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Artigos-->Ideologia e Repressão no Cinema Russo -- 19/01/2002 - 12:37 (Gregorio K.Barata (Jornalista Espanhol)) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Depois da revolução de 1917, o cinema russo passou a ser financiado pelo Estado, e tinha um objetivo claro: divulgar para uma população predominantemente analfabeta uma nova visão de mundo. Visão embalada por uma esperança ainda fresca, com base teórica e realização efetiva de mudanças na nova estrutura do país. É o caso de “O Encouraçado Potemkin” (URSS, 1925, 65 min.), filme de Sergei Eisenstein, realizado em comemoração aos 20 anos da insurreição revolucionária de 1905. A tomada do barco de guerra Potemkin, efetuada por marinheiros de baixo escalão em resposta à opressão da elite militar, foi um dos marcos da indignação popular contra o czar Nicolau II. Foram episódios como este que alimentaram o espírito revolucionário até a bem-sucedida insurreição de 1917.

Obviamente que o apuro artístico não foi desprezado, mas colocado em favor deste novo ideário. Tínhamos na Europa o Expressionismo, motivador de inúmeros enquadramentos de Eisenstein (como o da imortal cena da escadaria, que muito provavelmente inspirou, tanto pela grandiosidade como pela fotografia, as escadarias de Anselmo Duarte em “O Pagador de Promessas”). Isso para não falarmos das outras vanguardas artísticas, mais especificamente as do modernismo russo, cujos principais nomes eram também ligados ao Partido (por exemplo, o poeta Maiakovski), os quais, além das experiências formais, pregavam o rompimento com a tradição czarista (sem desconsiderarem, contudo, grandes gênios deste período: Puchkin, Dostoievski, Tolstoi e Tchaikovski).



Os filmes de Eisenstein são, não raramente, tidos simplesmente como “panfletários”, criticados por um assim chamado “caráter ideológico”; e este parece ser um bom tema, que não se esgotará em um pequeno artigo. Primeiramente, a ideologia de uma época dificilmente é causada por um produto artístico ou jornalístico; ela é subsidiaria do discurso de uma classe dominante. Assim, o máximo que temos numa arte é o efeito ideológico, pois o sustentáculo da ideologia, usando de Marx, é anterior ao efeito e exterior à própria ideologia. Com isso, Marx afirma, invertendo a relação Estado-Sociedade de Hegel, que, ao invés de subordinar a sociedade civil, é o próprio Estado que é subordinado a esta sociedade. A partir de Marx, o Estado deixa de ser considerado um organismo isento, como pretendiam os Iluministas que haviam cindido Estado – Família – Igreja. São os indivíduos reais, agindo conforme suas vontades, que “enformam” a configuração do Estado. O sentido negativo da ideologia em Marx é que esta, ao ocultar a opressiva divisão do trabalho, coloca num mesmo balaio grupos de interesse opostos, dando uma falsa ilusão de harmonia de interesses.



Por exemplo: ao dizermos simplesmente que “lugar de bandido é na cadeia”, estamos projetando e reforçando a ideologia dominante de harmonia e de “igualdade de oportunidades”; deixamos de enxergar que a quase totalidade (para não dizer todos) dos presos é de classe baixa, e que há muitos crimes que não são vistos como crimes, como é o caso do não cumprimento de leis trabalhistas por empresários (alguém chamaria um empresário assim de “bandido”?). Outro exemplo: a imprensa brasileira sempre diz “invasão de terras”, e não “ocupação de terras”, para caracterizar a ação de trabalhadores do Movimento dos Sem Terra sobre terras improdutivas; para a Rede Globo, maior emissora de TV do país, qualquer atitude que coloque em xeque a grande propriedade privada representa uma ameaça a ela própria, visto ser uma detentora do monopólio das ondas.



Desta maneira, não há uma ideologia prévia ou uma assembléia para dizer qual vai ser a “ideologia deste verão”, se o movimento ideológico emana da classe dominante, que, por sua vez, tem as rédeas do Estado (visto ser este um lugar de dominância).



A Revolução Russa veio contra essa dominância exclusivista. Como na URSS o Estado deixou de ser privilégio de uma aristocracia e foi em direção ao povo, podemos até concordar, com cautela, que temos representado em “O Encouraçado Potemkin” uma nova “Ideologia Soviética”. A diferença é que na URSS do início do século a classe dominante estava mais próxima da classe baixa ou proletária, se é que não podemos dizer que era ela própria. Assim, qualquer interpretação negativa de “ideologia” que venha a reduzir o filme de Eisenstein ou a atuação do Partido naqueles primeiros anos parece não se sustentar, visto que não se tratava mais do que Marx chamara de “ilusão”; o “discurso” da época coincidia com uma realidade - a “ideologia” era a “realidade efetiva” de uma maioria.



Aos 26 anos, Eisenstein filmou “A greve”; aos 27, deu ao mundo “O Encouraçado Potemkin”, talvez o maior filme de todos os tempos; logo depois, fez “Outubro”. Nestas três obras, apesar de financiado pelo Estado, Eisenstein teve bastante liberdade criativa. Seus problemas começaram com “A linha geral”; Stalin julgou que a obra não estava de acordo com o “realismo soviético”, estética que fora estabelecida pela Revolução como a mais adequada para educar as “massas”. Stalin chegou a mudar o nome do filme para “O velho e o novo” e propor algumas alterações; Eisenstein não gostou. Já consagrado na URSS, Eisenstein embarcou para os Estados Unidos, convidado pela MGM. Seus projetos não decolaram, apesar de boas amizades com intelectuais como Charlie Chaplin e Flaherty, muitos deles perseguidos anos mais tarde pelo macartismo (política norte-americana de retaliações a simpatizantes do comunismo). Eisenstein partiu para o México, onde iniciou as filmagens de “Que Viva o México”, uma obra ambiciosa sobre a história de um país e sua cultura; não concluída. Restava voltar para a URSS e tentar recolocar-se às engrenagens stalinistas. Mas as condições eram rijas; nem a imprensa o perdoava por seu afastamento e por sua passagem pelos EUA. Iniciou “O prado de Bezhin”, mas as filmagens foram interrompidas por “instâncias superiores”. Quando sua carreira parecia perdida, em 1938, recebeu a ordem de filmar “Alexandre Nevski”, propaganda anti-germânica (Hitler crescia e ameaçava invadir a União Soviética); uma outra obra-prima. Começou “Ivã, o Terrível”, que deveria ter três partes, mas a Guerra interrompeu o projeto. Morre em 1948.



A criação artística perde em muito quando totalmente submetida ao discurso de governos, religiões, ciências, etc. O artista necessita de um espaço para se movimentar, ainda que, em muitos casos, a repressão (longe de querer justificá-la) seja um motivador e um alvo do objeto artístico (por exemplo, a ditadura militar no Brasil). Apesar de tudo isso, ainda que não queira, o artista está sempre ligado ao seu próprio discurso (sua ideologia?), e este, ao discurso de uma época. Tem sempre uma idéia para vender, e não há nada de negativo nisso, posto que é inevitável. O problema é o que fazemos desses discursos. O artista e o cientista “fazem” a época, mas também são “feitos” por ela; têm a época como parâmetro até quando a contrariam, pois só desta forma seria possível questioná-la.

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