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Contos-->Rumo ao Infinito -- 13/08/2002 - 17:58 (Marcel de Alcântara) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A Primeira Queda

Olhando para baixo senti um calafrio percorrer todo o meu corpo e concluí que não iria sobreviver àquele salto. O instrutor empurrou-me mais para a beirada do avião e disse que começaria a contagem regressiva. Não tinha mais volta, lá embaixo tudo estava tão pequeno, enquanto que o meu coração parecia um gigante batendo forte por todo o meu peito.
Saltamos, não lembro da contagem regressiva e acho que ele me enganou. Só sei que logo após o salto eu já não tinha mais medo.
O vento cortava o rosto e eu não conseguia sorrir enquanto era filmado por outro pára-quedista. Esqueci todos os medos, todas as dúvidas, nada mais importava , os problemas tinham ficado lá embaixo e eu estava realizando um sonho antigo...
Caíamos velozmente e a sensação de liberdade era muito grande, fiquei eufórico e comecei a berrar como um louco, mas algo inesperado aconteceu. O outro pára-quedista aproximou-se demais. Fiquei com medo que trombasse conosco, mas parecia que ele sabia o que estava fazendo. E ele se aproximou cada vez mais até que pegou-me pelos braços. Então senti um tranco e percebi o que havia acontecido. Ele havia aberto o pára-quedas porque o meu instrutor estava desacordado. Senti um certo alívio no começo, mas depois lembrei que teria que pousar sozinho! Fechei os olhos e comecei a rezar, tinha a impressão de que tudo durava mais de uma hora!
Planávamos numa velocidade enorme e comecei a procurar o outro pára-quedista, nem sinal dele...
As casas e árvores embaixo foram ficando cada vez maiores e não reconheci o campo de pouso, fiquei alarmado, nunca tinha sentido tanto medo em toda a minha vida e talvez fosse a última vez que sentiria alguma coisa.
De repente o pára-quedas estabilizou e começou a fazer algumas voltas suavemente, eu não sou nada religioso, até me considero ateu, mas confesso que pensei: "Será que Deus estava pilotando?!" Não, era o instrutor que havia recuperado a consciência, graças a Deus!


Filosofando

Passaram-se quase seis meses após o incidente e eu ainda sentia os efeitos do acontecido. Minha vida antes monótona, estava mais colorida. Sempre que tinha oportunidade, relatava o ocorrido e ria quando olhavam-me perplexos, desconfiando da minha estória. Meu pai já não agüentava mais assistir ao vídeo do meu salto e um dia disse entediado: "Não é difícil pular de pára-quedas, o difícil é parar de falar que pulou de pára-quedas".
Mas um dia a estória perdeu a graça, tudo passa e a minha vida voltou a ser o que era antes: Uma caminhada sem rumo...
No trabalho as horas estendiam-se lentamente, a pressão esmagava todas as minhas forças e quando chegava o final de semana eu não queria sair para fazer nada. Na segunda-feira a sensação de vazio era imensa.
Comecei a estudar sobre algumas religiões, afinal de contas, e se eu tivesse morrido naquele dia, estaria tudo terminado? Nenhuma doutrina ou religião me satisfez, muitas questões ficaram obscuras, apesar de admitir que muito do que li era útil e eu poderia aproveitar no dia a dia. Mas a questão crucial ainda martelava na minha cabeça sem uma resposta definitiva.
Alguns meses depois consegui tirar a tão almejada férias, mas após duas semanas, confesso que comecei a sentir saudades do trabalho. Um dia resolvi entrar no metrô para dar uma volta despretensiosa.
O tempo foi passando, o trem ia e vinha...
Dentro daquele vagão, as estações sucediam-se e repetiam-se, enquanto eu observava as pessoas à minha volta.
Não sabia quantas vezes o trem tinha chegado e reiniciado o seu percurso.
Na minha mente um interessante diálogo aconteceu:
_ Uma vez, ouvi dizer que "cada pessoa é um drama"... Não sei muito sobre as outras pessoas, só sei que gostaria de ser mais forte.
"Mas você é forte" - dizia-me uma voz interior que não parecia fazer parte dos meus pensamentos: "Você já enfrentou muitas situações difíceis! ".
_ Sim, enfrentei, mas não sei se as superei... São muitas as feridas que ainda estão abertas. Quero modificar muitas coisas em minha vida, mas não consigo. Conheci uma pessoa maravilhosa que me disse ser feliz. Será? Será que alguém nesse mundo conturbado, pode afirmar isso com convicção?
E novamente aquela voz que não parecia ser a minha, retrucou:
"Na realidade, a felicidade consiste em sabermos aceitar o sofrimento quando ele chega. Ninguém está isento de sofrer nesse mundo. Saber aceitar as dificuldades e conviver com o sofrimento, traz uma felicidade relativa. A quantidade de sofrimento, depende da coragem da pessoa para enfrentar as adversidades e se adaptar às novas situações que são impostas pela vida.
Refleti por alguns instantes e continuei:
_ Minha vida é como esse trem, indo e vindo sempre pelo mesmo trilho, na mesma direção, sempre retornando ao mesmo ponto. Será que nunca evoluo?
"Isso é o que você acha? A evolução é gradual, depende muito do esforço próprio de cada um. O que te incomoda, você pode modificar, mas se ainda não mudou, é porque não se esforçou o suficiente. Geralmente as pessoas se acomodam com velhas crenças e hábitos, preferindo permanecer estagnadas. Tem medo de se arriscar em novas situações e sofrerem mais do que já sofreram".
Surpreendi-me com as sábias palavras que surgiam em minha mente e respondi:
_ O pior, é que eu sei de tudo isso, mas não consigo fazer o que poderia me trazer mais alegria...
"Muitas vezes, o impedimento está na vontade imediata de felicidade. Geralmente, o caminho para a felicidade é longo e nunca isento de dificuldades. Então as pessoas preferem os prazeres efêmeros e imediatos... Depois advêm um vazio e recomeça a busca de uma válvula de escape para as frustrações".
Lembrei do meu salto de pára-quedas.
O trem saiu de um túnel e os raios solares me trouxeram de volta para o mundo exterior.
Então percebi que uma senhora ao meu lado, observava-me atentamente e me senti incomodado...
Ela disse:
_Um rapaz tão novo e com uma expressão tão séria! Um jovem como você não deveria se preocupar com assuntos tão complexos...
Fiquei surpreso, mas permaneci calado, envergonhado, sem saber porque.
_Olhe meu rapaz, não fique bravo comigo, mas vou filosofar um pouco.
A mulher disse isso e riu alto antes de começar:
_Não existe nada impossível nesse mundo, se você acreditar em Deus, se tiver fé, conseguirá grandes coisas!
Fé, essa palavra não tinha muito significado na minha vida, tudo deveria ter uma explicação simples e lógica, uma razão de ser. Só a fé não explicava e nem provava nada. E apesar de lembrar de Deus quando estava caindo a três mil metros de altitude, eu responsabilizei a sorte por ter saído ileso daquele episódio.
A mulher pareceu adivinhar tais pensamentos e disse:
_Você já percebeu que as pessoas simples, as pessoas "ignorantes", mas que tem fé, muitas vezes são mais felizes do que os pseudo-sábios? Aqueles que detêm o conhecimento, aqueles que muitas vezes "dão a impressão" que sabem o que precisam fazer e como agir, não conseguem alcançar a paz de espírito...
Eu nunca pensei daquela maneira. Ela continuou:
_A vida é simples, o homem é quem a complica. Você já ouviu falar em Albert Einstein ?
_Já.
_Ele disse que a intuição, que a imaginação, eram mais importantes do que o conhecimento. Eu acredito que cada pessoa traz em si o que necessita para ser feliz. Pois se somos obras de uma mente criadora e perfeita, temos dentro de nós um pouco da luz divina que apenas precisa ser ativada e aperfeiçoada.
Um barulho desviou a minha atenção por um segundo e quando olhei novamente a mulher tinha desaparecido.
Quando o trem saiu de um túnel para um trecho elevado, não era mais dia, o céu negro exibia algumas estrelas e cheguei a conclusão de que já estava naquele trem no mínimo umas cinco horas.
Continuei ali rememorando as palavras daquela "estranha senhora", que tinha avisado de forma descontraída, que iria "filosofar".
O trem foi esvaziando, cada vez menos pessoas estavam embarcando e notei uma bela garota ruiva sentada na minha frente. De vez em quando ela me olhava sem graça. O trem chegou na última estação e todos saíram, menos a garota ruiva. Quando o trem recomeçou a jornada, ela levantou-se e sentou no assento ao meu lado.
_Olá.
_Oi.
_Meu, aquela senhora sabe das coisas!
_Você ouviu?
_Sim, e achei muito interessante, mas quero acrescentar uma coisa: Pelo o que entendi, fiquei pensando que talvez, a pessoa ignorante seja mais feliz do que a pessoa que tem cultura, instrução e entendimento? Entendeu?
_Acho que sim... Ela também disse algo parecido...
_É que quanto mais sabemos, quanto mais se abre o leque de opções que podemos fazer, quanto mais conhecimento, parece que adquirimos mais responsabilidades...
Acrescentei:
_Dúvidas e conflitos...
Ela concordou com um suspiro:
_É verdade, quanto mais sabemos, mais dúvidas temos.
Ficamos em silêncio algum tempo, então ela perguntou:
_Como você se chama?
_Vinícius.
_Bonito, é nome de poeta.
_Eu gosto de poesia. E você?
_Eu também.
_E o seu nome?
_Ah, o meu nome é Sofia.
_ Que belo nome, significa sabedoria, sabia?
_Não. E o seu nome, o que significa, você sabe?
_Significa vinicultor.
Ela sorriu e perguntou se eu fabricava vinhos.
_Não, mas gosto de tomar um bom vinho quando está frio.
_Eu também...
Rimos, depois ela disse que precisava ir e perguntou se eu gostaria de continuar a conversa mais tarde.
_Claro.
Sofia tirou papel e caneta da bolsa e trocamos os telefones.
Fiquei observando-a afastar-se. Sem dúvida era uma mulher linda e inteligente...


A Segunda Queda

Finalmente saí dos subterrâneos com a figura da garota ruiva na cabeça. No ônibus de volta para casa a mesma coisa.
Tirei do bolso o papel com o telefone dela e decidi ligar assim que chegasse em casa.
Conversamos por quase três horas e decidimos nos encontrar no final de semana num parque de diversões:
Parecia que já nos conhecíamos de longa data, tínhamos muitas coisas em comum e o tempo passou rapidamente. Ficamos quase oito horas juntos e foi grande a surpresa quando o sol começou a se despedir no horizonte.
_Nossa Vinícius! Já está anoitecendo!
_Como passou rápido!
_Vêm, vamos num último brinquedo.
_Qual?
_Aquele.
Quando Sofia apontou na direção de onde queria ir, eu quase fiquei sem fôlego.
_O que foi, você está ficando branco?!
_Nada não, vamos...
Nós havíamos ido em vários brinquedos radicais, nas montanhas russas e outros que até nos deixavam de cabeça para baixo, mas quando vi aquele elevador que despencava de uma altura astronômica, não tive boas recordações. Eu não queria cair novamente! Mas tive que esconder o meu pavor e enfrentar a situação como homem!
Quando terminou, ela riu e disse que nunca mais me obrigaria a ir naquele brinquedo.
_É, deu para perceber o meu pavor?
_Quando eu segurei a sua mão você estava tremendo tanto, que eu também tremi dos pés à cabeça.
Ela começou a dar gargalhadas e eu ri da risada dela. Quando paramos, eu senti que estava apaixonado e ela me encarou de tal maneira que não pude resistir. Ambos nos aproximamos e nos beijamos longamente.


A Terceira Queda

Dois anos depois estávamos casados. Vivíamos em paz e harmonia, ambos trabalhando e apesar da correria e do stress no trabalho, nós tínhamos um ao outro. Ela também não gostava do emprego em que estava e pensava em fazer outra faculdade. Eu estava mais conformado, apenas sonhando com a promoção que prometia chegar em breve. Além do mais, quando pudesse tirar férias, teria a minha amada ao meu lado.
Nós adorávamos quando chegava a hora do jantar e ficávamos horas conversando sobre o que havia acontecido durante o dia... Continuamos a filosofar sobre a vida e a morte. Sofia era budista e até conseguiu me levar de vez em quando para assistir algumas palestras, mas eu continuei sem religião.
O tempo passou. Nem as férias ou a promoção vieram e Sofia não pôde fazer a faculdade, porque ficou grávida e achou melhor largar o emprego. Mas ao invés de desanimados, nós estávamos exultantes! Foi a época mais feliz das nossas vidas! E quando nasceu um lindo menino, decidimos que se chamaria Paulo.
Cinco anos se passaram, eu já não me conformava com o meu emprego e Sofia queria voltar a trabalhar. Eu não gostava da idéia de deixar o nosso filho com uma desconhecida. Começaram as brigas, sentia-me entediado como quando era solteiro. Tudo mudou e já não conversávamos como no início, na verdade, eu comecei a chegar mais tarde do trabalho para não ter que encará-la.
O carinho de Paulo e nossa preocupação com a sua educação segurou o casamento por mais dois anos, mas a separação foi inevitável. Não preciso dar detalhes, nem descrever o sofrimento que foi separar-me do meu garoto tão jovem ainda. O pior foi quando ela casou novamente após um ano da separação e decidiu mudar-se para outro estado... Tentei ficar com a guarda de Paulo, mas não consegui.


Filosofando Mais do que Nunca!

Estava com trinta anos naquela época e mais uma vez sentindo que a minha vida era uma jornada sem rumo.
Um dia, estava novamente num trem do metrô, só que em outra linha, matando o tempo... As estações passando pela janela, as pessoas entrando e saindo apressadas como sempre. No túnel o meu reflexo aparecia na janela e eu ficava com pena daquela figura triste que via.
Lembrei-me de Sofia, linda com seus cabelos longos, ruivos... Apesar de tudo eu tinha saudades. Foram as circunstâncias que obrigaram-na a mudar de estado com o nosso filho. Algumas lágrimas fugidias caíram, quando lembrei da primeira vez que vi Paulo recém nascido no seu colo. Pensei o que o futuro me reservava: Paulo cresceria longe de mim, iria se acostumar a falar com outro sotaque e ia chamar outra pessoa de pai, ou seja: iria me esquecer...
Decidi que ligaria quase todos os dias, não iria deixá-lo me esquecer! Nunca!
A voz no alto-falante anunciou a próxima estação e meus pensamentos tomaram outro rumo.
De repente senti uma mão roçar no meu ombro. Era uma senhora idosa querendo saber as horas.
Quando lhe informei, reparei melhor em seu rosto e achei que a conhecia de algum lugar. Lembrei! Era a mesma senhora que a alguns anos atrás tinha conversado comigo também dentro de um trem.
Mas não falei nada, foi ela novamente quem puxou conversa:
_Ah, meu amigo, a vida é linda, sempre nos surpreendendo!
_Concordo que quando as surpresas são boas a vida seja linda, mas quando não são...
Ela olhou bem dentro dos meus olhos e perguntou porque eu estava tão triste.
Contei-lhe a minha estória.
Ela ficou em silêncio algum tempo, olhou-me, depois olhou a sua volta, olhou-me mais uma vez e perguntou:
_Quantos anos você tem?
_Trinta.
_Você já ouviu falar em Aurélio Agostinho, ou Santo Agostinho, que são a mesma pessoa?
Pensei: "Ela irá filosofar novamente" e respondi:
_Já ouvi falar de nome, é um santo da igreja católica, não é?
_Sim, mas antes de ser santo, ele foi um homem como você e qualquer outro. Meu filho, todos nós seremos santos um dia... Bom, mas não é sobre isso que quero falar... Aurélio Agostinho nasceu em Tagasta, cidade da Numídia, de uma família burguesa, a 13 de novembro do ano 354.
_A senhora sabe muitas coisas...
_Não me interrompa!
Achei melhor ficar quieto e comportado como um aluno exemplar numa aula de história.
_Quando foi continuar seus estudos em Cartago, Agostinho desviou-se moralmente entregando-se a sensualidade que dominou-o longamente, moral e intelectualmente.
"Pensei o que tudo aquilo tinha a ver comigo?".
_Quando terminou os estudos, abriu uma escola em Cartago, depois partiu para Roma e depois para Milão. Afastou-se definitivamente do ensino em 386, aos trinta e dois anos, por razões de saúde e, mais ainda, por razões de ordem espiritual. Depois de muito refletir sobre sua vida, Agostinho abandonou suas antigas convicções aderindo a filosofia neoplatônica que lhe ensinou a espiritualidade de Deus e a negatividade do mal.
_Filosofia neoplatônica?
_Meu filho, você não é dado a leitura, não é?
Envergonhado respondi que não.
_Então como queres solucionar os teus problemas?
"Pensei, agora a pego, não foi ela mesma que a alguns anos atrás me disse que o conhecimento em si não trazia a felicidade? Mas que a verdadeira fé podia fazer isso?"
_Mas e a fé? Indaguei: A senhora já percebeu que as pessoas simples, as pessoas "ignorantes", mas que tem fé, muitas vezes são mais felizes do que os pseudo-sábios? Aqueles que "dão a impressão" que sabem o que precisam fazer e como agir, muitas vezes não conseguem alcançar a paz de espírito.
Eu sempre me gabei por ter uma excelente memória. Mas a velhinha não se abalou:
_Concordo, mas não estou defendendo outra coisa que não seja a fé raciocinada para aqueles que precisam da ciência. E você é um deles. Você só acreditaria em Deus se ele aparecesse na sua frente. Por isso estou lhe falando sobre filosofia e ciência, através delas também é possível encontrar Deus. Mas existem aquelas pessoas que não precisam da ciência ou da filosofia, são pessoas que já trazem uma intuição, uma certeza além da compreensão dos sábios, uma fé inabalável, entende?
_Creio que sim.
_Agora posso continuar?
_Sim senhora.
Eu estava estupefato, quem era afinal aquela senhora de cabelos algodoados e aparência tão frágil, mas com uma imensa força interior? E porque estava me ajudando? Mais uma vez parecendo ler os meus pensamentos ela disse:
_Não estranhe tudo o que estou lhe dizendo, quero ajudá-lo, porque sinto que você é uma boa pessoa, está perdido no momento, mas sei que está prestes a fazer uma descoberta que irá mudar o rumo da sua vida, e quero apenas incentivá-lo a dar o primeiro passo.
E ela continuou a falar sobre Santo Agostinho:
_Apesar de pensar de outra forma, a conversão de Agostinho demorou ainda, por razões de luxúria. Sua conversão moral e absoluta se deu no mês de setembro de 386. Renunciou inteiramente ao mundo, à carreira, ao matrimônio; retirou-se, durante alguns meses, para a solidão e o recolhimento, em companhia da mãe, do filho e discípulos, perto de Milão. Aí escreveu seus diálogos filosóficos, e, na Páscoa do ano 387, juntamente com o filho Adeodato e o amigo Alípio, recebeu o batismo em Milão das mãos de Santo Ambrósio, cuja doutrina e entusiasmo muito contribuíram para a sua conversão. Tinha trinta e três anos de idade. Mais tarde vendeu todos os bens materiais, distribuiu o dinheiro entre os pobres e fundou um mosteiro numa das suas propriedades. Ordenado padre em 391, e consagrado bispo em 395, governou a igreja de Hipona até à morte, que se deu durante o assédio da cidade pelos vândalos, a 28 de agosto do ano 430. Tinha setenta e cinco anos de idade.
Ela fez uma pausa para tomar fôlego e quando pensei que iria continuar, disse que saltaria na próxima estação. Perguntou em tom amistoso se eu gostaria de continuar a aula numa outra oportunidade. Eu respondi que sim, mas tinha lá minhas dúvidas. Ela me deu um papel com o nome de uma instituição que cuidava de crianças com câncer e disse que eu poderia encontrá-la nessa instituição. Dessa vez ela não sumiu repentinamente. Observei-a saindo do trem e só então me dei conta que não tinha perguntado o seu nome. O que ela queria me mostrar contando toda aquela história? Será que ela estava me aconselhando a me tornar padre? Não creio...


A Voz Interior

_Papai, quando você vem me ver?
Difícil escolher as palavras...
_Logo, logo, quando você menos esperar...
_A mamãe quer falar com você.
_Paulo, eu te amo filho... filho...
Não sei se ele ouviu, Sofia pegou o telefone e perguntou por que eu ligava todos os dias.
_Porque ele é meu filho também.
_Mas desse jeito ele vai sentir muito a sua falta, ele já está morrendo de saudades, ontem ele até sonhou com você! E você sabe que não pode vê-lo por enquanto!
Dei um breve riso de satisfação por ele ter sonhado comigo, que ela escutou.
_Você ficou feliz com isso?! Ele está sofrendo por sua causa, você ouviu?
Fiquei calado, a palavra "sofrendo" foi como um soco no meu estômago.
_Você ouviu Vinícius?!
_Ouvi.
_Então não ligue mais, entendeu? Pelo menos não com tanta freqüência!
_Está bem...
Desligou.
_Tchau...
Olhei pela janela e o sol estava se pondo. Quando era criança eu adorava observar o sol escondendo-se e o céu escurecendo aos poucos, revelando as estrelas no firmamento. Aparecia primeiro uma estrela das mais brilhantes e geralmente solitária, era sempre a primeira. Um dia meu pai me explicou que não se tratava de uma estrela, mas de um planeta chamado Vênus.
Será que um dia eu mostraria esse planeta para o meu filho?
Antes não tivesse casado! Deveria ter feito igual aquele tal de Agostinho e virado padre!
"Não diga bobagens!".
Opa! Novamente aquela voz interior me repreendia:
"Seu filho é o seu maior tesouro".
Mas se não posso vê-lo, educá-lo, brincar com ele?
"Ele é seu filho e se você o ama, ninguém poderá tirar isso de você, nunca!"
Peguei o endereço da casa que cuidava de crianças com câncer. Nunca tinha ido a alguma instituição de caridade e fiquei com medo. Medo de ficar impressionado com a situação daquelas pobres criaturas, algumas tão jovens quanto o meu filho. Crianças que não tinham feito mal algum para ninguém e corriam risco de vida. Medo de que elas percebessem o meu medo.
Não, vou esperar mais um pouco, ainda não é a hora certa.
Resolvi dar uma volta e ir para algum lugar bem movimentado. Ver gente me acalmava quando sentia solidão como naquele momento. Eu lembrava da frase que escutara quando criança: "Cada pessoa é um drama", e de alguma forma isso me confortava. Eu não estava sofrendo sozinho.
Lembrei da vergonha que passei quando aquela simpática senhora no metrô, chamou a minha atenção porque eu não tinha o hábito de ler. Então decidi que compraria um livro. Não foi nada fácil escolher, não queria qualquer livro, tinha que ser um que acrescentasse algo em minha vida, que pudesse me ajudar e me fazer crescer como pessoa, decididamente eu não queria apenas passar o tempo. Depois eu poderia contar o que tinha lido para aquela simpática senhora...
Deixei que a minha intuição, ou voz interior, sei lá, me ajudasse na escolha.


Saboreando a Vida

Se o meu filho sonhava comigo, eu não ficava atrás. Sonhei com ele por vários dias após o último telefonema e não eram sonhos muito agradáveis: Eu via Paulo brincando com outro e correndo de mim quando eu me aproximava.
Acordava sobressaltado, enciumado.
Mergulhei de cabeça no trabalho e um dia após o outro fui apaziguando o coração... A saudade permaneceu, só que mais branda, suportável.
Comecei a dar valor às pequenas coisas: Um dia ensolarado, pequenas caminhadas no quarteirão ou num parque próximo, o meu livro acompanhava-me muitas vezes. Fui ao cinema e ao teatro, comprei um violão e comecei a ter aulas...
Comprei muitas guloseimas, adoro chocolate e me empanturrei com caixas e caixas de bombom, saboreei o caldo das frutas suculentas, observei mais as estrelas, viajei para ver o mar e até me aventurei a escrever poemas. Simples prazeres que antes não dava o merecido valor.


Encarando a Morte

Os dias transcorriam calmos e eu já não tinha mais aqueles sonhos ruins, ou "pesadelos" com o meu querido filho. Dois meses ficaram para trás desde o último telefonema. No trabalho não havia tempo para sentir saudades e nos finais de semana eu rodeava-me de atividades.
Num domingo resolvi visitar meu pai. Maria que era uma enfermeira que tomava conta dele desde quando a doença o prostrou na cama, atendeu a porta com um largo sorriso e abracei-a efusivamente. Contou-me do seu jeito agitado, que o Sr. Agenor estava muito bem disposto e ficaria muito feliz em me ver.
Dito e feito, meu velho tentou sair da cama, mas não deixei, abracei-o e então nos pusemos a conversar sobre várias coisas, principalmente sobre Paulo.
Meu pai, como eu, é claro, também queria revê-lo e disse que dois meses era tempo demais para um garoto de seis anos ficar afastado do pai.
_Já está mais do que na hora de você telefonar para a Sofia e dizer que você quer falar com o garoto. Tenho idéia melhor, aproveite e diga que você quer trazê-lo para São Paulo, ele pode ficar aqui em casa comigo e a Maria.
Não achei a idéia muito boa, pois meu pai estava muito doente e Paulo poderia ficar impressionado se algo acontecesse. Mas prometi que conversaria com Sofia à respeito.
_Vinícius, desde a morte da sua mãe que eu venho sofrendo com essa doença, são quase nove anos! E a maior alegria que tive desde então, foi quando o meu neto nasceu. Não sei quanto tempo tenho e quase todas as noites tenho sonhado com a sua mãe. Acho que está chegando a minha hora.
Olhei-o com ternura, os nossos olhos marejavam, mas ele segurou-se como sempre fazia nessa horas, pois não gostava de externar dessa forma os sentimentos. Eu disse-lhe não acreditar que só porque estava sonhando com a mamãe, isso significava que estaria prestes a morrer.
_Você nunca acreditou nessas coisas, mas ouça o que eu digo, em breve reencontrarei a sua mãe.
Fiquei preocupado e fui falar com Maria.
_A doença do seu pai, você sabe, é incurável, mas ele está muito bem no momento e o médico disse que não precisamos nos preocupar.
Contei a minha intenção de trazer Paulo para passar uns dias com eles, e como eu já esperava ela ficou radiante:
_Vou preparar todas as coisas gostosas de que ele gosta! Vou fazer brigadeiro, bolo de chocolate, torta de morango...
Eu ri com o seu entusiasmo e dei-lhe um forte abraço agradecido.
Naquela mesma tarde liguei para Sofia e falei das minhas intenções.
_Por mim tudo bem, Vinícius, vou falar com o Sérgio, nós temos mesmo que ir resolver algumas coisas em São Paulo. Ligo para você ainda nesta semana.
_Isso é ótimo, você nem imagina o quanto me deixou feliz.
_Obrigada por ter dado um tempinho nas ligações.
_Tudo bem. Agora eu posso falar com o Paulo?
_Ele saiu com o Sérgio, foram pescar.
_Ah... Que legal...
_Não fica com ciúmes, Vinícius.
_É inevitável, mas fico feliz que você tenha encontrado um cara legal e que goste do nosso filho.
_Ele gosta muito do Paulinho e sabe da importância que é para ele a presença do verdadeiro pai na sua educação.
Depois daquela conversa sentia-me aliviado, parecia que as coisas iriam melhorar.
Segunda-feira chegou com aquele ar de "quero o meu Domingo de volta" mas a expectativa positiva de ver novamente o meu filho, fez o dia ser mais leve. Na quinta-feira quando cheguei em casa, quase liguei para Sofia, mas como ela disse que ligaria, achei melhor não. Sexta-feira eu não conseguia me concentrar no serviço. Ao final do dia voei para casa e fiquei olhando para o telefone. Quando já fazia o movimento para pegar o aparelho este tocou.
Era Maria, e chorando. Meu pai estava internado num hospital e em estado grave.
Passei três dias e três noites angustiantes até que ele recuperou a consciência e me chamou para falar.
_Filho eu sabia que minha hora estava próxima.
_Não pai, você melhorou e o médico disse que em breve poderá passar para um quarto.
Meu pai me olhou de uma forma que nunca vou esquecer. Ele estava sereno e tinha um sorriso misterioso nos lábios, seus olhos brilhavam e eu tive a impressão de que ele estava recordando algo maravilhoso!
_Vinícius, eu vi a sua mãe e conversamos horas e horas! Ela disse que estou voltando para reencontrá-la daqui a seis dias! Eu estive num lugar lindo e vi outras pessoas também. Vi o seu avô Cláudio e a tia Marta. Não tenho mais medo da morte, meu filho...
Meu pai não estava delirando, disso eu tinha certeza, mas lembrei que por aqueles dias os cientistas tinham muitas teorias para explicar esse fenômeno. Afinal, o cérebro humano ainda era um grande enigma.
Mas guardei tais pensamentos comigo, pois meu pai estava muito feliz e tranqüilo por causa daquelas "visões".
No dia seguinte consegui falar com Sofia que disse chegaria em São Paulo naquela noite.
Revi o meu filho e a alegria só não foi maior devido ao estado de meu pai que entrou em coma. Mas quando os médicos já não tinham mais esperanças, no nono dia desde a sua internação, ele melhorou como que por encanto e pôde abraçar o neto e conversar comigo.
Se eu fosse religioso, diria que foi Deus que permitiu aquela recuperação repentina, apenas para que meu pai pudesse se despedir do neto. Porque como havia profetizado, após seis dias de revelar que havia visto a esposa, morreu horas mais tarde.


Livros e mais Livros

Sofia permitiu que Paulo ficasse comigo e com Maria na casa de meu pai. Após três semanas eles foram embora, eu dispensei a bondosa Maria e coloquei uma placa de "aluga-se" em frente da casa.
Quantas recordações traziam-me aqueles cômodos, móveis, em fim, a casa toda e até o bairro...
Eu cresci ali e só saí para casar com Sofia.
Após passar mais alguns dias sozinho na casa, voltei para o meu apartamento de um dormitório, comprado após a separação e meti a cara nos livros. Sim! Pode acreditar, tornei-me um viciado em literatura. Comprei vários livros sobre religião, filosofia, biografias, romances, e comecei um caso de amor com as letras que duraria pelo resto da minha vida.


Adélia

Finalmente depois de muito relutar resolvi ir até a casa das crianças com câncer. Aquela situação enchia-me de indagações. Era um dos pontos centrais da minha descrença num poder superior. Porque um Deus permitiria tanto sofrimento em criaturas tão jovens e puras?
Chovia muito e o trânsito estava péssimo quando saí do trabalho, todo aquele caos quase demoveu minha idéia, mas a voz interior insistiu:
"Não arrume desculpas, você quer ir, você precisa ir! E o trânsito sempre está caótico nesse horário".
O bairro não era muito longe, mas eu não conhecia o lugar e não tinha muita gente na rua com aquele aguaceiro todo, para que eu pudesse pedir informação. As ruas eram estreitas e mal iluminadas, pensei que acabaria chegando muito tarde e encontraria a casa fechada.
De repente, para completar a lista de problemas, a energia elétrica acabou no bairro.
_Ótimo! Agora só falta furar um pneu!
Estacionei e liguei o rádio, só restava esperar e torcer para a eletricidade voltar logo.
Esperei, esperei, esperei... Impaciente comecei a falar sozinho:
_Viu só no que dá não ouvir a voz da razão! Agora eu poderia estar enrolado no meu endredon lendo um bom livro!
"Você desiste muito depressa".
_Essa voz... Droga, estou ficando louco! Já começo a achar que esses pensamentos não são meus, de quem mais seriam então? Do meu anjo da guarda?!
Ri gostoso do que acabara de falar.
_Eu não desisti ainda, só estou esperando a energia voltar!
Adiante algumas luzes acenderam-se.
_Ótimo! Já é alguma coisa!
Dirigi lentamente em direção daquelas luzes.
A chuva apertou e ficou impossível enxergar o número das casas. Era melhor estacionar, mas decidi que voltaria para o meu endredon. Não continuaria procurando naquela noite infernal, deixaria para um dia mais tranqüilo. E não tinha voz interior que mudaria a minha vontade! Avancei uns poucos metros e novamente as luzes das casas e postes apagaram-se. Fiquei furioso, mas fui obrigado a parar outra vez.
Talvez uma hora ou mais tenha se passado, até que todas as lâmpadas do bairro ascenderam-se e o meu queixo caiu com o que vi: Bem do meu lado, a dois ou três metros, uma casa térrea exibia uma faixa onde lia-se: "Casa Dna. Adélia para Crianças com Câncer". Era a casa que eu estava procurando!
Tinha uma pequena garagem coberta, protegida por um portão de grades entreaberto. Corri para proteger-me da chuva e entrei na garagem. Do lado esquerdo, um corredor iluminado por uma fraca luz azul ia dar numa porta de madeira. Estava tudo muito quieto, deviam estar todos dormindo.
Ressabiado, bati duas vezes na porta e logo uma criança carequinha colocou a cabeça para fora.
Em seguida uma voz repreendeu o garoto:
_Pedro, quantas vezes eu já disse para você não abrir essa porta!
Uma jovem de uns vinte anos surgiu e encarou-me.
_Se for possível eu gostaria de conhecer a casa, mas acho que está tarde, eu posso voltar amanhã.
_Realmente o horário de visitas já passou, mas não tem problema.
Ela abriu a porta e levou-me até um pequeno escritório. A criança agora no seu colo não tirava os olhos de mim.
_Qual o seu nome senhor?
_Vinícius.
_Eu vou chamar a Sandra que é uma das responsáveis pela casa, eu sou apenas mais uma das mães que moram aqui com suas crianças doentes. Meu nome é Vera e esse é o meu filho, Pedro.
_Olá Pedro, meu nome é Vinícius.
Ele sorriu timidamente e escondeu o rosto entre as mãos.
O que se seguiu depois não é fácil descrever com palavras. Após contar toda a história da instituição, que tinha sido fundada a mais de vinte anos por uma senhora chamada Adélia e que tinha perdido um filho por causa do câncer, Sandra mostrou-me todos os cômodos da casa. Na maioria dos quartos as famílias estavam dormindo, mas reparei que quase todas as crianças eram carequinhas por causa da quimioterapia.
Algumas tinham manchas vermelhas no rosto e no corpo inteiro, que me deixavam amargurado.
Sandra me explicou que a maioria vinha do Nordeste para tratarem-se no Hospital das Clínicas e ficavam morando na casa até o final do tratamento. Contou-me da dificuldade de manter a casa, comprar alimentos e os remédios para as crianças que eram muito caros. E não tinham só que se preocupar com os pequeninos, mas também com os pais que moravam lá e precisavam se alimentar também.
Senti-me impotente e envergonhado. Envergonhado por tantas vezes reclamar da vida, que era muito boa se comparada àquelas vidas tão novas e ameaçadas. E eu tinha um filho saudável e eu também tinha saúde.
Voltamos para o escritório e perguntei sobre a velhinha que havia me dado o endereço da casa. Como eu não sabia o nome, descrevi-a, mas Sandra sorriu e disse que com aquela descrição haviam no mínimo umas dez pessoas entre administradores e voluntários. Mas no momento nenhum deles se encontrava na casa, só no dia seguinte bem cedo.
Foi quando levantei-me para me despedir, já prometendo voltar outro dia, que vi um retrato atrás da cadeira onde eu estivera sentado. Era o retrato da velhinha do metrô!
Quase gritei:_ É ela!
Sandra olhou-me desconfiada.
_Foi ela quem me deu o endereço daqui. Como ela se chama?
_Adélia.
_E ela virá amanhã?
_Impossível
_Por que?
_ Foi ela quem fundou essa instituição e... ela morreu a doze anos atrás.


Primeiras Revelações

Um mês depois eu estava num ônibus quando Dna Adélia "apareceu".
Eu tremia inteiro.
Ela disse ironicamente:
_Ainda bem que não apareci no seu apartamento, senão você morreria de susto!
Fechei os olhos e rezei para que quando os abrisse novamente, ela tivesse sumido, mas quando olhei ela ainda estava do meu lado e tricotando algo que parecia ser um gorro.
_Sim meu filho, é um gorro que estou quase terminando. Se você quiser posso fazer um para você, esse já tem dono.
Respirei fundo e falei tão baixo que quase não escutei minhas próprias palavras:
_Você está... está... morta?
_Claro que não, oras, não está me vendo, eu pareço estar morta? Mortos tricotam?
_Mas, mas...
_Eu sei, eu estava lá quando você viu o meu retrato e a Sandrinha disse que eu já tinha partido dessa para melhor. É, como dizem, eu morri, mas a morte não existe, apenas deixei a carcaça para trás...
Olhei para os lados para ver se as pessoas em volta me observavam.
_Não se preocupe com elas pois não podem me ver, nem nos escutar. Na verdade, nós estamos conversando através do pensamento, eu plasmei uma situação em que você tem a impressão de estar usando as cordas vocais, mas aos olhos das outras pessoas, você não está nem mexendo os lábios.
_Plasmou? O que é isso?
_Você tem muito o que aprender, calma que logo compreenderá tudo o que está acontecendo.
_Mas por que tudo isso, por que eu?
_Você tem uma sensibilidade, uma certa facilidade que trouxe com você, tudo isso estava programado a muito tempo. E embora você não se recorde, nós já nos conhecemos de outras vidas.
_O que?!
_Eu sei que você não acredita nisso, mas você também não acreditava em vida após a morte e eis que estou aqui falando com você.
_Isso é coisa da minha cabeça, uma alucinação!
_Eu já esperava por essa sua reação. Os homens preferem enumerar milhares de explicações estapafúrdias ao invés de enxergar a realidade. Vinícius, você lembra-se da primeira vez que nos falamos no metrô?
_Lembro, o que é que tem?
_A Sofia também me viu, lembra-se? Foi quando vocês se conheceram. Eu fiz aquilo propositadamente, eu sabia que futuramente teria que provar que você não estava louco ou coisa do gênero. Agora pegue o papel que dei para você e está no seu bolso.
Fiz o que ela pedia e entendi o que queria dizer. O papel com o endereço da instituição para crianças com câncer, era outra prova de que Dna Adélia era bem real.
_Está certo, você é real, mas ainda sim estou com medo.
_É natural, com o tempo você se acostuma, se fosse eu no seu lugar também sentiria medo, apesar que quando encarnada, eu lia muito à respeito de vidas passadas e sobrevivência da alma após a morte. Enquanto que você nunca se interessou por esses assuntos.
_E agora, o que acontece?
_Agora você precisa sair desse ônibus e ir trabalhar, depois conversamos com mais calma.
Levantei apressadamente para dar o sinal, porque já estava quase passando do ponto. Quando olhei novamente Dna Adélia havia desaparecido.
Doei minha cesta básica para a instituição de Dna. Adélia e todo o mês ia lá para levar a doação. Com o tempo passei a contar histórias para as crianças e acabei me afeiçoando a várias delas.
Quase sempre Sandra perguntava-me se eu continuava a ver Dna. Adélia. Seguindo as próprias recomendações dela, eu dizia que não.
Passei a vê-la quase todos os dias. Para não me assustar, no começo ela utilizou um método muito bom. Aparecia primeiro enquanto eu dormia ( nos meus sonhos) e conversava comigo durante um tempo, alertando-me que eu acordaria e ela estaria comigo. Quando eu acordava, ela realmente estava no quarto, sentada na cadeira em frente a escrivaninha. Mesmo assim eu ainda tremia um pouco, depois me acostumei.


Curso Espiritual

No início eu despejei uma tonelada de perguntas, mas a única coisa que ela me disse, foi que eu tinha uma missão muito importante a cumprir. Eu receberia uma espécie de curso espiritual que me prepararia para trabalhar em benefício dos mais necessitados. Disse também que eu teria que cumprir um programa rigoroso, onde qualquer regra quebrada poderia me causar sérios problemas. Eu teria que abdicar de muitas coisas que no mundo material me eram caras. Foi então que entendi porque Adélia me contara sobre a vida de Santo Agostinho. Depois ela me contaria mais casos de renúncias semelhantes ao do Santo da igreja católica. Eram centenas de outros casos de pessoas desconhecidas, que passavam pelo mundo semeando o bem, na maioria ignoradas, anônimas, mas que eram recebidas como heroínas na pátria espiritual.
Por fim, completou dizendo que a vida não era uma "caminhada sem rumo" como eu costumava dizer, mas que o rumo era certo, e que sempre caminhamos para a evolução. O problema era que muitos estacionavam e permaneciam muito tempo no mesmo lugar. O meu caminho era aquele, embora eu pudesse não acreditar, tudo estava planejado desde antes de eu nascer, mas eu tinha o livre arbítrio para decidir se queria ou não continuar. Foi assim que me tornei o que costuma-se chamar de "médium".


Primeira Viagem Astral

_O que é isso Adélia?
_Viagem astral é quando o espírito sai do corpo e permanece consciente de tudo o que está acontecendo à sua volta e quando retorna, relembra tudo o que aconteceu enquanto esteve fora da veste carnal. Eu já lhe contei que todas as pessoas encarnadas saem do corpo todas as noites, mas são poucos os que recordam com clareza o que lhes aconteceu. Hoje vou levar você para um lugar no plano espiritual. E quando retornarmos você se lembrará de tudo.
_Para onde vamos?
_Deite-se e relaxe que você vai ver.
Obedeci no que se referia a deitar, quanto a relaxar a estória foi diferente. Mesmo assim, logo após Adélia colocar sua destra na base da minha cabeça, senti-me mais leve, como se estivesse levitando.
_Agora Vinícius, abra os olhos e levante-se da cama.
Levantei-me e Adélia pediu para que olhasse para trás: Vi o meu corpo deitado na cama.
_É isso o que acontece quando morremos?!
_Quase isso, na verdade você não se desligou totalmente, repare que existe um fio prateado ligando seu espírito ao corpo. Mas de certa forma não deixa de ser uma morte. As pessoas morrem todas as noites e mesmo assim a maioria tem medo da passagem...Agora vamos, sei que tens várias perguntas fervilhando em tua mente, mas uma outra hora esclareceremos tudo. Não há pressa e certas questões não precisam ser respondidas já, afinal, somos eternos, não é?
Olhou-me de um jeito maroto, provavelmente tentando me descontrair, mas eu estava muito ansioso. "Para onde iríamos?"
_Venha, vamos logo, senão você vai ter um ataque do coração!
_Falando em ataque, Adélia, é possível meu corpo morrer enquanto nós estivermos fora?
_Não é impossível, mas muito raro, a não ser que seja a sua hora meu amigo, mas lhe garanto que não é. Agora me diga como você está se sentindo fora do corpo?
_Muito bem! Uma sensação de liberdade muito grande! Sinto que todos os meus sentidos estão mais aguçados! Agora tenho a impressão que o meu corpo não passa de uma carga muito pesada e que sou obrigado a carregar todos os dias. Estou mais leve, as idéias mais claras e o pensamento mais organizado!
_Ótimo! Agora dê-me a sua mão.
Mal apertamos as mãos, Adélia atravessou o teto e em segundos estávamos a uma altitude tremenda!
_Está com medo?
_Não, acho que já estou me acostumando com grandes altitudes, não é a primeira vez...
_Olhe para baixo.
Olhei e vi a Terra ficando para trás, pude ver a curvatura do globo até que paramos de voar.
Não pude conter a surpresa ao verificar que caminhávamos em terra firme. Adélia prontamente esclareceu o meu pensamento:
_Estamos adentrando no limiar do plano espiritual, próximo da crosta terrestre. Após esse primeiro plano, existem outros mais elevados, cada vez mais sutis... Esse plano em vários aspectos ainda é muito semelhante ao terrestre.
_Literalmente, estamos no céu?!
_Não Vinícius, creio que logo mudará de opinião.
_Adélia, se possível gostaria que você me poupasse de surpresas, não poderia me adiantar alguma coisa?
_Perceba o solo em que pisa, olhe à sua volta, sinta o ambiente e diga-me, o que você vê?
_O solo está enlameado, não há árvores nem flores, apenas alguns arbustos retorcidos e desfolhados, está tudo numa penumbra e sinto um peso sobre a minha cabeça.
Conforme avançávamos ficava mais escuro e fiquei com medo.
_Afinal, que lugar é esse?
_Estamos no astral inferior, é uma região vibracionalmente mais densa, onde as almas que aqui se encontram sofrem as consequências dos seu abusos quando encarnadas na Terra.
_Então é o inferno?!
_Não como você ouviu falar, muito menos foi Deus quem o criou para punir os homens. Primeiro porque Deus não castiga, senão teríamos que partir da premissa de que ele se ofende, então não seria Deus! Ainda muito longe da compreensão do que seja essa força criadora, os homens tem a mania de conferir ao Pai supremo, qualidades e defeitos humanos.
Também não adianta procurar o diabo por aqui, pois o diabo é o próprio ser humano e suas tendências animalescas. Tudo é questão de vibração no cosmos. Os iguais se atraem tanto aqui como na Terra: O ladrão é amigo dos ladrões, o assassino dos assassinos, da mesma forma que a pessoa de bom caráter, atrai para o seu circulo de amizades outras pessoas de bom caráter. A alma Vinícius, é como um instrumento musical, quando afinada com as leis divinas, pode tocar belíssimas melodias, mas quando desafinada, produz um som distorcido. Esse lugar é um lugar onde as almas desafinadas são atraídas devido a sua própria natureza, seus pensamentos distorcidos.
_Compreendo.
Pensei quantas novidades, quanto a aprender! Como me enganei à respeito da vida. Em poucos minutos estava aprendendo mais do que tinha aprendido em todos esses anos de vida.
_Como pude ser ateu?
_Vinícius, isso não é importante. Apesar de não crer numa força superior, você sempre foi uma alma boa e afinada com as leis divinas. Teve seu deslizes como todos nós tivemos um dia... Não é preciso uma religião para se viver corretamente sobre a égide das leis divinas. Para Deus importa o que você faz de bom e não o que você diz que vai fazer. Muitos ateus valem mais que milhares de religiosos que não passam de falsos profetas. O iluminado brilha, o teórico fala excessivamente*.
Adélia silenciou para que eu pudesse digerir o precioso ensinamento.
De repente escutei alguns gemidos e gritos lancinantes bem próximos. Passamos ombreando várias entidades sofredoras, algumas pareciam vultos negros, verdadeiras sombras, outras apenas pessoas comuns trajando farrapos ou semi nuas. Muitos estavam mutilados e com feridas que sangravam sem parar. Seus gritos tocavam-me fundo na alma.
_Chegamos, quero lhe mostrar uma pessoa.
_Eles não podem nos ver?
_Não, a não ser que eu queira para alguma finalidade útil. Somos para eles o que eu sou para você e as outras pessoas encarnadas na Terra, lá você só pode me ver quando eu quero. Da mesma forma que eu não posso ver os espíritos mais evoluídos a não ser que eles queiram.
Estacamos em frente de um senhor aparentando uns setenta e poucos anos. O homem gemia de dor e levava as mãos ao peito, do lado do coração que sangrava ininterruptamente.
Adélia abraçou-o com carinho e chorou copiosamente. Não sei como, mas talvez Adélia transferisse algum tipo de energia medicamentosa, pois logo ao abraçá-lo, o velhinho acalmou-se.
Depois ela olhou-me entre lágrimas e disse com a voz embargada pela emoção:
_Esse é meu irmão. Quando na Terra, foi meu irmão caçula. Éramos entre cinco irmãos e Roberto sempre nos preocupou a todos. Sempre metendo-se em encrencas acabou se envolvendo com pessoas sem escrúpulos. Virou traficante e um dia foi preso e ficou anos na prisão. Quando finalmente recuperou a liberdade, estava pior do que antes e matou uma pessoa. Voltou novamente para a prisão e anos depois, não agüentando mais viver no cárcere, conseguiu uma arma de fogo e suicidou-se com um tiro no coração. Dois anos depois quando eu desencarnei em condições completamente diversas da dele, procurei-o por toda a parte na colônia espiritual em que fui abrigada.
_Colônia espiritual?
_Sim, eu fui para um lugar muito bom, uma cidade do plano espiritual com vibrações mais elevadas e quando finalmente estava preparada para vê-lo, meus mentores trouxeram-me aqui. Apesar de avisada, foi um choque revê-lo em tais condições. Ele está assim a quase treze anos!
Não pude conter as lágrimas. Adélia concentrou-se e mais controlada iniciou uma oração inesquecível. Com as mãos estendidas para o alto pediu a ajuda celeste para o irmão doente.
Nunca antes eu tinha visto alguém rezar com tanto sentimento. E como que atendendo ao pedido comovido e sincero, uma luz azul vinda de mais alto caiu sobre Roberto iluminando-o.

André Luiz*

Sentindo-se aliviado ele acabou adormecendo no colo da irmã.
_Adélia, você está bem?
_Sim meu amigo, Deus nunca desampara seus filhos. Ele não quer que ninguém se perca.
_Quando Roberto poderá ir para um lugar melhor?
_Quando as suas energias se reequilibrarem novamente. Ele morreu antes do tempo certo e por isso só o tempo poderá rearmonizar a sua alma e queimar os resíduos mentais nocivos de sua mente. A cena do suicídio não cessa de rodar em sua mente, ele não compreende como pode estar vivo, ele sente-se vivo e ao mesmo tempo sente o peito queimando de dor e isso confunde-o, fazendo sentir-se culpado pelo ato impensado.
_Porque você não aparece para ele, isso não lhe traria conforto?
_Pelo contrário, a vergonha aumentaria o seu sofrimento. Assim que puder ser socorrido, uma equipe de abnegados espíritos virá socorre-lo e o levarão para uma colônia espiritual onde irá se recuperar completamente e iniciar os estudos para uma nova reencarnação. Mas isso é um assunto para outra hora. Voltemos para a Terra.
Quando acordei Adélia estava ao meu lado sorrindo. Eu recordava tudo. Então um pensamento ruim me assaltou: "Onde estaria o meu pai e a minha mãe? Estariam bem, num lugar de paz? Quando poderia revê-los?"
_Seu pai e a sua mãe estão muito bem Vinícius, é só o que posso dizer... No momento não é permitido que vocês se vejam.
Fiquei feliz em saber que meu pai e minha mãe estavam bem e que talvez eu pudesse encontrá-los.
Adélia pediu-me que refletisse sobre tudo o que havia visto, beijou-me a face e despediu-se.


A Segunda Viagem Astral

Na noite seguinte aconteceu minha segunda saída consciente do corpo.
_Para onde vamos hoje, para alguma colônia, ou voltaremos àquele lugar?
_Nenhuma coisa, nem outra. Vamos caminhar um pouco pelas ruas de São Paulo, há muito o que se ver e aprender.
Nos dirigimos em direção ao centro da cidade com tamanha velocidade que eu nem via por onde passávamos. De carro levaria uns trinta minutos, mas chegamos em três minutos.
O lugar estava bem movimentado! Não consegui disfarçar a surpresa: Centenas de espíritos caminhavam lado a lado com os encarnados. Muitos tinham a aparência desagradável como os da noite anterior. Faziam gestos cômicos, espalhafatosos, muitos brigavam entre si e o barulho era ensurdecedor. Era uma verdadeira algazarra. Subiam em cima dos ônibus em movimento, nos carros, pulavam e berravam. Em frente de um bar muitos pareciam alcoolizados como os encarnados.
Adélia interrompeu-me os pensamentos:
_Sim Vinícius, estão realmente sob o efeito da bebida. Lembra-se que lhe falei sobre a atração entre os iguais? São os próprios encarnados que estão atraindo aqueles espíritos e mutuamente trocando energias viciantes. Muitos dos que morreram, eram viciados no álcool. Agora trocam energias com os encarnados através dos excessos da bebida. São como amigos que marcam um encontro para se divertirem. Ali estão fazendo o que mais gostam: Beber.
Adélia levou-me para vários lugares e muitas vezes o número de desencarnados era superior ao de encarnados. Não vimos apenas espíritos perturbados se confraternizando com os vivos que lhes atraiam as mesmas tendências. Mas também muitos outros espíritos iluminados que cumprimentavam Adélia respeitosamente.
_Quem são esses Adélia?
_São missionários que vem das esferas superiores, das colônias espirituais, para trabalharem em favor dos homens e dos espíritos mergulhados na ilusão e no sofrimento que vimos. Interessante meu amigo, é que muitos dos espíritos sofredores, sabem que já morreram e continuam cometendo os mesmos erros de quando eram vivos. O que prova que tudo está em nossa mente. Não é porque morremos que deixamos os vícios para trás. Ninguém vira santo de uma hora para outra, ninguém se agiganta moralmente só porque morreu. É por isso que muitos inconformados, quando chegam no plano espiritual em condições lamentáveis, ainda sentem-se no direito de exigirem o acesso aos planos mais elevados, esquecendo da advertência do mestre Jesus: " A cada um segundo as suas obras". Por isso também vemos aqui os espíritos do bem, que apesar da sua bondade e maior estatura moral, voltam à Terra para ajudar. Impossível ser feliz, viver num "paraíso" sabendo que vários irmãos padecem de sofrimento atroz na Terra. O trabalho é incessante Vinícius, o próprio Deus continua a trabalhar e nunca cessará, pois todo o Universo é movimento!
Cada dia com Adélia fazia a minha admiração aumentar. Que lições maravilhosas eu estava tendo, que oportunidades!
_Não se sinta privilegiado meu amigo. Quanto mais sabemos mais responsabilidades, você sabe disso. Muito será pedido a quem muito foi dado. Agora, que tal fazermos uma visitinha a um garotinho muito especial?
Pulei para Adélia e peguei-a no colo. Ela ficou sem graça e disse para irmos logo que não tínhamos muito tempo.
Em minutos estávamos na casa de Sofia e no quarto de Paulo que dormia profundamente.
Adélia aproximou-se dele e disse ao pé do ouvido:
_Meu querido, venha abraçar o seu pai.
Imediatamente o espírito do meu anjinho correu para os meus braços. Que saudade! Passamos a noite inteira brincando até que Adélia avisou que era hora de partir.
Vi Paulo voltar ao corpo e acordar animado. Foi correndo ao quarto de Sofia contar o sonho maravilhoso que tivera comigo.


Rumo ao Infinito

Minha querida amiga sumiu por uns tempos, disse que eu estava quase preparado para iniciar a minha missão e que em breve nos encontraríamos. Disse que eu seria uma ponte entre a Terra e o invisível. Através da minha mediunidade, Adélia ditaria livros para os encarnados, sobre a vida espiritual.
Continuei minhas visitas mensais à casa das crianças até que um dia encontrei Sandra chorando.
_O que aconteceu?
_O filho de Vera, Pedro, morreu ontem à noite...
Fiquei muito abalado, pois Pedro era o garotinho que mais se afeiçoara a mim e vice-versa.
Naquela mesma noite Adélia me visitou.
_Ei! por que essa cara triste?
_Acho que você já sabe.
_Sei e vim te buscar.
_Para que?
Então Adélia mostrou-me um gorro, o mesmo que estava fazendo quando nos vimos uma vez num ônibus. Estava pronto e pelo tamanho deveria ser para uma criança.
_Esse gorro era para o Pedro?
_É para ele, eu já sabia que ele partiria. Vamos, você quer ou não quer vê-lo, ele está numa linda colônia espiritual cercado por crianças.
_Vamos!
Para atingir a colônia tivemos que passar pela zona tenebrosa onde as mentes enfermiças amontoavam-se esperando auxílio. Próximos da colônia a paisagem foi modificando-se, flores surgiam aqui e ali, inúmeras árvores enfeitavam o caminho. Finalmente nos deparamos com um enorme muro e um portão de ferro. Ao adentrarmos meus olhos arregalaram-se tamanha a beleza do lugar. Indescritível! Quando me viu ao longe, Pedro correu na minha direção como sempre fazia e beijou-me o rosto inteiro. Brincamos como sempre e ele me fez um pedido antes que eu partisse:
_Diga para a mamãe que eu estou bem, para ela não chorar que eu sinto quando ela sofre e sofro também...
_Pode deixar meu anjo.
_Você volta?
Olhei para Adélia que fez que sim com a cabeça.
_Volto e vamos brincar muito!
Já no meu apartamento aconteceu o meu primeiro trabalho mediúnico. Adélia me ditou uma carta que o próprio Pedro ditara para ela com muitas referências sobre acontecimentos que só ele e a mãe poderiam saber. Quando entreguei a carta do filho para Vera, as lágrimas foram abundantes e eu nunca vou esquecer a cena. Ela não teve dúvidas, pois haviam certas passagens na carta, de conversas que ela tivera a sós com o filho num dos quartos da instituição minutos antes dele morrer.
_Deus lhe pague.
_Eu não fiz nada, fui apenas um instrumento.
De volta ao apartamento, encontrei Adélia olhando pela janela.
_Olá, a Vera ficou muito feliz.
_Eu sei, eu vi. Estou muito feliz por você também meu amigo, está progredindo rapidamente.
_Mas eu tenho muitas dúvidas ainda, sei que aos poucos irei aprendendo, mas uma coisa que você disse uma vez, não sai da minha cabeça. Você disse que nós já nos conhecíamos de outras vidas? O que nós fomos?
Ela olhou-me e o seu olhar transmitiu-me muito amor, vi uma lágrima de luz deslizar pela sua face enrugada e como que por encanto, aquelas rugas foram sumindo pouco a pouco. Uma transformação lenta seguiu-se na minha frente. Em instantes uma moça aparentando uns vinte e poucos anos veio em minha direção e pegando-me as mãos conduziu-me para o espaço.
Voamos até a lua e depois até plutão, depois até os sistemas mais distantes que os telescópios mais modernos ainda não podem abarcar. E enquanto passávamos por planetas, alguns habitados por civilizações avançadíssimas, orbes com dois ou três sóis, ou mundos ainda primitivos onde os primeiros passos do espírito eram dados rumo a transição entre o instinto e a razão, eu ia relembrando minhas vidas passadas, relembrando desde o nosso primeiro encontro séculos atrás, o nosso primeiro beijo, nossas aventuras, até os dias atuais.
E unidos pela alma, pelo verdadeiro amor universal, tínhamos a certeza de que nunca nos separaríamos e continuamos volitando pelo cosmos sempre juntos, rumo ao infinito...


Marcel de Alcântara

Uma existência é um ato
Um corpo - uma veste
Um século - um dia
Um serviço - uma experiência
Um triunfo - uma aquisição
Uma morte - um sopro renovador

André Luiz




















































































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