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Contos-->O Operário Padrão -- 30/08/2002 - 00:24 (Rogério Penna) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O amigo sabe como eu chego no Paraíso?
Também estou indo pra lá. Não é desse lado não. É do outro. Vamos descer.
Foi o que eu pensei. Conheço o caminho até o Paraíso, só estava andando na direção errada.
Eu conheço a direção, mas não sei direito o caminho. Mas a gente se ajuda.
É que eu não costumo usar o metrô. Mas estou com o carro na oficina...
O doutor sofreu acidente...?
Não, nada disso. É um probleminha no ar condicionado do carro. No controle de temperatura.
Temperatura.
Exato. O ar condicionado tem um termômetro interno que checa a temperatura constantemente. Se a temperatura estiver baixa, ele aquece o ar, e vice versa.
Mas quem decide isso?
Ele mesmo. Foi programado pra isso.
É ele quem decide se está calor ou se está frio?
É ele. Mas esse sistema está com defeito, e agora ele não decide mais.
E com esse defeito o carro não anda...
Andar anda. Só não controla a temperatura.
Não pode o doutor controlar a temperatura?
Poder eu posso. Mas o carro já faz isso automaticamente. Paguei muito caro por um carro que tivesse esse aparelho.
Olha o trem.
Olha o trem.
Vamos sentar ali.
Tudo bem.


O doutor me diga uma coisa. Pagou muito caro pelo tal aparelho?
Muito caro. É importado. Veio do Japão.
E o seu carro decide se está calor ou se está frio?
Mais ou menos isso.
E porque não decide o doutor mesmo, de graça?
Quanto mais ele se decidir sozinho melhor. A gente tem tenta coisa mais importante pra decidir...
O doutor deve decidir muitas coisas.
Ah sim, muitas. Pra mim, quanto mais os aparelhos se decidirem por si mesmos, melhor. E hoje em dia já tem aparelho pra decidir quase tudo.
Decidir quase tudo...
Mas ainda vão inventar uma só máquina que seja capaz de decidir sozinha por todas as outras. Uma máquina que seja capaz de lidar com situações novas, para a qual não está sequer programada. Capaz de aprender. Uma máquina humana.
Humana?
Imagine que um homem pode pensar livremente, mas uma máquina não. Ela precisa estar programada. Nessa linha de evolução existe uma fronteira onde a liberdade de pensamento e a programação se tocam. É preciso descobrir esse ponto.
Pra fazer uma máquina que pensa sozinha.
Sim.
E que possa decidir se está frio ou se está calor...
Pra decidir tudo. Se precisamos abastecer, quanto tempo precisamos dormir, o que devemos vestir.
E daí pra que que eu sirvo?
Como assim?
Eu sou pedreiro. Todo o dia eu me levanto na hora em que o engenheiro manda e coloco o uniforme que ele manda. Chego na obra na hora em que ele manda e passo o dia obedecendo aos seus chamados. Se uma máquina fizer isso, eu vou fazer o que?
Você vai descansar. Ninguém mais vai precisar trabalhar, porque vai ter uma máquina pra trabalhar por você. Tudo o que você faz o dia inteiro é uma reação sua a uma influência externa, um ruído, uma visão, ou uma ordem do engenheiro. Você reage ao som do despertador e acorda, por exemplo. Tudo isso é constante. E se é constante, pode ser traduzida numa equação matemática. Descobrindo-se essa equação, tem-se máquinas capazes de reagir a qualquer estímulo, como os humanos.
Uma máquina humana?
Uma máquina humana.
Mas e se eu não quiser levantar e não reagir ao despertador?
Aí você estará reagindo à influência do seu sono.
E a máquina vai trabalhar pra mim?
Exato.
E onde eu vou?
Você vai onde quiser. Pode aproveitar a vida e descansar, sem se preocupar em tomar decisão nenhuma.
Bom. Pra mim não muda muito. Quem decide é o engenheiro mesmo...
Ele também.


Meu avô também era pedreiro.
É de família...
Mestre de obras. Construía uma casa sozinho.
Sei.
E ele que decidia tudo.
E demorava?
Demorava.
Por isso. Hoje a gente não pode demorar mais. Tem muita gente precisando de casa. Então o engenheiro decide pra que os operários não percam tempo com isso e sejam mais rápidos. Produção em massa!
Mas um dia a máquina vai decidir.
Sozinha.
E o engenheiro não vai ficar chateado?
Não. Eu sou engenheiro e acharia ótimo...
E eu doutor?
O que é que tem?
Se eu já não decido nada mesmo, porque que o senhor vai me trocar por uma máquina?
Ora...
Eu não decidi o meu uniforme, nem o piso, nem o revestimento. Nem a minha profissão. Nem pra nascer eu decidi. Deixa eu continuar trabalhando que eu tenho um filho doutor.
Mas a máquina...
Que que ela tem que eu não tenho?
Não se cansa, não reclama e não cobra salário.
E que que o doutor tem que ela não tem?
Ora seu tranqueira...
Acho o doutor muito burro. Ela não vai tomar o seu lugar também? Então vamos ser dois desempregados.
Mas acontece...
E por mim eu deixava como era o meu avô. Ele fazia a casa bem devagarinho e todo o mundo achava ótimo. E nunca que ele ia deixar máquina ou engenheiro que fosse meter o bedelho na obra dele.
Seu insolente. Já vi pelo seu uniforme que nós estamos indo pra mesma obra. Hoje é o primeiro dia e eu já estou te demitindo. Que absurdo. Ponha-se no seu lugar.
Mas qual é o meu lugar se eu não decido nada e já não obedeço nada também?
Seu lugar agora é na rua.
Mas o meu filho...
Rua.
Ele não é máquina não. Tem que comer.
Rua.
Vai pôr a tal máquina no meu lugar?
Ela ainda nem foi inventada...
E pra que que o senhor quer máquina se eu sou tão bom operário.
A melhor máquina é aquela que decide tudo.
E o melhor operário é aquele que não decide nada...
.
E essa máquina humana que o senhor tá procurando, já encontrou. Sou eu. O doutor tá no caminho certo, só tá andando na direção errada. Eu que sou muito máquina pra ser humano, mas muito humano pra ser máquina.
E muito indisciplinado pra ter um emprego.
Tô na rua?
Tá na rua.
Pro inferno.
Como é que é?
Pro inferno o doutor e a máquina humana. Mesmo porque o Paraíso acabou de passar e a gente não viu.
Viu o que você fez? Vou me atrasar por sua culpa.



Doutor, o termômetro do seu carro vai custar muito caro?
Muito caro.
Pela metade eu mesmo fico no porta-mala avisando o senhor se tá calor. Tô empregado?
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