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Cronicas-->Caindo Fora -- 29/05/2000 - 21:28 (alessandro rodrigues da costa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Acordei com o fastio e a ressaca de sempre. Recebi os primeiro raios de sol sem satisfação alguma. Permaneci estirado sobre o catre, apenas esperando, como se algo fosse acontecer, como se a vida fosse acontecer enfim. Vislumbrei por algum tempo o teto do quartinho de oito e cinquenta a diária e ergui-me cambaleante. Liguei o velho rádio numa estação qualquer e dei sorte, era Billie Hollyday quem tomava todo o ambiente com sua voz de cor. Esses negros impressionantes. O que eles tiram de dentro, parecem mágicos tirando da cartola sons inigualáveis que tocam a gente lá no fundo. Faz pensar que estivemos olhando sempre de soslaio nossa própria vidas, chutando nossas próprias bundas. "Don t compete. Play", é o que eu sempre digo.
Havia no quarto uma cama, o velho rádio e eu. Pregos na parede descascada serviam de cabide aos quase indigentes que ali se hospedavam. Por uma estreita janela passavam os raios de sol que denunciavam o adiantado do dia e o cheiro forte de iodo à proximidade do mar. Fiquei observando da pequena janela uma antiga igrejinha incrustada no morro. Ao longe mais mar, mais imensidão verde. O mar tem isso, a arrogància do poder. Definitivamente o mar é poderoso, opulento.
Imaginei Hemigway num quarto como aquele em Cuba, ou Céline quando chegou à América. Bukowisky em Los Angeles, Scarmeta no Chile. Isso era o que eu tinha de mais próximo de um escritor, um quarto imundo e o gosto de álcool e charutos na boca, além do rosto intumescido pela quantidade exagerada das duas coisas. Naqueles dias eu havia bebido e fumado demais, transado algumas mulheres às quais nunca soube o nome. Apanhado em alguns bares, dormido muito pouco e não sabia mesmo o que fazer, nem mesmo se havia algo a fazer. Abri minha sacola de lona meio descosturada e de lá saiu um calhamaço de folhas sujas e amassadas. Peguei algumas dessas folhas e me escorei abaixo da minúscula janela enquanto acendia uma bituca de charuto. Comecei a ler coisas que escrevera sobre eu mesmo, em prosa e alguns poemas.
Billie Hollyday berrava e eu devaneava perdido entre as metáforas que traduziam como havia corrido a minha vida até ali. Uma poesia que contava a odisséia de um toureiro, onde eu me coloquei propositalmente no papel do suposto vencedor, o homem, o racional, aquele que está fadado a dominar o animal insolente. Todavia no poema a batalha é vencida pelo perverso animal que mancha minha veste andaluz com as cores da Espanha. A derrota para a besta, às vezes estúpida demais em sua ira, pode significar toda uma vida dirigida por uma estada errada, e pode também, não significar coisa alguma. Era apenas um poema, pensei.
Havia outro em prosa, em que eu associava minha vida medíocre à um dia de trabalho numa repartição pública, onde não obstante às chateações corriqueiras, a vida transcorria sem vida. O funcionário medíocre não pelo fato de não dar a mínima pro seu trabalho e mais por não fazer nada a respeito de si mesmo. Se fosse eu, pensei, cairia fora. Sorri. Lembrei de Kafka.
Enquanto passava os olhos em todo aquele mundo, que era o meu, apareciam como num filme as legendas de cada passagem, com títulos classe "b". Quartos baratos, bebidas, mulheres nuas, charutos vagabundos, bebidas, mulheres nuas, bebidas, bebidas, mulheres vomitando em minha privada, mulheres se despindo, bebidas, charutos... Tudo aquilo era comigo. Toda a minha vida fora um abiso entre a agonia e o idílico, entre o pessimismo e o hedonismo. Pensei, gostaria de alguma forma, de cair fora.
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