Os dois inseparáveis amigos combinaram pescaria na Pedra de Guaratiba. Iriam no último bonde, passariam a noite tarrafeando da Ponta Grossa à Praia da Capela. Tudo combinado, um iria para a casa do outro — aliás o um não saía da casa do outro —, levariam farnel que a mulher do casado prepararia.
O outro amigo, o que visitava com freqüência, era solteiro.
Chegaram à beira da praia, mudaram os planos.
— Vamos alugar uma canoa? Lá no meio está pulando muita tainha – sugeriu um deles.
Concordaram. Concordavam sempre, eram unha e carne, amicíssimos, do peito.
Estavam no meio da baía, a noite escura como breu, bateu o sudoeste. O mar agitou-se, tentaram remar para a margem, o vento não deixava, a chuva começou a desabar, grossa, perderam de vista a praia, desorientaram-se. Veio uma onda maior, aconteceu a desgraça: a canoa virou de borco, lançando-os na água. A morte era quase inevitável. Com muito esforço o que era casado agarrou-se ao casco da embarcação, procurou o amigo — encontrou-o já perdendo as forças, engolindo água. Ficaram os dois agarrados no casco, mas sabiam que apenas adiavam a hora da morte, pois não se agüentariam muito tempo.
— Vamos morrer, disse o solteiro.
— Vamos, concordou o casado.
— Você se esforçou pra me salvar, foi amigo até o último instante, tenho que lhe dizer uma coisa. Quero morrer em paz.
— Diga.
— Você me perdoa?
— Perdoar de quê? Diga. Vou morrer mesmo, que me importa? Perdôo tudo.
— Eu e sua mulher estamos transando. Faz tempo.
Fez-se pesadíssimo silêncio. Até o mar deu uma trégua em respeito ao sofrimento. Ouviu-se um ronco, outro ronco. Um baque, outro baque. A lancha da Capitania dos Portos acabara de encostar e jogava duas bóias salva-vidas para os dois ex-amigos.
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