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Artigos-->CLAUSURA - Diálogo curioso entre dois prisioneiros -- 10/01/2002 - 23:17 (denison_obras selecionadas) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O corredor do presídio estava vazio e silencioso, como de costume, quando um pequeno murmúrio, seguido de passos definidos, invadiram o espaço, animando-o.

João Carlos pôs a cabeça colada à grade e ficou atento ao acontecimento; era um novo prisioneiro que havia sido posto na cela ao lado, conduzido pelos mesmos guardas que trancaram João ali há dois anos.

Durante três horas João ficou atento e o novo inquilino nada dizia. Silêncio absoluto.



João: Olá, companheiro... ( Nenhuma resposta...João colocou a boca para fora da cela e falou com mais determinação ) O que fizeste para estar aqui ao meu lado? Eu...que matei e roubei várias vezes...você não parece um bandido qualquer...



Olavo: ( colocando o rosto colado à grade da cela onde estava ) Meu nome é Olavo e não sou bandido. Seria muito fora de moda ser um bandido. Eu não fiz nada demais que valha um comentário.



João: Então está no lugar certo. Se tivesse cometido algo demais estaria no Congresso.



Olavo: Bem...se quer saber...eu tenho uma rotina normal.



João: Que prosaico...tens filhos?



Olavo: Um monte...não sei quantos...como todo homem, mas nunca me casei.



João: Deve morar só, ter várias namoradas de pouca idade e possuir um cão em casa como amigo.



Olavo: Odeio animais de estimação...são um tanto quanto previsíveis. Prefiro as namoradas de pouca idade... são mais escandalosas, desobedientes e sensacionais.



João: Entendo...você é alguém original...um escritor, talvez.



Olavo: Mas, meu caro, os escritores, pelo menos os modernos, são as pessoas menos originais que há em nossa sociedade.



João: E quem é, nos dias de hoje, que podemos chamar de original? Os políticos?



Olavo: Oh, creio que não. Eles nem sequer sabem mais mentir...deixaram este ofício para as organizações não - governamentais; os cientistas compõem a comunidade mais criativa e original nos dias de hoje, pois a cada dia inventam uma nova doença ou descoberta inútil. Há também os terroristas, mas não são tão anti-sociais quanto aqueles.



João: Deve gostar de se manter informado, imagino. Poderia nos ajudar em um abaixo-assinado para colocarem uma tv aqui no corredor.



Olavo: Para que? O corredor já não é o bastante triste e desanimador? Além do mais eu nunca acreditei nessas ridículas listas; ninguém as lê por completo e com seriedade.



João: Mas o que se lê hoje por completo e com seriedade? Se assim fosse, a Internet seria algo impossível, pois ela depende exatamente do fato de hoje em dia ninguém querer ler nada por completo e com seriedade.



João: Ainda assim acho a tv algo trivial e cada vez mais realista; o que é a mesma coisa.



João: Mas poderíamos saber o que ocorre com a nossa sociedade através do Telejornal.



Olavo: Por favor, não seja tão ingênuo. Se queres saber o que ocorre com a nossa sociedade, assista as telenovelas. Os jornais apenas enchem linguiça. Cada vez mais parece real e chato o que eles mostram.



João: Mas nada nas telenovelas é real. Até mesmo a iluminação não me convence. Quer me dizer que essas narrativas traduzem o que a sociedade é, de fato?



Olavo: Não disse isso. Apenas quis dizer, meu caro, que as telenovelas mostram para a sociedade o que usar, como falar e quem odiar...a sociedade é o reflexo das telenovelas e não o contrário.



João: Interessante seu ponto de vista, então acha que o Rio de Janeiro dita a cultura deste país?



Olavo: Mas este país não tem cultura, meu caro amigo. Villa-Lobos, por exemplo, não é um compositor brasileiro, como lhe ensinaram...ele é francês. Uma reencarnação de Debussy em seus piores momentos com paranóia de que é Bach.



João: E Machado de Assis?



Olavo: Um Dostoievsky gripado.



João: Você é terrível. Gostei de você. Agora sei porque está aqui.



Olavo: Você é inocente. Gostei de você. Sempre soube, desde o início, porque está aqui.



João: Você nunca se cansa de ser áspero? Vamos conversar sobre algo edificador. Ontem assistimos um filme de Eisenstein no refeitório. Às vezes tem cinema arte aqui.



Olavo: Pelo amor de Deus. Os filmes de Eisenstein – assim como a maioria dos filmes russos – estão mais para documentário do que para arte. Que graça tem em assistir, numa tela, toda uma ridícula realidade passear perante seus olhos, sem o mínimo de inventividade?



João: E os filmes franceses? Gosta?



Olavo: São intelectuais demais! Experimentais demais! É impossível conviver com eles.



João: E os italianos?



Olavo: Barulhentos demais! Aquilo é circo! Aquele erotismo enjoado e a falta de ética deixada pelo Catolicismo, nos filmes italianos, me lembra a alegria gratuita do povo da Bahia...me irrita! Eles são alegres sem ter o porquê. É impossível conviver com eles.



João: Não seja assim tão exigente. O cinema europeu é respeitado.



Olavo: Pior ainda. O progresso vem exatamente da total falta de respeito por algo. Entre uma novela da Globo – histérica, surrealista, impossível – e uma novela da Manchete – real, bucólica, calma, simples, sem maiores intrigas – você prefere qual?



João: Você venceu. Aliás você sempre deve vencer em um diálogo, devido à sua persistência. ( neste momento, entra um guarda com a refeição dos presos. )



João: Nossa! Feijão, arroz e galinha de novo. Como tenho saudades da cozinha japonesa.



Olavo: Eu, particularmente, detesto qualquer prato que tenha mais de 4 cores.



João: Pois a comida japonesa é bem mais natural do que essas refeições temperadas...



Olavo: Eu, particularmente, detesto tudo que é natural. Entre o perfume em um frasco e as flores naturais, prefiro o frasco. A natureza, além de ter uma medida incontrolável, é um tanto quanto desconfortável. Em relação às coisas, prefiro o calculável, e, em relação às pessoas, prefiro as imprevisíveis e neuróticas.



João: Eu prefiro as pessoas boas como amigas.



Olavo: Meu caro, ninguém é bom ou ruim, as pessoas têm estilo ou são chatas.



João: Você prefere as pessoas com estilo? Isso não cheira a superficial?



Olavo: A vida é boa quando não se aprofunda em nada. Eu adoro a superfície. Essa coisa de beleza interior é algo que não existe. Gostamos do estilo de determinada pessoa. E apenas isso. Chame como quiser...charme, jeito de ser, gesto...veja bem...qual a diferença entre uma bela recepção e uma prosaica festinha de bairro? É o estilo. Por isso os novos ricos são ridículos, pois não têm estilo. Uma pessoa com dinheiro é atraente, mas sem estilo, não é tão envolvente. E as pessoas querem vida envolvente, quente, interessante, vivaz...isso só o charme, o estilo, o capricho e o bom gosto é que podem nos oferecer.



João: É...pode ser...e, para você, isso depende de educação? Como perceber se alguém tem estilo ou não?



Olavo: Não depende de educação. Nada depende da educação. Só a burrice. A pessoa que não tem estilo acorda cedo, pois tem muito o que fazer e dorme cedo, pois não tem muito o que falar. As pessoas de estilo só podem ser encontradas entre os funcionários públicos, a alta sociedade ociosa e os artistas de fama. Os trabalhadores são pessoas com total falta de estilo e criatividade.



João: ( Pensativo ) Mas é sério que não gosta de Telejornais?



Olavo: São muito previsíveis.



João: Como os cães...



Olavo: Os cães são mais criativos e fingem de uma forma mais convincente.



João: Estou com sono...tem algum livro para eu passar o tempo?



Olavo: Se quer um livro para passar o tempo vou lhe dar uma obra de Proust.



João: Gosta de livros?



Olavo: Somente dos finos. Os romances de 2 volumes me irritam. Os livros finos, em poucas páginas, contam mil mentiras essenciais à vida prática e possuem um milhão de temas. Os grossos se resumem a dar voltas nauseantes sobre um mesmo assunto, dão muito mais trabalho de ler e o final nunca compensa este trabalho. Nunca releio um livro grosso. E se não vale à pena reler algo, não vale à pena ter lido uma vez, não é verdade?



João: Pode ser. Outro dia li uma biografia de Napoleão. Excelente! Aquele eu vou reler!



Olavo: Eu não leio biografias. São nojentas e insensíveis! Normalmente os autores modernos procuram ser os mais realistas possíveis em trabalhos biográficos, procuram dizer toda a verdade sobre a pessoa pesquisada, com toda seriedade possível, provas, testemunhas e tudo o mais. Parece uma investigação policial. O leitor sensível gosta de lendas, mitos, escândalos inventados. No fundo, ninguém leva uma biografia à sério, só se ela for recheada de absurdos, mentiras e invenções.



João: E quanto à crítica de arte, ensaios?



Olavo: Os ensaios são interessantes, porque são completamente absurdos e impraticáveis. Reflete a loucura do autor e isso é criativo, é bom. Eu gosto. Quanto à crítica, eu acho a maior manifestação artística possível. O crítico recria, em forma literária, qualquer forma de arte, seja ela pictórica, dramática, musical ou arquitetônica. A crítica é, mais do que tudo, a tão sonhada unidade na arte. Muito mais do que a ópera.



João: Falastes em ópera...gostas?



Olavo: Eu adoro a música, muito mais do que a literatura, portanto detesto óperas.



João: Mas há música nas óperas...



Olavo: Mas onde? Atrás de tudo o mais? Primeiro há a indumentária, o cenário, a atuação, a história - que coisa horrível a música ter que se submeter a uma história – o libreto, a dança, os açougueiros e histéricas que entopem o palco...francamente...qual a importância da música? A orquestra fica escondida num poço...talvez para que a música não interfira o que há de mais importante na ópera, que é tudo menos música.



João: Você é radical.



Olavo: Eu não inventei o mundo. Não tenho que aceitar tudo o que vem ao longo da história como sendo algo bom ou razoável. A educação serve exatamente para guiar a pessoa ao longo das coisas que menos interessa. Por isso a escola é um lugar tão chato.



João: Talvez seja mais divertido estar aqui... ( Fala bocejando ).



Olavo: Aqui somos, no mínimo, mais livres.



João: ( Espreguiçando ) Bem, foi realmente um prazer te conhecer. Seja bem vindo. Eu acho que vou tirar um cochilo.



Olavo: Não há de quê.



( Entram em suas celas e dormem ).





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