Grande mídia se organiza contra a candidatura de Dilma& 8207;
Por Bia Barbosa, da Carta Maior
Em seminário promovido pelo Instituto Millenium em SP, representantes dos principais veículos de comunicação do país afirmaram que o PT é um partido contrário à liberdade de expressão e à democracia. Eles acreditam que se Dilma for eleita o stalinismo será implantado no Brasil. "Então tem que haver um trabalho a priori contra isso, uma atitude de precaução dos meios de comunicação. Temos que ser ofensivos e agressivos, não adianta reclamar depois", sentenciou Arnaldo Jabor.
Se algum estudante ou profissional de comunicação desavisado pagou os R$ 500,00 que custavam a inscrição do 1º Fórum Democracia e Liberdade de Expressão, organizado pelo Instituto Millenium, acreditando que os debates
no evento girariam em torno das reais ameaças a esses direitos fundamentais, pode ter se surpreendido com a verdadeira aula sobre como organizar uma campanha política que foi dada pelos representantes dos grandes veículos de
comunicação nesta segunda-feira, em São Paulo.
Promovido por um instituto defensor de valores como a economia de mercado e
o direito à propriedade, e que tem entre seus conselheiros nomes como João
Roberto Marinho, Roberto Civita, Eurípedes Alcântara e Pedro Bial, o fórum
contou com o apoio de entidades como a Abert (Associação Brasileira de
Emissoras de Rádio e Televisão), ANER (Associação Nacional de Editores de
Revista), ANJ (Associação Nacional de Jornais) e Abap (Associação Brasileira
de Agências de Publicidade) . E dedicou boa parte das suas discussões ao que
os palestrantes consideram um risco para a democracia brasileira: a eleição
de Dilma Rousseff.
A explicação foi inicialmente dada pelo sociólogo Demétrio Magnoli, que
passou os últimos anos combatendo, nos noticiários e páginas dos grandes
veículos, políticas de ação afirmativa como as cotas para negros nas
universidades. Segundo ele, no início de sua história, o PT abrangia em sua
composição uma diversidade maior de correntes, incluindo a presença de
lideranças social-democratas. Hoje, para Magnoli, o partido é um aparato
controlado por sindicalistas e castristas, que têm respondido a suas bases
pela retomada e restauração de um programa político reminiscente dos antigos
partidos comunistas.
"Ao longo das quatro candidaturas de Lula, o PT realizou uma mudança muito
importante em relação à economia. Mas ao mesmo tempo em que o governo adota
um programa econômico ortodoxo e princípios da economia de mercado, o PT dá
marcha ré em todos os assuntos que se referem à democracia. Como contraponto
à adesão à economia de mercado, retoma as antigas idéias de partido
dirigente e de democracia burguesa, cruciais num ideário anti-democrático, e
consolida um aparato partidário muito forte que reduz brutalmente a
diversidade política no PT. E este movimento é reforçado hoje pelo cenário
de emergência do chavismo e pela aliança entre Venezuela e Cuba", acredita.
"O PT se tornou o maior partido do Brasil como fruto da democracia, mas é
ambivalente em relação a esta democracia. Ele celebra a Venezuela de Chávez,
aplaude o regime castrista em seus documentos oficiais e congressos, e solta
uma nota oficial em apoio ao fechamento da RCTV", diz.
A RCTV é a emissora de TV venezuelana que não teve sua concessão em canal
aberto renovada por descumprir as leis do país e articular o golpe de 2000
contra o presidente Hugo Chávez, cujo presidente foi convidado de honra do
evento do Instituto Millenium. Hoje, a RCTV opera apenas no cabo e segue
enfrentando o governo por se recusar a cumprir a legislação nacional. Por
esta atitude, Marcel Granier é considerado pelos organizadores do Fórum um
símbolo mundial da luta pela liberdade de expressão - um direito a que,
acreditam, o PT também é contra.
"O PT é um partido contra a liberdade de expressão. Não há dúvidas em
relação a isso. Mas no Brasil vivemos um debate democrático e o PT, por
intermédio do cerceamento da liberdade de imprensa, propõe subverter a
democracia pelos processos democráticos" , declarou o filósofo Denis
Rosenfield. "A idéia de controle social da mídia é oficial nos programas do
PT. O partido poderia ter se tornado social-democrata, mas decidiu que seu
caminho seria de restauração stalinista. E não por acaso o centro desta
restauração stalinista é o ataque verbal à liberdade de imprensa e
expressão", completou Magnoli.
O tal ataque
Para os pensadores da mídia de direita, o cerco à liberdade de expressão não
é novidade no Brasil. E tal cerceamento não nasce da brutal concentração da
propriedade dos meios de comunicação característica do Brasil, mas vem se
manifestando há anos em iniciativas do governo Lula, em projetos com o da
Ancinav, que pretendia criar uma agência de regulação do setor audiovisual,
considerado "autoritário, burocratizante, concentracionista e estatizante"
pelos palestrantes do Fórum, e do Conselho Federal de Jornalistas, que tinha
como prerrogativa fiscalizar o exercício da profissão no país.
"Se o CFJ tivesse vingado, o governo deteria o controle absoluto de uma
atividade cuja liberdade está garantida na Constituição Federal. O veneno
antidemocrático era forte demais. Mas o governo não desiste. Tanto que em
novembro, o Diretório Nacional do PT aprovou propostas para a Conferência
Nacional de Comunicação defendendo mecanismos de controle público e sanções
à imprensa", avalia o articulista do Estadão e conhecido membro da Opus Dei,
Carlos Alberto Di Franco.
"Tínhamos um partido que passou 20 anos fazendo guerra de valores, sabotando
tentativas, atrapalhadas ou não, de estabilização, e que chegou em 2002 com
chances de vencer as eleições. E todos os setores acreditaram que eles não
queriam fazer o socialismo. Eles nos ofereceram estabilidade e por isso
aceitamos tudo", lamenta Reinaldo Azevedo, colunista da revista Veja, que
faz questão de assumir que Fernando Henrique Cardoso está à sua esquerda e
para quem o DEM não defende os verdadeiros valores de direita. "A guerra da
democracia do lado de cá esta sendo perdida", disse, num momento de
desespero.
O deputado petista Antonio Palocci, convidado do evento, até tentou
tranqüilizar os participantes, dizendo que não vê no horizonte nenhum risco
à liberdade de expressão no Brasil e que o Presidente Lula respeita e
defende a liberdade de imprensa. O ministro Hélio Costa, velho amigo e
conhecido dos donos da mídia, também. "Durante os procedimentos que levaram
à Conferência de Comunicação, o governo foi unânime ao dizer que em hipótese
alguma aceitaria uma discussão sobre o controle social da mídia. Isso não
será permitido discutir, do ponto de vista governamental, porque
consideramos absolutamente intocável", garantiu.
Mas não adiantou. Nesta análise criteriosa sobre o Partido dos
Trabalhadores, houve quem teorizasse até sobre os malefícios da militância
partidária. Roberto Romano, convidado para falar em uma mesa sobre Estado
Democrático de Direito, foi categórico ao atacar a prática política e
apresentar elementos para a teoria da conspiração que ali se construía,
defendendo a necessidade de surgimento de um partido de direita no país para
quebrar o monopólio progressivo da esquerda.
"O partido de militantes é um partido de corrosão de caráter. Você não tem
mais, por exemplo, juiz ou jornalista; tem um militante que responde ao seu
dirigente partidário (...) Há uma cultura da militância por baixo, que faz
com que essas pessoas militem nos órgãos públicos.. E a escolha do militante
vai até a morte. (...) Você tem grupos políticos nas redações que se dão ao
direito de fazer censura. Não é por acaso que o PT tem uma massa de pessoas
que considera toda a imprensa burguesa como criminosa e mentirosa", explica.
O "risco Dilma"
Convictos da imposição pelo presente governo de uma visão de mundo
hegemônica e de um único conjunto de valores, que estaria lentamente
sedimentando- se no país pelas ações do Presidente Lula, os debatedores do
Fórum Democracia e Liberdade de Expressão apresentaram aos cerca de 180
presentes e aos internautas que acompanharam o evento pela rede mundial de
computadores os riscos de uma eventual eleição de Dilma Rousseff. A análise
é simples: ao contrário de Lula, que possui uma "autonomia bonapartista" em
relação ao PT, a sustentação de Dilma depende fundamentalmente do Partido
dos Trabalhadores. E isso, por si só, já representa um perigo para a
democracia e a liberdade de expressão no Brasil.
"O que está na cabeça de quem pode assumir em definitivo o poder no país é
um patrimonialismo de Estado. Lula, com seu temperamento conciliador, teve o
mérito real de manter os bolcheviques e jacobinos fora do poder. Mas conheço
a cabeça de comunistas, fui do PC, e isso não muda, é feito pedra. O perigo
é que a cabeça deste novo patrimonialismo de estado acha que a sociedade não
merece confiança. Se sentem realmente superiores a nós, donos de uma linha
justa, com direito de dominar e corrigir a sociedade segundo seus direitos
ideológicos", afirma o cineasta e comentarista da Rede Globo, Arnaldo Jabor.
"Minha preocupação é que se o próximo governo for da Dilma, será uma
infiltração infinitas de formigas neste país. Quem vai mandar no país é o Zé
Dirceu e o Vaccarezza. A questão é como impedir politicamente o pensamento
de uma velha esquerda que não deveria mais existir no mundo", alerta Jabor.
Para Denis Rosenfield, ao contrário de Lula, que ganhou as eleições fazendo
um movimento para o centro do espectro político, Dilma e o PT radicalizaram
o discurso por intermédio do debate de idéias em torno do Programa Nacional
de Direitos Humanos 3, lançado pelo governo no final do ano passado.
"Observamos no Brasil tendências cada vez maiores de cerceamento da
liberdade de expressão. Além do CFJ e da Ancinav, tem a Conferência Nacional
de Comunicação, o PNDH-3 e a Conferência de Cultura. Então o projeto é
claro. Só não vê coerência quem não quer", afirma. "Se muitas das intenções
do PT não foram realizadas não foi por ausência de vontades, mas por
ausência de condições, sobretudo porque a mídia é atuante", admite.
Hora de reagir
E foi essa atuação consistente que o Instituto Millenium cobrou da imprensa
brasileira. Sair da abstração literária e partir para o ataque.
"Se o Serra ganhasse, faríamos uma festa em termos das liberdades. Seria
ruim para os fumantes, mas mudaria muito em relação à liberdade de
expressão. Mas a perspectiva é que a Dilma vença", alertou Demétrio Magnoli.
"Então o perigo maior que nos ronda é ficar abstratos enquanto os outros são
objetivos e obstinados, furando nossa resistência. A classe, o grupo e as
pessoas ligadas à imprensa têm que ter uma atitude ofensiva e não defensiva.
Temos que combater os indícios, que estão todos aí. O mundo hoje é de muita
liberdade de expressão, inclusive tecnológica, e isso provoca revolta nos
velhos esquerdistas. Por isso tem que haver um trabalho a priori contra
isso, uma atitude de precaução. Senão isso se esvai. Nossa atitude tem que
ser agressiva", disse Jabor, convocando os presentes para a guerra
ideológica.
"Na hora em que a imprensa decidir e passar a defender os valores que são da
democracia, da economia de mercado e do individualismo, e que não se vai dar
trela para quem quer a solapar, começaremos a mudar uma certa cultura",
prevê Reinaldo Azevedo.
Um último conselho foi dado aos veículos de imprensa: assumam publicamente a
candidatura que vão apoiar. Espera-se que ao menos esta recomendação seja
seguida, para que a posição da grande mídia não seja conhecida apenas por
aqueles que puderam pagar R$ 500,00 pela oficina de campanha eleitoral dada