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Contos-->AO ALCANCE DA MÃO -- 13/08/2002 - 10:43 (Walter da Silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
AO ALCANCE DA MÃO
“os que não se lembram do passado,
estão condenados a revivê-lo”.
SANTAYANA


Naquela noite, cheguei em casa no horário habitual, dez horas, tomei uma ducha, gargarejei sob a ameaça de um resfriado e desci as escadas correndo, degrau sim, degrau não. Estava, aparentemente, feliz. Embaixo, na recepção do edifício onde resido, havia, na caixa de correspondências, um envelope branco, portando uma logomarca acima à esquerda, que, na pressa, não consegui identificar. Desci até a garagem, deixando para abrir o envelope branco, depois. Havia, no pára-brisa, um bilhete em papel almaço, preso no limpador. Era da Vera Astúrias, companheira de partido, ex-colega de faculdade, alguém com quem curti bons dias, quando estive preso e algum tempo seguinte, nos paquerando, ouvindo música cubana, regada à tequila e cerveja bock.
Ela estava me pedindo para ligar-lhe, antes do meio-dia,
pois viajaria para o sertão, a serviço da empresa. Supus, aleatoriamente, o que deveria querer. Estávamos, eu e ela, concebendo um “site” para exibir na internet, sobre pessoas que moram sozinhas e, eventualmente, sentem-se infelizes, depressivas, abandonadas. Algo assim, como um espaço virtual, onde você expõe seu problema, uma equipe de especialistas analisa, procede a uma anamnese e em seguida emite uma espécie de diagnóstico, sem rigidez, mas com profundidade.
Vera Astúrias é psicanalista, estudou em Harvard, morou na Espanha, Hungria e veio esbarrar num lugar chamado Brasil. Priorizando-se seu saborosíssimo sotaque, o restante nela, é beleza pura, em estado latente. Agnóstica, acredita tanto no ser humano e na natureza, que já deve ter conhecido uns duzentos homens e mulheres, com quem transou, conviveu, foi à luta, protegeu, analisou, apaixonou-se e ensinou o caminho de volta.
O trânsito é infernal a essa hora da sexta-feira, quase onze horas, com a perspectiva de tornar a noite uma criança. Fui ao mesmo bar, pedi o de costume, acendi um cigarro, aconcheguei-me e comecei a esperar. Em seguida, chega Vera, arregalando os olhos e respirando fundo, gestos triviais quando chega da rua. Tira o casaco, senta-se e me olha de uma forma meio estranha, fugindo ao habitual:
_ Preto... ontem, me ligou um cara, pra meu telefone na suíte. Disse se chamar “Zé”, pra não ter que declinar o nome verdadeiro. Perguntei-lhe como conseguiu aquele número, se só forneço pros amigos íntimos... intimíssimos. Preto... você deu esse número para alguém?
Perguntou-me entre sisuda, tensa e inquisidora. Respondi que não. Ela pediu um drinque, tirou o relógio do braço e calou-se olhando pro teto do bar... como se estivesse com alguma profunda preocupação. Essa estória do telefonema, me deixou meio cabreiro, apreensivo. Já ouvi muitas vezes, casos em que o cliente se apaixona pelo terapeuta, homem ou mulher e as coisas tomam outro rumo, às vezes deixando marcas e resultados bastante cruciais. Essa espécie de assédio-transferência, tem inclusive ocupado diuturnamente os profissionais da psicoterapia, por causa de algumas conseqüências indesejáveis que às vezes se tornam caso de polícia.
Depois desse encontro, anunciado, agendado, não vi mais minha amiga Vera Astúrias. Da última vez que dela soube notícia, foi através de um seu ex-paciente. Desisti de ligar pra sua casa, cujo número, imagino, deve ter sido trocado. Estive em seu edifício, umas duas vezes... ninguém sabia de seu paradeiro. Uma longa carta escrita pelo tal Zé, fora entregue à polícia, na qual o autor, desesperado, fazia ameaças, provocava terror e se dizia apaixonado por ela. Ela sumira literalmente. Nunca mais se ouviu falar dela, de suas excelentes tiradas de humor, de seu jeito de arregalar os olhos e a vida... de seus longos cabelos ibéricos, que durante tanto tempo, estiveram ao alcance da mão.



WALTER DA SILVA
Aldeia, Camaragibe-PE, agosto de 2002
Extraído de “CONTOS D’ALDEIA” ®
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