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cronicas-->Onde Está Eu -- 05/06/2000 - 21:05 (flávio augusto menezes filho) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
ONDE ESTÁ EU


Onde está eu? Foi essa a pergunta que Clarice se fez em uma de suas cronicas, e eu, num destes dias em que o devaneio é a parte maior, também me peguei a perguntar: Onde está eu?
É provável que, quando escreveu a crónica, a escritora estivesse sentindo o que agora sinto. Ou melhor, que tivesse as dúvidas que ora tenho: é que andei me procurando e não me achei.
Eu - isto me é certo - eu estou aqui. Dentro deste corpo que me recobre e aprisiona. Quanto ao "eu" - ele é fugaz e lúbrico - nem posso imaginar onde ele está. Escondido e acuado nos labirintos do inconsciente? É possível. Se bem que de quando em quando ele se entreluz a mim como que querendo dizer: "Olha estou presente."
Seria esse "eu" um acovardado diante do mundo? Ou um tímido declarado?, se é que tímido se declara!? Acho que nem uma coisa nem outra: de tanto ser negado omitiu-se. Apesar de que, como já disse, ele surja de tempo em tempo: precisamente nos momentos em que a pedra tosca prevalece. Já em outras ocasiões, nas polidas, esse "eu" dá lugar ao outro - o dissimulado - e deixa a este a tarefa de representar no teatro que é a vida.
Estará aí, nestes "eus" - isso não me está muito claro - estará neles a causa da eterna dúvida do homem? A dúvida entre o bem e o mal, o alegre e o triste, o sim e o não, enfim o ser ou não ser? Shakespeare, já antes, tinha também se questionado. Os loucos e os gênios - um tênue limite separa uns de outros - seriam eles o sintético e o analítico do homem?
De minha parte me procuro e não me acho. Sempre me mostro adequado e em fase com o momento em que me situo. Posso representar e ser de muitos modos. Só não consigo ser eu mesmo.
Não sei se com vocês, mas comigo é uma constante: estou sempre lembrando de momentos, lugares e fatos passados. E decididamente não tenho como explicar esse fenómeno. Estariam os diversos "eus" agindo dentro de mim? querendo que prevalecessem, na minha vida, os momentos, deles quero dizer, mais significativos? Ou a vida também não me pertenceria? Oh atroz dúvida, já não sei se vivo ou me deixo viver.
Em verdade o que necessito, urgentemente, é de alguém em quem eu possa me recostar. Falar de tudo a esse alguém abertamente e sem medos. Dizer que nada sou do que até neste instante esteve mostrado. Que tudo foi uma grande mentira. Instinto de defesa. Que o animoso que surgia diante de todos, nos momentos mais penosos, não tinha alicerce algum, portanto incapaz de suportar o menor turbilhão. Ah! como eu gostaria de encontrar essa pessoa que me tirasse da enorme confusão que sou eu!
Falando francamente, o meu valor e a minha bravura são fingidos. Eu tenho - aí está a minha verdade - eu tenho mesmo é medo de tudo. Da fome, da miséria, da falta de emprego, de me assumir, das pessoas, de sorrir - ah! a quanto tempo não sorrio - da vida, da morte. Morro de medo da morte. Que coisa mais engraçada esta: morrer de medo da morte. Se já se morreu, de medo, como se poderia morrer novamente? E há ainda, depois da morte, a grande esperança de se resgatar a única verdade. Mas como, se Camus disse que todo morto é repleto de virtudes. Então essa esperança também ruiria por terra.
Lembrei agora mesmo de uma ocasião em que estive na cidade de Penedo no Estado de Alagoas. Essa cidade, belíssima por sinal, fica às margens do Rio São Francisco. Havia ido lá a trabalho. ( Aliás só viajo a trabalho; eu só trabalho e mais nada me dá prazer nesta vida. Talvez porque o trabalho seja a minha maior diversão; acho que a exclusiva. O trabalho é também a porta por onde fujo, a minha máscara predileta; a fantasia que melhor me veste e me mostra - eu que não sei me enxergar. O trabalho dá força e poder, e talvez por isso eu esteja intimamente ligado a ele; eu que nada posso e sou fraco). Pois bem, em Penedo conheci um cidadão - tinha lá os seus setenta e poucos anos - que encerrava em si o ofício de vendedor de queijo. Trazia-o desde a cidade de Nossa Senhora da Glória no Estado de Sergipe, até Penedo onde comercializava-o. Em uma das travessias que eu fiz, de balsa, quando me foi necessário atravessar o Rio São Francisco, para ir de Penedo até Neopólis no Estado de Sergipe, esse senhor aproximou-se de mim e com muita determinação afirmou já me ter visto em outra localidade - em Paulo Afonso. Nada de estranho se eu já tivesse ido a Paulo Afonso. Não só garantiu me ter avistado lá, como também falado várias vezes comigo; ficou, em consequência disso, até íntimo meu. E mais ainda, listou-me algumas características minhas que, decididamente, me impressionaram bastante porque eram verdadeiras.
Teria, enfim, o meu verdadeiro "eu" se revelado ao velho em paragens tão longínquas?


Fortaleza, 17/03/2000

Flávio Augusto Menezes Filho
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