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Discursos-->Delírios da urbe -- 24/12/2001 - 14:30 (Alberto D. P. do Carmo) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Ficava a uns quinze metros da janela do quarto. Teria onze medidas, doze no máximo, na escala que lhe permitia a lembrança. Sua sombra fazia com que o sol nascesse logo após a badalada das dez - antes disso a janela ficava à sombra.

Era de arquitetura pintada de verde; as janelas de um tom mais escuro da mesma cor, arredondadas.

Costumava observá-lo diariamente; não lhe notava o crescimento, mas o sabia sempre mais alto, talvez um ou dois pavimentos a cada ano. As persianas sempre fechadas, ou envolvidas em cortinas semi-transparentes, também verdes.

Passava o ano a conhecer cada uma daquelas janelas que, após a primavera, cresciam aos seus olhos, até a entrada do verão, quando então já as reconhecia a um primeiro olhar, maduras e brilhantes.

Imaginava aqueles cômodos e seus habitantes; via-os como caroços encarcerados em adocicada polpa; percebia-lhes olhares temerosos, dirigidos aos pássaros - sabiás, tico-ticos - que pousavam em cada varanda.

Embora menor que os arranha-céus que conhecera na juventude, era alto o suficiente para vergar levemente ao sabor dos ventos. - Como não cai? - pensava. - Com que cimento emborrachado os erguem, que dobram às tempestades, oscilam nas brisas das tardes, e se calam eretos durante a calmaria?

E aquele uivo dos ciclones, como o suportam? Que espécie se acostuma às intempéries das alturas? Parecia vê-los todos amarrados a grossas cordas, como um teatro de fantoches, embaraçando-se na convivência diária.

Notava-lhes um comportamento orquestrado. Não passava primavera que não lhes fitasse os pequenos jardins floridos, num uníssono de cores. Faxineiras invisíveis àquela distância livravam, ordeiras, as fachadas do pó diário, como pólen a semear a atmosfera, impregnando-lhes as vestes,.dançando ao zunido do labor diário.

Mais de uma vez postou-se ao pé daquele nicho de vidas, a ver-lhe o perfil que subia em incessantes gomos. Se pudesse, enfrentaria cada degrau e lhe conheceria o topo, tão somente para sentir os músculos que barravam o avanço da natureza. Mas a idade não lhe permitia tais aventuras, e o orgulho não aceitaria ser conduzido até o cume - se fosse, seria com suas próprias pernas.

Nessas ocasiões, voltava ao quarto, fechava as janelas, e permanecia quieto, traçando-lhe as formas como lhe ditavam os desvios do vento.

Quisera ter a habilidade dos símios, e lhe conhecer cada canto, cada beco, cada ninho que escondesse. Nessas horas, dormia sonos intensos em dias ensolarados, escalando-o sem clemência até conquistar-lhe o derradeiro degrau, quando erguia um braço ao céu, acenando bandeiras de vitória.

Acordara de um desses sonos, assustado. Algum ser fluídico, um anjo fatídico, anunciou-lhe iminente ocorrência. Abriu a janela a tempo de ver o corpo soltando-se, leve a princípio, flutuando nos primeiros centímetros, até despencar em ritmo balístico, em fulminante queda livre.

O baque surdo arregalou-lhe os olhos. Abandonou a casa aos tropeços e alcançou a vítima em breves passos. Ajoelhou-se e chorou, ao ver-lhe a pele rasgada, a massa disforme que lhe brotava, já contaminada pelas impurezas do chão que lhe aparou o vôo silencioso.

Enlouquecido, sulcou-lhe as entranhas, como enfurecido garimpeiro a buscar sua última esmeralda. Arrancou-lhe o centro vital, misturando lágrimas e baba, que lhe escorriam pela boca semi-aberta.

Caminhou sete passos e estancou os movimentos. Ali mesmo, cavou com as mãos delicado sepulcro, onde depositou o órgão ainda pulsante.

Depois voltou à janela. Olhou mais uma vez aquele porte imponente; e jogou o primeiro olhar paciente à cova, onde veria em breve germinar frondoso descendente do fértil abacateiro.

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