A IDEAL COEXISTÊNCIA ENTRE A JUSTIÇA E A PECULIAR VIDA MILITAR
Mário Pimentel Albuquerque (*)
A hierarquia e a disciplina constituem, por assim dizer, a própria essência das forças
armadas. Se quisermos, portanto, preservar a integridade delas devemos começar pela
tarefa de levantar um sólido obstáculo às pretensões do Judiciário, se é que existem, de
tentar traduzir em conceitos jurídicos experiências vitais da caserna. Princípios como os da isonomia e da inafastabilidade do Judiciário têm pouco peso quando se trata de aferir situações específicas à luz dos valores constitucionais da hierarquia e da disciplina. O
quartel é tão refratário àqueles princípios, como deve ser uma família coesa que se jacta
de ter à sua frente um chefe com suficiente e acatada autoridade. E seria tão desastroso
para a missão institucional das forças armadas que as ordens de um oficial pudessem ser
contraditadas nos tribunais comuns, como para a coesão da família, se a legitimidade do
pátrio poder dependesse, para ser exercido, do plebiscito da prole.
Princípios democráticos são muito bons onde há relações sociais de coordenação, mas não em situações específicas, onde a subordinação e a obediência são exigidas daqueles que, por imperativo moral, jurídico ou religioso, as devem aos seus superiores, sejam aqueles, filhos, soldados ou monges. Se o Judiciário, por uma hipersensibilidade na aplicação dos aludidos princípios constitucionais, estimular ou der ensejo a feitos como os da espécie, pronto: os quartéis se superpovoaram de advogados e despachantes; uma continência exigida será tomada como afronta à dignidade do soldado e, como tal, contestada em nome da Constituição; uma
mera advertência, por motivo de desalinho ou má conduta, dará lugar a pendengas judiciais intermináveis, e com elas, a inexorável derrocada da hierarquia e da disciplina.
Da mesma forma que a vocação religiosa implica o sacrifício pessoal e do amor próprio – e poucos sãos os que a têm por temperamento – a militar requer a obediência incontestada e a subordinação confiante às determinações superiores, sem o que vã será a hierarquia, e inócuo o espírito castrense. Se um indivíduo não está vocacionado à carreira das armas, com o despojamento que ela exige, que procure seus objetivos no amplo domínio da vida civil, onde a liberdade e a livre-iniciativa constituem virtudes. Erra rotundamente quem pretende afirmar valores individuais onde, por necessidade
indeclinável, só os coletivos têm a primazia.
Comete erro maior, porém, quem, colimando
a defesa dos primeiros, busca a cumplicidade do Judiciário para, deliberadamente ou não,
socavar os segundos, ainda que aos nossos olhos profanos, lídimo possa parecer tal expediente e constitucional a pretensão através dele deduzida.
(*) Mário Pimentel Albuquerque, Procurador da República, em parecer constante do HC
2.217/RJ – TRF/2ª Região – Rel. Des. Federal Sérgio Correa Feltrin – j. em 25.04.2001
Fonte: Departamento-Geral do Pessoal (DGP), do Exército Brasileiro
|