Usina de Letras
Usina de Letras
156 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62215 )

Cartas ( 21334)

Contos (13261)

Cordel (10450)

Cronicas (22535)

Discursos (3238)

Ensaios - (10357)

Erótico (13569)

Frases (50610)

Humor (20029)

Infantil (5429)

Infanto Juvenil (4764)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140799)

Redação (3303)

Roteiro de Filme ou Novela (1063)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1960)

Textos Religiosos/Sermões (6187)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
cronicas-->Globalização Já! -- 25/06/2002 - 00:35 (Márcio Salgues) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Globalização Já!

Márcio Salgues

Renunciei o humanismo e a filosofia. Chega de divagações inúteis. Converti-me à globalização e ao pragmatismo neoliberal. Por favor, não me xinguem. Descobri que esse é o melhor caminho para as sociedades, o caminho das pedras para o enriquecimento, a pedra filosofal da prosperidade, a tábua de salvação do náufrago.

Li na CNN que um britànico vendeu sua própria alma no site de leilões e-bay a um norte-americano, que a arrematou por algo em torno dezessete dólares. O comprador por sua vez, havia perdido a sua própria em uma partida de póquer. Se bem que não há nada de tão fantástico nisso, já que a Igreja costumava vender indulgências - algo tão abstrato quanto a alma - já na Idade Média, o que nos mostra que a globalização económica começou de fato, quando o homem passou da agricultura de subsistência para o comércio por meio do escambo e depois à criação da moeda. Que outro sistema económico nos permite tais possibilidades? Chegamos ao ápice. Não há mais limites. Podemos comprar e vender qualquer coisa. Podemos enriquecer.

Os anti-neoliberalistas costumam afirmar que esse sistema só beneficia os ricos, que só aumentam as desigualdades sociais, et cetera. Não é verdade. Apenas os produtos comercializados é que são diferentes. Se os pobres não enriquecem é porque não querem. São todos uns preguiçosos, que desperdiçam valiosas oito ou doze horas em trabalho assalariado como operários, comerciários e coisas assim, sob o pretexto de que precisam sustentar as famílias. Tolice. Felizes são os cerca de dez ou doze milhões de brasileiros que foram compulsoriamente voluntários a abandonar essa rotina estressante. Alguns populistas costumam classificar essa multidão de afortunados de desempregados. Mas é a esses cidadãos que pertence o mundo globalizado. A riqueza está por aí fluindo resta-lhes saber como se apropriar dela.

Uma opção é vender os filhos a um empresário bondoso, um Raul Gil por exemplo, que os transformará em astros mirins por pura caridade. Obviamente, como não somos mal educados, seremos, voluntariamente e de bom grado, orientados a contribuir com uma módica porcentagem sobre os proventos das crianças. Algo que não deve sequer chegar a oitenta por cento do bolo. Como se vê, ainda existe gente de bom coração no mundo. É verdade que as crianças precisarão faltar a escola, mas isso não vem ao caso, afinal não se requererá delas nada mais que uns requebrados e que memorizem algumas letras do tipo "bababeibe beibebaba ba baba baba". Outra opção é convidar uns cinco colegas, descolorir os cabelos, ensaiar uns passinhos: dois prá lá, dois prá cá, e gravar um cedêzinho meloso. Dá uma graninha boa e de troco ainda tem um monte de tietes feiosas. Sempre com a colaboração voluntária de 80% para o caridoso empresário, que também tem família e filhos estudando no exterior para sustentar.

Já os chamados miseráveis não fazem idéia da vida boa e da fonte de riquezas que dispõem. São felizes. Resmungões, mas felizes. Não tem que se preocupar com o aluguel no fim do mês, já que moram nas ruas ou tem os viadutos, gentilmente cedidos pelos prefeitos de suas cidades para que façam uso da parte de baixo como bem lhes aprouver. Não tem que se preocupar com doenças como a leptospirose, capaz de matar um granfino sem resistência imunológica em poucos dias. Aliás, os mesmo ratos que transmitem a leptospirose podem ser usados como fonte de proteínas na alimentação dessas mal agradecidas pessoas ou mesmo ser criados para o abate. Inclusive já observei, sempre que passo num desses bairros "under the bridge", maldosamente chamados de favelas, que algumas crianças já criam esses ratinhos de poucos quilos, pouco menores que um poodle, desde a mais tenra idade. Esses mesmos bairros dispõem de infra-estrutura para criação de rãs, mosquitos, moscas e toda sorte de seres que os leigos consideram inúteis e nojentos. O acúmulo do material vulgarmente chamado de lixo também traz seus benefícios, proporcionando um farto material a ser explorado, ludicamente pelas crianças locais e comercialmente pelos mais criativos, que podem confeccionar uma infinidade de quinquilharias e ainda usar o material orgànico como alimento tanto para si, bem como para seus gabiruzinhos de estimação. O que falta mesmo é vontade deles, já que os nossos governantes já fizeram a sua parte e estão eles próprios empenhados em vender cada naco, bom ou podre, do país a fim de enriquecermos também como um todo.

Há ainda o exemplo dos sempre simpáticos guardadores de carros públicos, ingratamente chamados de flanelinhas. Trabalham honestamente em qualquer lugar onde haja uma aglomeração de carros, cobrando apenas cerca de três reais por meio de fichinhas previamente distribuídas ao proprietário do veículo, que por sua vez já desembolsou algum dinheiro com impostos municipais para usar essas mesmas ruas. Alguns motoristas chegam a negar-se a pagar essa insignificante taxa e arranham o próprio carro para incriminar esses trabalhadores. Ossos do ofício. Mas a verdade é que esses flanelinhas ficarão ricos em breve. Cortesia da globalização.

Perder-me-ia enumerando tantos bens de consumo que a globalização nos coloca ao alcance bem como tantos meios de enriquecer que nos proporciona, despertando até mesmo a vocação artística de algumas pessoas que conseguem interpretar à perfeição o papel de deficientes físicos a fim de trabalhar honestamente como pedintes.

Eu mesmo estou trabalhando para tomar minha parte butim mundial. Pretendia seguir o exemplo do britànico que citei no início e entrar no ramo do comércio de almas, mas desisti. Em breve estarei lançando um grande best seller, deverá se chamar Kama Sutra: Versão para Fiat Uno. A propósito, se você chegou até aqui me deve dez dólares, que deverá depositar em minha conta. Logicamente não vou ficar gastando meu tempo digitando isso aqui de graça. Também quero ficar rico.

Proletários de todo o mundo globalizai-vos!



Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui