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Artigos-->Odisseu nunca mais -- 20/09/2009 - 20:18 (Jefferson Cassiano) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Do lugar no qual escrevo, escuto rumores de que o Romance morreu. Na confusão de gritos que chegam até aqui em forma de artigos, papers e livros, tenho dificuldade de identificar os autores dos apelos. Serão teóricos querendo atenção? Serão acadêmicos tentando salvar os títulos e a produção de anos? Ou os autores de um gênero que precisa conviver com uma morte mais que anunciada, agonizando em resistência? Talvez eu mesmo esteja gritando sem perceber e sendo ouvido por outros: “Se o Romance morreu, o que pretendemos ao escrever e ler Romances? Alimentar o interesse mórbido por atestados de óbito?

Há um consenso entre teóricos e estudiosos de que o Romance está ligado ao advento da modernidade e se apresenta como gênero relativamente consolidado a partir do momento em que a burguesia ascende e se torna classe dominante. Hegel já afirmava que o Romance seria um produto literário típico da sociedade burguesa. Georg Lukács, filósofo húngaro, baseando-se nas idéias hegelianas, também percebe o Romance como expressão acabada dos conflitos do homem moderno. O Romance precisa retratar um herói problemático, cindido, sempre em busca de um retorno à condição quase platônica de fusão, uma jornada com pouca ou nenhuma chance de sucesso.

Aceitando-se que, numa perspectiva histórica, o gênero literário deve ser estudado relativamente à cosmovisão de cada época, parece não haver, motivos para discordar da aproximação do Romance à modernidade. A comparação entre Romance e epopeia reforça essa visão lukacsina: a epopeia só poderia existir na antiguidade e lá não haveria lugar para a ascensão do Romance como o conhecemos. Na sociedade moderna do fetiche, marcada pela separação de sujeito e mundo e pelo conflito entre eles, não há espaço para um Odisseu.

Para os antigos, não havia separação exata entre indivíduo e coletividade. As relações eram simples, diretas, imediatas, transparentes. As leis não eram impostas de fora e nem eram impessoais. Não havia conflito entre sujeito e objeto. Sequer havia separação clara entre sujeito e objeto. Através do trabalho, o homem criou a noção de objeto mesmo antes de se entender como sujeito. Com o mundo das coisas concretizado é que houve um processo de ipseidade. Primeiro a alteridade, o certeza de que o outro existia, e depois a noção de sujeito. Gerd Bornheim, filósofo brasileiro, no artigo O Sujeito e a Norma reconhece, citando Marx: “nos inícios, nem cabe pretender a existência da dicotomia sujeito-objeto; anteriormente a qualquer bipolaridade, tudo se deixa explicar no elemento anônimo e silencioso do trabalho(...) que termina por constituir o objeto, é pelo trabalho originário que as coisas se fazem presentes ao homem, e ele vai aos poucos construindo seu mundo. E bem mais tarde é que se vai constituindo também o sujeito”.

Com a modernidade, o sujeito ganhou cada vez mais importância e vulto, além da capacidade de não apenas criar o mundo em sua volta, mas de manipulá-lo como bem entendesse. Avançando através do conhecimento qualificado, o homem moderno deu de cara com o muro do individualismo, podendo se dar ao luxo (ou risco?) de matar Deus. Num ambiente egóico, o conflito entre sujeito e objeto deixa de se restringir a um tipo de homem e se torna uma característica da vida moderna. Conflito entre homem e lei, entre homem e trabalho, entre homem e família, entre homem e meio-ambiente.

Ninguém melhor que Nietzsche para definir essa tal (pós) modernidade: “Nesses pontos limiares da história exibem-se — justapostos quando não emaranhados um no outro — uma espécie de tempo tropical de rivalidade e desenvolvimento, magnífico, multiforme, crescendo e lutando como uma floresta selvagem, e, de outro lado, um poderoso impulso de destruição e autodestruição, resultante de egoísmos violentamente opostos, que explodem e batalham por sol e luz, incapazes de encontrar qualquer limitação, qualquer empecilho, qualquer consideração dentro da moralidade ao seu dispor”.

Deus queira (se Ele ainda vive...) que os teóricos estejam certos. Por ora, a única certeza que tenho é que continuo ouvindo urros. Com um pouco mais de atenção, percebo que nos próprios gritos está a resposta, blowin` in the wind. Não é exatamente uma resposta, mas um alento, uma prorrogação de nossa existência, nós escrevinhadores que aqui estamos e por salvação esperamos. Morreu o Romance? Cremos que não. Podemos seguir nesta crença de que o Romance vive. Fé construída sobre uma dúvida estratégica: não é possível saber qual a natureza dos gritos, apenas ter certeza de que eles realmente existem e, existindo, de alguma forma dão vida aos nossos valorosos objetos de trabalho e estudo: os Romances. Romances talvez em agonia, talvez recebendo ajuda de aparelhos, talvez mantidos por uma teimosia mutante, mas vivos e capazes de levar para a eternidade do papel toda angústia do homem moderno em conflito.
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