Usina de Letras
Usina de Letras
236 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62073 )

Cartas ( 21333)

Contos (13257)

Cordel (10446)

Cronicas (22535)

Discursos (3237)

Ensaios - (10301)

Erótico (13562)

Frases (50480)

Humor (20016)

Infantil (5407)

Infanto Juvenil (4744)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140761)

Redação (3296)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1958)

Textos Religiosos/Sermões (6163)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->"Tenha um bom dia" -- 09/09/2002 - 16:52 (Túlio Pires Bragança) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Escadas do shopping, sábado a noite chuvoso, 23:19, um tremendo arrependimento me abatia.

Como combinado, fui assistir ao filme com Maria Teresa. A baixinha de fala melosa e boca hipnotizante era dona do meu coração fazia três meses. Até quando iria aguentar aquilo tudo? Bem, eu não sabia. Fazia quase uma semana que ela conhecia a verdade. Amava-a e queria fazer de tudo para tê-a comigo. Já passava da hora dela decidir. Era sim ou não? Odiava, mas como odiava o tal do "vamos deixar rolar".

Não estava com a mínima paciência para esperar um ônibus, como Maria havia pago o meu cinema, resolvi arriscar um táxi. Entro no carro e o motorista pergunta o itinerário, logo estaria na minha cama, recebendo o aconchego que só ela sabe me proporcionar.

- Será que vão invadir o Iraque mesmo?
Uma voz rouca riscava meus tímpanos e arranhava o silêncio dentro do carro. Era algo inédito, minhas conversas com estranhos se limitavam a comentários sobre condições climáticas, no máximo alguma coisa de futebol. Aquele motorista devia estar doente ou, se bobear, nem deveria ser registrado na prefeitura. Taxista que é taxista tem que comentar do tempo! Ao menos naquele comentário inicial quebra-gelo entre o condutor e o passageiro. Por que ele queria saber minha opinião sobre algo que acontecia lá na pinda?

- É, vamo vê.
Foi o que respondi de bate-pronto. Sou horrível em situações inesperadas. Era óbvio que podia ter refletido mais e dado uma respostinha melhor, mas eu não estava nem afim.

- Pois é rapaz, aquele Bush devia gastar dinheiro em outra coisa, você não concorda? Tanta gente passando fome no mundo.
Ai ai ai, não estava preparado para aquele tipo de conversa, não queria decidir sobre a vida de Sadam Hussein. E lá vinha a voz rouca interrompendo meus pensamentos:

- Pra começar, a eleição dele já foi cheia de fraudes. Você sabia que o Brasil vai exportar nossas urnas eletrônicas para lá? Sim rapaz, imagina só, um país de terceiro mundo como o nosso ensinando os americanos a votar! - logo percebi que aquilo tudo seria um grande monólogo.
Observo o taxímetro que com seus leds vermelhos me dizia: R$4,50. Naquela hora Maria Teresa já tinha se evaporado de minha mente. Olhei bem para o taxista (ele ainda discursava sobre o mundo) e vi que ele tinha um semblante nervoso, uma face recém-barbeada, havia um leve cheiro de pós-barba no ar. Sua boca ainda se mexia. Não adiantaria falar um "Cala a boca e dirige porque eu estou te pagando". Não iria conseguir ser tão áspero e ignorante com o homem, pessoas chatas existem por toda a face da Terra, eu já estava acostumado.
Se todos fossem no mundo legais como eu, pensei. Bem que isso daria uma bela música.
Mas fazer o quê? O pobre do taxista tinha me escolhido para desabafar e pronto.
A conversa dele continuava e eu prestando atenção nas moças-de-vida-fácil da avenida. Infelizmente passávamos pelo distrito de R$1,99 e o que via não era nada atraente. Como é que alguém pode pagar por uma coisa daquelas? Coisinha mais caída!

- Vestimos as mesmas roupas, só nossos sotaques é que são diferentes - Sinceramente não fazia a menor idéia do que aquele comentário se tratava, mas parecia inteligente. Será que esse motorista estava fazendo um experimento sociológico comigo? Na verdade ele era um doutor em Harvard que pretendia estudar o comportamento dos passageiros de táxi de um sábado à noite? Uma espécie de táxi do Gugu dos letrados? Todos meus movimentos estariam sendo gravados para posterior análise e discussão em banca? Aquilo começou a torturar minha mente.
Não havia mais tempo, o sedan quatro portas parava em frente ao Edifício Príncipe e eu desembolsava os meus ricos reais.
O motorista se despediu com um "Tenha um bom dia" digno de operadores de telemarketing. A conversa havia cessado com aquela frase sobre roupas e sotaque, segundos antes do carro parar. Tudo extremamente calculado, resultado de anos de experiências sociológicas com passageiros de táxi.

Nunca iria descobrir a verdade. Se ele fosse um sociólogo fazendo um experimento já poderia estar de malas prontas para Harvard ou Yale, meu perfil iria aumentar a fatia dos passageiros do item "desinteressados na política mundial". Estaria colaborando para comprovar a tese de que o jovem brasileiro é um alienado e não está nem aí para os rumos do mundo. Mas que experimento mais estúpido! Ele nem menos me perguntou "como vai?" Nem sabia da minha relação com Maria. Se ele soubesse, poderia relevar, mas ele nem levou em conta. Se soubesse de tudo antes teria mais o que dizer, não deixaria ele falando sozinho. Sábado a noite não é o dia mais recomendado para experimentos sociológicos. Já estava até vendo, jornalistas me comentando na TV, minhas imagens sendo transmitidas para todo o Brasil. Imaginem só se eles me mostrarem olhando pras prostitutas? Que vergonha! Aquilo tudo era ilegal! Como transmitem minha imagem sem minha autorização? Eu não assinei nada! NADA! Crime!
Resolvi dormir depois de muito pensar e não chegar a nenhuma conclusão importante, só tinha hipóteses.
Acordo no dia seguinte. Abro meu jornal para acompanhar as notícias da política e vejo um anúncio enorme de um novo barbeador, super moderno e que não irrita a pele. O garoto-propaganda está com um sorriso bem largo e uma pele lisinha. É um pouco velho para fazer comerciais. Dou uma olhada mais atenta e percebo que se tratava de um ex-candidato a presidência que tirou sua barba depois de 25 anos de vida pública.

Túlio Pires Bragança
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui