Na seqüência de artigos escritos pouco antes e durante a funesta, para nós brasileiros, Copa do Mundo da Alemanha, aí vai mais um. O objetivo desses textos é chamar a atenção para o perigo da soberba no nosso comportamento. Principalmente após mais uma conquista da Copa das Confederações na África do Sul, e depois do salto alto mostrado pela ex-favorita Espanha no mesmo torneio. Em 2006, fizemos a mesma coisa. E queremos deixar claro que a nossa análise, expressa nesses artigos, não tem nada a ver com o ser humano Carlos Alberto Parreira, uma pessoa honesta, competente e extremamente trabalhadora, um verdadeiro exemplo de cidadania para todas as nossas crianças e jovens. As nossas ponderações levam em conta tão somente os conceitos do técnico de futebol Parreira, que sempre representaram a antítese do que nós consideramos o bom futebol, o jogo bem jogado. Apenas isso.
A Crônica de um final já anunciado
Carlos Claudinei Talli
Este artigo foi escrito logo após a partida França 1 x 0 Brasil, portanto, o jogo Portugal x França ainda não tinha acontecido.
Vamos lembrar novamente que ‘Show é ganhar. Show não é jogar bonito’ e que ‘ A história não fala de jogo bonito. A história fala de campeões’. Pois bem, jogamos feio, perdemos, e certamente jamais seremos lembrados pela história. Quisemos fugir das nossas raízes, jogar do jeito dos europeus, não soubemos, e estamos fora.
Mas, tudo o que eu tinha de criticar em relação à seleção brasileira atual, já o fiz nestes mais de três anos de coluna. E eu que sempre fui amante do futebol bem jogado, apesar de indignado, não estou triste. Mesmo porque se tivéssemos vencido, jogando esse futebolzinho horroroso, o futebol-arte, que tanto tenho defendido neste espaço, teria sofrido um duro golpe, exatamente como aconteceu em 1994.
Hoje, felizmente, temos coisas mais interessantes a comentar. Até que enfim o futebol bem jogado deu o ar da graça nesta Copa do Mundo. E, como todos esperavam, num jogo do... Brasil. Só que desta vez, não fomos os protagonistas, mas tão somente os coadjuvantes da grande festa. A nossa badalada seleção serviu apenas de passarela por onde desfilou o futebol mágico do maior jogador do mundo nos últimos 30 anos, o maestro Zinedine Zidane.
E para manter a coerência das minhas convicções futebolísticas, por causa do Zizou, até o final deste mundial eu sou França desde criancinha. Nesta Copa meia-boca da Alemanha, onde o futebol de resultados é praticado com sofreguidão por Itália, Alemanha e Portugal, os outros semifinalistas, os franceses se tornaram o último bastião do futebol-arte. Para nosso deleite, eles jogaram bonito, e venceram.
Se qualquer dos outros semifinalistas se tornar o campeão do mundo, teremos de aturar por quatro longos anos as baboseiras dos defensores do maldito cattenaccio italiano, uma maneira de jogar que inibe completamente qualquer ato de criatividade, e torna o futebol de uma burrice atroz.
E essa última esperança nos foi proporcionada pelo fantástico Zinedine Zidane. Em fim de carreira, quando todos já o davam como acabado, reuniu suas forças derradeiras e nos deu de presente um dos maiores recitais de futebol que o mundo já viu.
E ninguém me tira da cabeça que esses momentos de deleite foram obra dos deuses do futebol, entristecidos com a maioria dos outros deste mesmo mundial em que a bola foi tão ofendida e maltratada.
Os 90 minutos de jogo bonito do Zizou contra o Brasil, com a conquista do título ou não, talvez para o desprazer do nosso treineiro, ficarão gravados indelevelmente na memória histórica do futebol mundial, e certamente representarão o ponto alto do futebol-arte nesta Copa.
Em contrapartida, o jogo Portugal x Holanda entrará para os anais da história como o clímax atingido pelo futebol de resultados neste mundial, tal a selvageria que proporcionou.
Por isso, enquanto a maioria dos brasileiros, por laços de amizade e afinidade, torcerá pelo Portugal do Felipão, que fatalmente não ficará na memória de nenhum amante do jogo bem jogado, eu, preocupado com o futuro imediato deste esporte espetacular, torcerei avidamente pela França de Zinedine Zidane.
E se os deuses do futebol mais uma vez nos presentearem com uma exibição de gala do mágico Zizou, gostosamente, sorrindo de orelha a orelha, agradecerei.
Porque o futebol-arte vai muito além das fronteiras dos países. Ele, exatamente por privilegiar o jogo bonito, se transforma na verdadeira língua universal que une os povos.
Por isso, Zidane! Zizou! Desde criancinha!
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