Foram dias sem saber notícia alguma. E caminhava de um lado a outro, de um lado a outro. Testa franzida, olhos baixos. Os cabelos não estavam arrumados como de costume, porque as mãos iam à cabeça com freqüência, veemência e aflição. Meninas, voltem pra casa... Não dá pra entender o que aconteceu... Foram na lojinha comprar doce, não voltam mais... Deus que não me responde! Acuda, meu Deus! Acuda! Mão no peito e lágrima no rosto. Um aperto chegava devagar e queimava, dos olhos se fecharem de dor. Telefone não tocava. E esse marido que não chega da rua... Mãos entre mãos, se esfregavam secas, ásperas. Fazia frio e.... as meninas não estavam bem agasalhadas... não estavam.
A porta se abriu e o homem de cabeça baixa, entrou rapidamente. Foi direto na poltrona azul onde a mulher estava.
— Alguém ligou? – perguntou ele.
— Não, não! – disse aflita, olhando nos olhos do marido e pegando em seus ombros – Fala que me traz alguma notícia!
A cabeça pendeu e a respiração foi funda.
— Não, não consegui nada...
— Deus! Deus! – gritou como se uma dor a consumisse e caiu em prantos, pendendo o corpo pra frente. O homem a apoiou.
— Calma, calma... A gente encontra elas, a gente encontra...
Não se ouviu mais palavras no ambiente. Havia silêncio, mas o choro continuava, misturando-se a soluços rápidos e sentidos. Está sofrendo muito...
Passou-se horas daquela manhã, e a tarde chegou. O sol pouco se apresentava, com nuvens fazendo sombras no chão. O vento era frio e forte. O sino da Igreja avisou que era hora da missa, a das cinco. E o casal adormeceu na sala. A mulher, na poltrona. O homem, no sofá.
Um barulho no assoalho, como de passos, fez a mãe despertar do sono, e era como se viesse à vida novamente. Que sono pesado... Olhou dos lados, viu o marido, levantou-se devagar para não atrapalhar, pé ante pé. Sentiu um carinho imenso por ele transbordar em seu coração. Saudades, parecia. Há pouco conversaram e já sentia sua falta. Bom, calmo, amável, paciente. Amo você, querido, amo. Sentia-se bem, leve, calma. Sua pele recebia um frescor da janela, que ficava à frente, e o dia voltara a se iluminar. As cortinas brancas se moviam levemente. Um sorriso despontou. Encontrou um espelho, olhou-se e ajeitou o cabelo claro. Foi adiante, e seguiu o caminho do quarto das filhas. Chamou-as pelo nome, não se ouviu nada. Lentamente, foi se aproximando e quando chegou, viu que a janela lá também estava aberta, luminosa. Não havia ninguém. Mas, aquela luz a chamava. O vento aumentou levemente. As cortinas estavam bem juntas e não permitiam ver lá fora. Aproximou-se calmamente. Ainda tinha o sorriso no rosto. Queria avisar as filhas que iria ter bolo de chocolate à noite; era o preferido das duas. Continuou chegando... Um vento mais forte soprou e as cortinas se abriram e voavam. Ela desviou-se, querendo observar o quintal. Sentia o cheiro das flores e das plantas. A casa tinha várias árvores frutíferas, e algumas outras, cheias de flores amarelas. Aqui é tão bom, mãe... Bom mesmo, filha. Começou a ouvir as vozes das meninas, e muitas risadas, delicadas e leves, comuns quando brincavam de contar histórias. Devem estar se divertindo, minhas lindas... Foi-se aproximando e ao chegar à janela, viu aquela imagem. De seus olhos brotaram lágrimas, que corriam pelo rosto, sem explicação. Feliz, ela estava feliz! Suas filhas estavam lá. Elas estão lindas... Havia o verde todo, das árvores e grama e flores em volta, que formavam mais a frente, um caminho bem definido que conduzia como que para uma grande floresta. E as meninas estavam olhando para o trajeto que se iniciava, onde havia muita luz, amarelada, dourada. O vestido de cada uma era rosado, tinha um babado delicado em todo seu contorno, que se prendia no alto da cintura e descia até a barra. Nos cabelos, havia um enfeite feito de laços, para arrematar as tranças nos cabelos loiros. A mulher ficou muito tempo olhando, atraída pela luz, encantada com a beleza das meninas... Minhas filhas...
Houve um momento em que um vento forte soprou, fazendo a mãe se assustar e recuar rapidamente. A janela se fechou em um só movimento. Tudo de acalmou; a ventania cessou; as cortinas se fecharam. As mãos da mulher voaram contra os vidros, tentando abrir a janela. Observou pela vidraça que as filhas estavam adentrando no caminho, olhando fixamente para a luz que surgia dele. O desespero aumentou e suas mãos, mesmo forçando, não conseguiam abrir aquela fechadura, que parecia emperrada. Começou a chamá-las:
— Voltem aqui! A mamãe preparou o bolo, está na mesa, minhas lindas! Voltem, não vão embora, não... Aqui, filhas, aqui! – batia suas mãos contra os vidros.
Uma aflição apertou seu coração, e novamente lágrimas rolaram de seus olhos verdes. As meninas não estavam mais lá. O silêncio tomou conta do quarto. Ela, então, se voltou para a porta, observando as camas vazias e arrumadas. Tudo está rodando, roda... Seus sentidos foram se perdendo, e caiu no chão, pálida, fria.
— Marisa, meu amor. Olhe pra mim, acorde! – seu marido a tomou nos braços e levou-a para o sofá maior. Correu para molhar um pano em água fria e passar no rosto da mulher. – Acorde! Diga que está bem... está branca demais...
Acordou sozinha, levantou-se do chão, devagar, calmamente. Sentou-se na beirada da cadeira. Os olhos não se abriam totalmente e a tontura não havia passado. Sentia a cabeça pesar. Tentou ajeitar os cabelos, que lhe caiam no rosto. Seu vestido havia ficado amassado; passou as mãos para alisar um pouco... Minhas lindas não gostam de me ver feia.
— Marisa, volte, querida, acorde... Vem pra mim, de novo... vem... – sussurrava, docemente, apoiando a cabeça da mulher em seu colo e a abraçando.
A mãe levantou-se da cadeira, respirando profundamente. Sentiu uma vertigem leve e apoiou-se na cômoda. Buscou o corredor da casa. Seus pés foram indo, arrastando os tapetes pelo caminho. Foram chegando. Olhou na sala e viu o marido, dormindo no sofá. Sorriu. Caminhou até ele. Saudades.
— Meu amor, graças à Deus! Voltou... – falou baixinho ao seu ouvido. Percebeu que o sangue voltava a circular rapidamente, porque voltou a ficar aquecida, e seu rosto havia ficado corado.
— O que aconteceu com nossas filhas? Elas foram, eu chamei, mas não me escutaram. Falaram alguma coisa pra você? Hein?
— Não, meu amor. Estava aqui com você, não vi nossas filhas. Mas, vão voltar, vão sim...
— O caminho estava iluminado, precisava ver. Verde, verde. Muito verde. – e suas mãos gesticulavam para caracterizar ao marido a cena que havia visto. – A janela estava travada. Eu fiquei desesperada... só que depois, veio uma tontura. Acordei no chão, levantei-me e a aflição havia sumido. Senti sua falta... Vim pra sala encontrar você.
— Minha vida, senti sua falta também. Acho que sonhou, querida...
— Não, não era sonho. Estavam lá, e eu, tinha feito o bolo...
— Que bolo? – falou calmamente, entendendo que a mulher estava confusa.
— De chocolate... de choco... Não fiz bolo algum. Não saí daqui?
— Não, querida. - Olhava ternamente em seus olhos.
A mulher levantou-se do sofá. Olhou ao redor. Silenciou-se.
— Elas estão onde?
— Querida, nossas filhas saíram segunda-feira de casa e não voltaram ainda. Não conseguimos encontrá-las.
— Não é possível.. não, não é. Acabei de vê-las. Foram caminhando pra uma trilha cheia de...
— De quê?
— Luz! Luz, meu Deus! Luz!
Correu aflita para o quarto das filhas. A janela estava aberta. Em um segundo estava observando novamente aquele cenário, agora sem a floresta, sem o caminho, sem a luminosidade de antes; tudo estava escuro. Seu coração apertou-se. Quis chorar, e colocou as mãos nos ombros, como se sentisse frio. Abraçou-se, querendo entender o que havia acontecido. O marido chegou atrás, apenas olhando para o que acontecia, mas a mulher sentiu que não estava sozinha.
— O que aconteceu, não estou entendendo...
— Marisa, sonhou com elas. Está preocupada, sentindo saudades e por isso, sonhou. É normal.
— E a luz? De onde saiu isso? – Voltou-se para o marido e se aproximou.
— A luz eu também não sei, Marisa. Só sei que elas vão voltar, meu amor. – Seus braços a acolheram.
O telefone tocou. O marido afastou-se e correu para atender. Os olhos da mulher abriram-se, arregalaram-se. Observou a reação do marido; permaneceu inerte.
— Alô!
— Senhor André?
— Sim.
— É o senhor o pai das meninas, Fernanda e Flávia?
— Sim, diga!
— Parece que temos notícias.
— Meu Deus! Como estão? Diga! Diga!
A mulher passou por seu marido e foi até a porta. Não queria ouvir nada. Com os olhos paralisados, sentiu frio, puxou o seu casaco com mais força, buscando proteção. Abriu a porta e caminhou para fora, devagar, bem devagar. Ainda estava próxima quando ouviu seu marido; ele chorava. Era noite.
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