Como o mundo dá voltas
Carlos Claudinei Talli
Dia destes eu assisti a uma dessas mesas redondas sobre futebol na TV, e nela estava presente o vitorioso técnico Paulo Autuori. Resultados do Grêmio fora de casa à parte, onde só empatou dois jogos e perdeu o resto, que cara inteligente é esse Autuori, e como conhece futebol. É um dos poucos treinadores nacionais que consegue sair da mesmice que nada acrescenta.
E eu percebi que os seus conceitos sobre futebol batem muito com os nossos. Principalmente sobre o que há muito convencionamos chamar de ‘uma excrescência do futebol’, a ‘brilhante invenção’ chamada ‘ala’.
No tempo em que futebol era Futebol, com F maiúsculo, em absoluto dando uma de saudosista, os alas modernos não teriam a mínima condição de jogar profissionalmente. No máximo poderiam ser usados na beira do campo, como gandulas, médicos ou massagistas. Dentro das quatro linhas, e com o jogo em andamento, em hipótese alguma.
Em outros artigos anteriores eu já fizera algumas perguntas sobre esse tema. Qual é a função do ala moderno? Qual é o objetivo de um time que joga com três zagueiros e dois alas? Eles têm função ofensiva ou defensiva? Ou as duas?
E, como essa nossa conversa não é uma via de duas mãos instantânea, me apressara em responder: na nossa modesta opinião, a grande qualidade dos alas modernos é a sua condição física, verdadeiramente a de um maratonista de alto nível. Mas não devemos nos esquecer de que dentro das quatro linhas, o jogador tem que jogar futebol. Nada mais que isso. Aliás, nos tempos idos, uma das primeiras lições aprendidas por um boleiro que se prezasse era aquela máxima: ‘ no futebol, quem tem de correr é a bola’!
Pois bem, na discussão em que o Paulo Autuori participou na TV, ele repetiu todas essas colocações e acrescentou mais algumas. Por exemplo: que o seu time em hipótese alguma vai optar por jogar no 3-5-2, com três zagueiros e dois alas. Na opinião dele, jogando com três zagueiros e dois alas, as opções táticas ficam enormemente diminuídas. E, mais importante e grave: como os alas geralmente não têm a qualidade técnica de um ponta autêntico, e nem a eficiência defensiva de um bom lateral direito, o cobertor desse tipo de jogador sempre fica extremamente curto. Isso exige que os dois volantes deixem de jogar, para cobri-los, o que dificulta a saída de bola que um meio de campo produtivo sempre deve ter. É, caros amigos, olhem só o estrago perpetrado.
Para compensar a extrema dificuldade que os alas apresentam para chegar à linha de fundo com qualidade, eles têm uma tendência natural para cair para o meio, afunilando o jogo e ocupando o lugar dos meias, tanto do meia armador quanto do meia ofensivo, que seriam os responsáveis pela criatividade do time. Meus caros amigos, olhem só a confusão tática que esses pseudo-jogadores provocam no futebol moderno! Eles transformam o meio de campo, que deveria pensar o jogo, numa balburdia só.
Até aqui, a análise do excelente Paulo Autuori bateu em gênero, número e grau com o que nós pensávamos desse tipo de jogador.
Agora, para complementar as suas colocações, ele lembrou uma coisa que nunca tinha passado pela nossa cabeça. Nós achávamos que o prejuízo causado pelos alas modernos ia até o que foi colocado acima. Mas, a coisa é ainda mais séria: o Autuori acrescentou que nas categorias de base dos clubes, com o surgimento dos famigerados alas, não se formam mais laterais autênticos, aqueles que sabiam defender e só iam ao ataque nos momentos certos como o ‘elemento surpresa. Ainda, como conseqüência daquela tendência de afunilar o jogo e ocupar o lugar dos meias, meias armadores e meias ofensivos são duas espécies em extinção. Pasmem! Pode uma coisa dessas.
Não é atoa que no futebol brasileiro atual criatividade é o artigo mais raro. O jogo está se ‘emburrecendo’.
Ainda bem que no outrora chato e enfadonho futebol europeu existe uma tendência, desde a última Copa do Mundo da Alemanha, de privilegiar a presença de laterais autênticos e de volantes que saibam sair para o jogo.
Mais uma vez, pasmem, caros amigos.
A solução está vindo exatamente do lugar menos provável, do outrora pouco criativo e defensivo futebol europeu.
Como o mundo dá voltas!
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