O copo de uísque estava há horas sobre a mesa. O gelo derreteu, e a bebida se encontrava na temperatura em que havia saído da garrafa, apenas mais diluída. Da mesma forma, o guardanapo que sustentava o copo se encharcara com a umidade do ar feita orvalho e escorrida pelo vidro. Encharcara de tal forma que umedecia a mesa sobre qual se estirava, servindo de suporte ao copo de uísque pelo tempo que passou sem ser tomado.
O líquido no interior do copo, mistura de gelo derretido e brandi escocês, refratava a luz que vinha das persianas. Esta espalhava listras por toda a sala, transformando o telefone e a parede em zebras pós-modernas. Entre as listras pretas, a luz ficava indecisa sobre sua cor, e mudava à medida que o tempo passava e o sol trocava de posição. Tal era a oscilação da luz entre o amarelo mais apático e o vermelho mais cálido que elas transformavam a feição do homem sentado no sofá.
A sala era um espalhar total de jornais, revistas, livros e papéis. A TV ligada passava seus programas para ninguém. O sofá estava de costas para ela, como se lhe mostrasse a bunda da mesma forma que os punks fazem para os policiais. A mesa da sala tinha livros e revistas amontoadas entre si, sem nexo ou conexão entre eles. Sobre todos, um cinzeiro dava descanso a um charuto não fumado, que fazia apagar suas últimas brasas.
Porque o sofá estaria de costas para a TV, desacatando este feng-shui ocidental da sociedade da informação? Porque estava de frente para a porta que dava acesso à casa. Ali ele poderia ficar esperando. Enquanto esperava, pensou, saborearia sua nova garrafa de uísque, fumaria sua nova caixa de charutos, e releria os velhos livros de sua estante. Tudo isto lhe daria alguma distração durante esta tarefa dura e penosa de esperar alguém.
Besteira. Tudo não passou de uma bobagem sem tamanho. Ninguém fuma caixas nem bebe garrafas, ninguém relê velhos livros, mesmo quem está esperando. E assim fez com que seu charuto esperasse ser fumado no cinzeiro, seu uísque ficou esperando para ser bebido, e seu livro foram sendo colocados em stand-by, um a um, sobre a mesa da sala. Se ele esperava, que esperassem todos.
E assim também sua barba ficou esperando uma gilete, seu estômago por comida e sua bexiga por uma visita sistemática ao mictório. Seus amigos ficaram esperando-o para o happy-hour e a partida de truco, sua empresa aguardava sua presença no trabalho. Seus parente aguardaram um telefonema. A distribuidora de água e a de luz o pagamento da conta. Sua velha mãe uma visita ao túmulo de morta.
Alguns decidiram tomar algumas iniciativas contra este stand-by eterno. E telefonaram. Mas o telefone ficava esperando ser atendido. Deixavam recado na caixa postal. Que esperava ser lida. Mandavam correspondências. Que ficavam na caixa de correio esperando serem abertas. Faziam visitas. E ficavam a porta esperando serem recebidos.
O que ele esperava? Bem, ela chegou. Depois de meses de espera angustiante. Para ele? Não sei, mas para todos os outros... com certeza. Bateu na porta. Nada. Tocou a campainha. Nenhum sinal de vida. Voltou ao carro, pegou no fundo do porta-luvas a velha chave, do tempo em que ela ainda morava ali. Abriu a porta. Ele a olhou.
— Esperou muito tempo?
— Até que não... Fiquei assistindo ao jogo.
— Quem está ganhando?
Silêncio... profundo silêncio. Ela se dirige ao telefone.
— Por que não ouviu seus recados?
Mais silêncio.
— Por que não pegou suas cartas?
Ainda mais silêncio.
— E por que ficou aqui?
Um resmungo inaudível, seguido de um:
— Esperando.
— A quem?
— Você sabe...
— A mim?!
Ele acena que sim com a cabeça. Ela abre um sorriso, e diz:
— Pois fique anos esperando uma prova de amor sua como esta! Ou metade desta!! Ou uma fraca desta!!!
E se ajoelha aos pés dele:
— Pois estou aqui, meu amor. Estou aqui. Me diga, o que vai fazer agora?
Ele se levanta, ajeita a calça, e fala:
— Preciso correr ao banheiro porque estou apertado!