno “Palmares” não existiria.