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Contos-->A grande farsa roliúdiana... -- 19/08/2002 - 00:06 (Jeyson Reis Barbosa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A grande farsa roliúdiana e as pobres crianças brasileiras estupradas

Sou filho da TV, concebido através de um estupro psicocultural praticado pela ideologia ianque durante a Guerra Fria, onde os mocinhos tinham na maioria das vezes pele, cabelos e olhos claros, eram fortes e altos; chaminés que cuspiam compulsivamente a fumaça cancerígena do “Mauboro”, como se isso fosse uma virtude, um charme e não um vício terrível. Heróis que usavam as cores ianques, ou até mesmo, aqueles que usavam calças “dins”, calçados “Naique” e falavam uma língua feia, quadrada, parecendo marrecos... e eu achava tudo aquilo lindo, perfeito, “de besti”. Pobre criança, que se orgulhava de ver nos filmes roliúdianos aquela bandeira “brega zebrada estrelada” tremulando. Pobre criança!

Violentado por aquele troço que articula som, imagem e movimento, minha cabeça foi modelada, preparada, esvaziada, invadida... e passei a acreditar em absurdos. Sem saber porque, eu jurava que os vilões do planeta eram os pobres vietnamitas, os cubanos, Fidel, Chê, Ho Chi Minh, Mao Tsé Tung Lênin (o Stalin era mesmo); odiava os árabes, o que dizer então dos soviéticos, dos comunistas?! Comedores de criancinhas, baderneiros, partidários do capeta a empunhar seus instrumentos do mau: a foice e o martelo. O que eu queria era mudar para os “Isteites” e fazia questão de me dizer americano, cortando as palavras “sul” e “latino” da minha fala. Nós, os brasileiros, éramos de certa forma inferiores, atrasados, burros... Terceiro Mundo. Pobre criança!

Cresci acreditando que assim como nos filmes roliúdianos da Sessão da Tarde, minha vida seria cheia de finais felizes, de fortunas, de lindos carrões vermelhos com uma loira gostosa ao lado. Pensava que todos os hospitais seriam limpinhos, com médicos sorridentes e enfermeiras de seios grandes, também sorridentes, com um batonzão vermelho sempre a marcar minhas bochechas. Achava que as escolas públicas seriam também bacanas, lindas, conservadas, com laboratórios de corte e costura, química, física, biologia, informática... as universidades então!!!! Seriam coisa do outro mundo, que levariam seus alunos para o campus naquele enorme ônibus amarelo; universidades pipocadas de quadras de “basquéti”, de campos de futebol, de centros de treinamentos olímpicos... eu já me via como “quarterbeque” da minha turma. Pobre criança!

Ai...! Os filmes roliúdianos da Globo. Fizeram-me acreditar na família perfeita, sem brigas, sem separações, sem traições... família que viveria a fazer churrasco naquele baita jardim verde e gramado de uma enorme e espaçosa casa de dois ou três andares (com garagem, porão e sótão), sempre sorridentes. Acreditei que minha namorada seria também a ideal, sem defeitos, assim como as dos filmes; muito “sécsi”, corpão escultural, bunda e seios redondões, cabelo “piastrão”, e cérebro atrofiado. Estou esperando por ela até hoje... pensei que seria fácil como nos roliúdianos da Tela Quente. Pobre Criança!

Pobre... meus heróis eram o “Supermem”, “Rimém”, Rambo, Capitão América, “De Fléxi”, “Tanderquetis”, “Jáspiom”, “Tchangeman”... os “cóubois” assassinos de índios. Pobre de mim que perdeu horas únicas e importantes da infância assistindo TV, que perdeu os primeiros dentes acreditando ser a Rede Globo a emissora mais foda que existia, a que falava sempre a verdade através das palavras de Cid Moreira no Jornal Nacional, amante do “Místeremi”. Cresci adorando Coca-Cola, “Mecdonaldis”, “videogueime”, “Riboque”, “Naique”... perdi minhas manhãs de criança me contaminando com a “piranhísse” da tal “Rainha dos Baixinhossshhh”, maior modelo de perversão sexual feminina! Devia ser “Rainha das putinhassshhh”, que mais tarde dançariam na boquinha da garrafa, que se prostituiriam, que se drogariam, que teriam filhos aos 13, 14 anos de idade... Xuxa foi o grande exemplo de mulher para a família tradicional-conservadora-católica-protestante das décadas de 80... 90... Pobres garotas, que armaram o maior escarcéu dentro de suas casas, era neguinha querendo pintar o cabelo de loiro e alisar, era essa ou aquela que queria aquela sandalha cara, aquela mini saia pornô, aquela chuquinha de cabelo, aquele batom, aquela bota de roceira que ia até o joelho, aquele disco novo... tudo isso num país de maioria pobre e miserável, o país que viu nascer o “homem de gabiru” no estômago vazio da ditadura. Pobres crianças que sofreram o fator Xuxa, tiveram seus instintos alterados, podados, sua menstruação adiantada... seu orgasmo não existiria nunca na cama, mas no consumo, no consumo e no consumo... miseráveis num país de miseráveis que adotaram a lógica fria e cruel do capitalismo. Eu cresci dando valor ao dinheiro, ao sexo, ao carro do ano, nunca pensei existir fome, miséria, desigualdade... afinal, como disse Glauber Rocha, “Não há fome da Disneilândia”. Era tudo lindo como em Roliúdi, pensava eu. Pobre criança!

Só que num belo dia eu caí da cama, era uma beliche de vinte andares e eu estava no último! Foi aquele tombo.

Aí eu fui para a escola. O ônibus amarelo não passou. Enfimei-me numa verdadeira lata de sardinhas motorizada. Quando consegui sentar, não foi do lado da “Mêirejeine” ou da “Lóisleine”, mas foi ao lado do Zé das Couves que com sua marmita ao colo ia para a obra onde trabalhava; ou daquela moreninha feinha e banguela de arquetipo desconhecido por Roliúdi. Quando cheguei na escola tive a maior decepção... as paredes eram sujas, carcomidas, as carteiras mancas e rabiscadas... na quadra poli esportiva não haviam as marcações nem sexta para o “basquéti”, apenas moitas de capim aqui e ali. Quando mostrei interesse por Literatura, Arte e História; e perguntei onde era a biblioteca, a professora feia e mal humorada que vivia reclamando do salário, me mostrou um pequenino banheiro desativado, onde mofando encontravam-se alguns títulos. Procurei aqueles enormes armários de metal e não encontrei, tive meu material roubado na hora do recreio. Antes do meio dia, bem antes! a professora disse que não teria mais aula pois a professora de Educação Artística havia faltado... com fome, ainda estou na vontade de almoçar naqueles grandes refeitórios que via nos filmes de Roliúdi na Sessão da Tarde.

Na volta para casa, não havia ônibus (e nem eu dinheiro)... mesmo sendo longe a escola, voltei a pé, e não passou nenhum amiguinho para me dar carona de bicicleta... notei que as ruas não eram arborizadas e que as casas não tinham grandes jardins gramados. Era tudo muito sujo, torto e feio... e numa dessas ruas, fui assaltado. Os desditosos marginais não encontraram nada de valor, mas como em Roliúdi tudo acabava em porrada, me deram umas boas. Gritei pelo “Supermém” ou por qualquer outro, onde estavam os heróis?... fiquei esperando aquele carro bacana da polícia que aparece sempre em boa hora, ou até mesmo a ambulância... decepção! Todo esfolado, mancando, fui me arrastando para um hospital. Cadê aquela enfermeira gostosa? Aquelas doutoras bonitas e atenciosas? Uma dona mal humorada que estava atrás do balcão marrom e carcomido, sem olhar para mim mandou que eu esperasse... esperei até o anoitecer, não apareceu ninguém para me atender! Já recomposto da sova, resolvi continuar o retorno ao doce lar, ao seio acolhedor da bela e perfeita família... eu fazia planos de após o jantar ligar para fulana ou sicrana, para convidá-la para o baile da escola, mas ai eu lembrei que não tinha nem escola direito!

Quando cheguei em casa, um barraco torto e mal acabado, minha mãe, com os olhos roxos, chorava, espancada, dizendo ter tomado uma surra do meu pai bêbado que prometeu nunca mais voltar.

Fiquei aguardando o jantar. Comeria eu um “ambúrguer” com Coca-Cola? Quem sabe um “Rotidogue”? Minha mãe apareceu com um prato de arroz com feijão e um copo de água. Comecei a desconfiar de Roliúdi, da grandeza dos “Isteites” e da sua gente.

Resignado recolhi-me para meu quarto. Não tinha uma bandeira “brega zebrada estrelada” na porta... o quarto não tinha nem porta! Recorri aos livros que havia encontrado naquilo que chamavam de biblioteca. Naquele banheiro desativado; sujo, empoeirado, mofado, escuro... e nestes livros, condenados ao ostracismo, escondidos nos porões mais profundos e sombrios da educação, comecei a descobrir a verdade.

Percebi que aqui, há um povo original, único, inteligente... dono de toda sorte bela de tipos humanos, dono de uma arte que não deve nada à Europa ou “Isteites”, dono de um Cinema Novo genial e extremamente brasiLEIro. Aí saquei que Roliúdi é uma grande babaquice, criada por grandes babacas. Ainda com aquela mania roliúdiana de encontrar os opostos, ou seja, o bem x mal... procurei enxergar com a ajuda dos livros mofados quem eram os verdadeiros bandidos e mocinhos no Brasil... só não fiquei chocado porque o dia já havia sido por demais chocante. Os bandidos, uma dobradinha infernal que vem nos atazanando desde quando Cabral aqui pisou: a burguesia “nacional” e (no momento) os gatunos estadunidenses, que querem controlar o mundo todo, tomar a nossa Amazônia e continuar tendo como seu quintal a América Latina. Os mocinhos... aqueles que quase ninguém conhece... grandes patriotas como Lima Barreto, Oswald de Andrade, Villa Lobos, Carlos Lamarca, Maurício Grabois, João Amazonas, Glauber Rocha, dentre outros.

E eu pensando que meu país fosse como o deles. Achei que fôssemos livres, independentes... descobri que o Brasil só foi independente quando ainda não era Brasil... e chorei ao saber que a minha sorte ou a sua, está nas mãos da nossa maldita elite e nas mãos dos interesses estadunidenses. Pobres crianças! Dominados por um povo burro, que pensa ser o Brasil um país de mulatos, cobras e macacos, que acreditam ser o nosso futebol o melhor do mundo... Pobre povo! Dominados por hipócritas que se dizem democráticos mas que bombardeiam um país (agrário e pobre) inteiro para destruir uma organização terrorista sem expressão... ianques amaldiçoados que financiam o terrorismo em todo o mundo, inclusive no Brasil.

Aí eu comecei a sentir vergonha de mim mesmo por passar tanto tempo acreditando em Roliúdi, por passar tanto tempo acreditando que somos inferiores e que eles sim são os bons, que cresci idealizando uma coisa que nem lá existe. Pobre de mim e de nós... que continuamos a sofrer goela abaixo o que eles nos impõem... e o pior de tudo, é que a pornoTV da Rede Globo continua com a mesma lógica da Guerra Fria, continua a nos estuprar e a estuprar nossa cultura, implantando uma maciça dominação cultural, fazendo-nos acreditar que tudo está bem, assim como na Disneilândia e na Ilha da Fantasia roliúdiana: sem fome e sangue. Até quando seremos colônia? Até quando viveremos na “Matrix” roliúdiana? Acordemos!!!!!

Pobres crianças! E vocês ainda insistem em usar estas camisas com esta bandeira “brega zebrada estrelada”, tomar Coca-Cola e babar com a Xuxa aos Domingos... pô! Se é assim, é fácil acreditar em Papai Noel e votar no Serra... continuaremos pobres, pobres crianças, pobres crianças, pobres crianças...

Geiso
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